Capítulo 21: Coisas que eu não escolheria

Se não fizesse diferença para as outras pessoas eu poderia fazer as coisas exatamente como gosto e não escolheria que meu livro fosse despedaçado por camaradas que não tiveram a honestidade de ler o material, mas de antemão imaginaram o conteúdo do livro, como fez o Simão Simplório quando participou de um júri. Entretanto, como disse o rinoceronte: "Eu não tenho uma pele muito fina; e se os outros se divertem procurando o que dizer a meu respeito; eles são bem-vindos e livres para fazer isso". A bigorna nunca teve medo do martelo. Os editores de Londres disseram-me para abrir uma página do livro, cheirá-la e começar a louvar o livro acima dos céus ou a maltratá-lo sem piedade, da mesma forma que a larva o devora. João Lavrador espera que o editor vire essa página do livro quando enviá-lo para os jornais e espera que as seguintes palavras sejam suficientes para os sábios: "Espero que minhas pérolas não caiam na boca dos porcos". Se puder escolher, não quero trazer para casa um pedaço de manteiga embrulhado em seis páginas do livro da próxima vez que for ao mercado, contudo não é improvável que isso aconteça, assim, preciso tolerar isso, como fez Tom Higgs quando tinha apenas peru e pudim de ameixa para jantar.


Eu não escolheria arar com dois cavalos velhos abobados, sem fôlego e cansados para o trabalho, piedade para os pobres cavalos, piedade para o pobre lavrador e nada de piedade para o fazendeiro que mantém um gado tão miserável. Quando vejo um homem chicoteando e açoitando um pobre cavalo como se fosse uma besta, tenho vontade de chutá-lo, mas, ao mesmo tempo, sinto alegria, pois a Violeta e o Garboso se saem bem sem o som do chicote e sem precisar, como os advogados, ser pagos por tudo o que fazem. Um homem que judia de um cavalo deveria ser preso em um arreio e cavalgado por um sanguinário. Consegue-se muito dos animais com delicadeza, não com crueldade. Quem não tem pena do seu animal é mais irracional que o próprio animal. Eu não escolheria um capuz de rabo curto no verão, nem uma empregada com um monte de amos, nem um ministro com meia dúzia de tiranos ignorantes como diáconos, nem um homem que vive com sua sogra. Nem gostaria de tentar a verdade deste velho ditado:

Dois gatos e um rato,
Duas mulheres em uma casa,
Dois cachorros e um osso,
Não se entendem por muito tempo.

 

Eu não gostaria de ser um cão com uma chaleira de estanho amarrada no rabo, nem de ser a minhoca no anzol do pescador, nem a enguia escaldada viva, nem mesmo o marido que tem uma megera como esposa, eu preferiria não cair nas mandíbulas de um jacaré ou nas mãos de um advogado; o único processo que demora muito é o processo judicial, e isso jamais estará bom para mim. Eu não escolheria ser bisbilhotado até a morte por lavadeiras grosseiras ou importunado por um vendedor ambulante querendo que eu comprasse por seis moedas fascículos de um livro que continuará a ser editado para sempre, assim como os débitos do velho Jimmy.


Eu teria muita dificuldade em me levantar se escolhesse dormir com porcos ou viver na casa de algumas pessoas sem higiene. Eu não escolheria ter nem metade das cabanas feitas para trabalhadores pobres para morar; nenhum fazendeiro seria tão desprezível a ponto de manter seus cavalos nelas, e elas não seriam suficientemente boas nem para servir de canil para cães. Pensem em um pai, uma mãe, um filho adulto e duas filhas dormindo no mesmo quarto! É uma humilhação que envergonha e um pecado notório por parte daqueles que levam as pessoas a tais situações. Eu não agüento ter conhecimento disso, mas ocorre com muita freqüência. Como os nobres rurais e os donos de terras aceitam isso? Se qualquer homem defende esse sistema é uma ótima idéia deixá-lo pendurado por meia hora.


