Capítulo 14: Homens em adversidade

A sorte de um homem não é totalmente conhecida até ele estar morto: a mudança de sorte é a sina da vida. O que hoje dirige uma carruagem, um dia, pode ter de limpá-la. Até os troncos que bóiam na água mudam de lugar, e quem agora está por cima poderá ter de aceitar sua vez de ficar no buraco. Em poucos anos, nós poderemos estar todos carecas e pobres também, e quem sabe o que poderá vir para nós antes disso? O pensamento de que nós mesmos, um dia, estaremos embaixo da janela, deveria nos tornar cuidadosos quando jogamos água suja pela janela. Seremos medidos com a mesma medida que medimos, portanto prestemos atenção ao nosso comportamento com os infelizes.


Nada me deixa mais doente com a natureza humana que a forma como alguns homens tratam os outros, quando estes caem da escada da fortuna. Eles gritam: "Abaixo com ele, nunca foi bom para nada".


Para baixo, entre os homens mortos,
Para baixo, para baixo, para baixo,
Para baixo, entre os homens mortos
Deixem que ele fique ali.

 

Cães não comem cães, mas os homens se devoram como canibais e ainda se gabam disso. Há milhares de pessoas neste mundo que voam como abutres para se alimentar de um negociante ou comerciante tão logo ele tem dificuldades. Onde houver carcaças, haverá águias reunidas. Em vez de uma pequena ajuda, elas dão ao homem caído muita crueldade e gritaria. Bem feito para ele, todo mundo açoita o homem a quem a fortuna golpeia. Se a providência o golpeia, os chicotes de todos os homens se levantam para golpeá-lo. O cão está se afogando, por isso, todos seus amigos esvaziam os baldes de água sobre ele. A árvore caiu, e todo mundo corre com seu machadinho. A casa pega fogo, e todos os vizinhos se aquecem com o calor. O homem tem aparência de doente, e seus amigos lhe dão um tratamento doentio; ele capota na estrada, e os outros passam com o carro por cima dele; ele cai e o egoísmo grita: "Deixe que fique caído, assim sobra mais espaço para quem está de pé".


Como é triste, quando os que o derrubam, ficam chutando-o por nada. Não é muito agradável ouvir que você foi um grande tolo, pois havia, pelo menos, cinqüenta formas de se manter fora de dificuldade e só você não conseguiu ver. Você não podia perder o jogo, até mesmo um João Bobo consegue ver onde você errou: "Ele deveria ter fechado as portas do estábulo!" –, todo mundo enxergou isso, mas ninguém se ofereceu para comprar um cavalo novo para o perdedor. "Que pena, ele conseguiu ir tão longe na neve!" –, é verdade, mas isso não salvou o pobre camarada do afogamento. É muito fácil dizer que há buracos em um casaco gasto, e mais fácil ainda, é fazer um buraco nele. Um bom conselho é um alimento pobre para uma família faminta.


Um homem de palavras, e não de ações –
É como um jardim cheio de ervas daninhas.

 

Quando eu chegar em casa, empreste-me um pedaço de barbante para amarrar os tirantes e consertar defeitos em meu velho arreio. Ajude meu velho cavalo com um pouco de aveia, e depois peça-lhe para apressar o passo. Sinta por mim, e eu me sentirei muito agradecido a você, mas esteja atento para sentir em seu bolso ou seu sentimento não vale uma bagatela.


Muitos homens que descem a montanha encontram-se com Judas antes de chegar ao fim dela. Em geral, os que eles ajudaram em seus tempos bons esquecem a dívida ou a pagam com indelicadeza. O broto novo foge com a seiva da velha árvore. A cria suga sua mãe e, depois, a chuta. O velho ditado diz: "Eu te ensinei a nadar, agora você pode me afogar", e muitas vezes isso acontece. O cão abana a cauda até conseguir o osso, depois, ele morde a mão que o alimentou. O pão que se comeu é esquecido, e a mão que o deu é desprezada. A vela ilumina os outros e apaga. A maioria das pessoas esquece com facilidade uma reviravolta boa. A lei dourada do mundo é a do cada um por si mesmo, e todos sabemos quem fica com a última parte. A raposa toma conta da própria pele e não pensa em perder a cauda por gratidão a um amigo.


Um espírito nobre sempre fica do lado dos fracos, mas os espíritos nobres não cavalgam com freqüência ao longo de nossas estradas. Eles são raros como as águias, você pega grande quantidade de pombas, falcões e aves de rapina, mas a raça mais nobre você não vê nem uma vez sequer durante a vida. Você já ouviu os corvos lerem o preâmbulo fúnebre em cima de uma ovelha morta antes de devorá-la? Bem, isso é muito parecido com os vizinhos pranteando: "Que pena! Como aconteceu? Ó querido! Ó querido!", em seguida, apressam-se no trabalho de garantir sua parte no despojo. A maior parte das pessoas ajuda quem não precisa; cada viajante atira uma pedra onde já existe uma pilha delas; todos os cozinheiros regam com molho ou gordura o porco gordo, mas deixam queimar a carne magra.


Em tempos de prosperidade os amigos são abundantes:
Em tempos de adversidade não há um entre vinte.

 

Quando o vento está a favor, tudo ajuda. Enquanto a panela ferve, a amizade floresce. Mas os aduladores não visitam cabanas, e nenhum noivo conhece a rosa murcha. Todos os vizinhos são primos do homem rico, mas o irmão do homem pobre não o conhece. Quando temos uma ovelha e um cordeiro, todos gritam: "Seja bem-vindo, Pedro!". Se o fazendeiro der um suspiro é ouvido à distância de quase um quilômetro, mas ninguém ouve a viúva Needy do outro lado das grades do parque, deixem que ela chame enquanto puder. Há homens dispostos a despejar água em uma banheira cheia de água e a dar festas para os que não estão com fome, porque querem receber o mesmo, ou até mais, em retorno. Coma um ganso e consiga um ganso. Tenha um cavalo seu e, depois, você também pode pedir um emprestado. É seguro emprestar cevada quando o celeiro está cheio de trigo, mas quem empresta ou dá para quem não tem nada? Quem, a não ser uma alma velha e antiquada que realmente acredita em sua Bíblia e ama o seu Deus e, por isso, dá sem esperar nada de volta?


Observo que certas pessoas da nobreza pretendem ser grandes amigos do homem que passa por dificuldades porque ainda há alguns restos a serem retirados de seus ossos. O advogado e o homem que empresta dinheiro cobrem o pobre infeliz com suas asas e, depois, mordem-no com suas contas até que não reste nada. Quando essas pessoas são muito polidas e têm muita consideração, os infelizes têm de se acautelar. Não foi um bom sinal quando a raposa entrou no galinheiro e disse: "Bom dia para todas vocês, minhas amigas muito queridas".


No entanto, os homens em adversidades não devem se desesperar, pois Deus está vivo e é amigo dos que não têm amigos. Se não houver mais ninguém para dar uma mão para quem está em necessidade, a mão do Senhor não deixará de trazer libertação para os que confiam nele. Um homem bom pode ser colocado no fogo, mas não pode ser queimado. Sua esperança