Eu não escolheria ser empregado de um avarento, trabalhar para um rabugento, ser pau mandado de um macaco ou bajulador de um senhor sem cérebro. Eu também não escolheria ir para um asilo ou me candidatar ao serviço de assistência da igreja; antes, eu tentaria a doação de sopa de aveia de Grantham, nove grãos em um galão de água. Eu não passaria o chapéu para encher meu bolso, nem emprestaria dinheiro, nem seria um vadio, nem viveria debaixo do ancinho como um sapo — não, nem por tudo que sempre escorre da fria mão da caridade.


Mau como sou não escolheria mudar, a não ser que pudesse melhorar a mim mesmo. Quem para sair da chuva ficaria embaixo do esguicho? Qual a utilidade de viajar para o outro lado do mundo para ser pior ainda do que já é? A velha Inglaterra para mim, e a baía Botany para os que gostam de mudar.


Eu não escolheria montar em um porco, nem manejar um pangaré, nem tentar persuadir um homem tolo; não gostaria de ser um mestre em uma escola com meninos rebeldes, nem um touro mordido por cães, nem uma galinha que chocou patos. Pior ainda ser um pregador que provoca sono nos ouvintes; ele caça com cães mortos e monta em cavalo de madeira. Dessa forma, trabalharia tanto para porcos dorminhocos como para homens adormecidos.


Eu não compraria um cavalo de um negociante se pudesse comprá-lo de dois ou três negociantes honestos de que ninguém nunca ouviu falar. Um vendedor de cavalos muito honesto nunca o trapaceia se você não permitir; já um desonesto arranca seu dente canino, mesmo se sua boca estiver fechada. Os cavalos são quase tão difíceis de julgar como o coração humano; as mãos mais experientes se enganam com eles. Ossos destrambelhados, doenças nos ossos e fraturas, doença de graxa, sarna e excrescência, escoriações grosseiras que viram cancros, cólica e icterícia, fraturas e aguamento nas pernas traseiras e dianteiras, dificilmente há um cavalo são neste mundo. Afinal trocar cavalos não é uma coisa boa. Se você tiver um bom, mantenha-o, pois você nunca consegue um melhor; se você tem um que não é bom, mantenha-o, pois você tem uma chance em dez de comprar outro melhor.


Eu não escolheria me transformar em um capacho, nem em um cão de água, nem em um camarada que come lodo a fim de lisonjear pessoas importantes. Esqueça quem diz mentiras para agradar os outros. Eu prefiro ter a verdade do meu lado, mesmo que tenha de andar descalço. Independência e consciência limpa com repolho frio é melhor que escravidão com carne assada.


Eu não gostaria de manter um pedágio no topo de uma montanha alta, ou ser um coletor de impostos, ou um oficial de justiça, ou um incomodo geral, ou um pobre carteiro com metade do necessário para viver e duas vezes mais para fazer do que deveria; seria melhor ser um cavalo cigano e viver em um lugar comum com fartura de porretes de carvalho, e sem feno e sem aveia.


Eu não escolheria ser depenado como um ganso, nem ser acionista em uma empresa, uma forma de ser frito vivo; nem de estar sob a misericórdia de um padre católico romano. Eu não seria o padrinho do filho de alguém para prometer que o pequeno pecador seguirá os sagrados mandamentos de Deus e andará segundo os mesmos todos os dias de sua vida. Antes, eu preferiria prometer pôr a lua na manga do meu paletó e trazê-la de volta na perna das minhas calças ou fazer votos para que o queridinho venha a ter cabelos vermelhos e nariz arrebitado. Nem diria mentiras sobre meu filho na esperança de, pela cegueira do pároco, conseguir cobertores que são doados na época do Natal.


Não escolheria ir a um lugar em que ficasse com medo de morrer, nem poderia tolerar viver sem uma boa esperança para o futuro. Eu não escolheria sentar sobre um barril de pólvora fumando um cachimbo, mas isso é o que fazem os que não pensam em sua alma, quando a vida é tão incerta. Não escolheria meu destino na terra, mas o deixaria que Deus para que escolhesse para mim. Eu poderia colher e escolher ficar com o pior, mas a escolha dele é sempre a melhor.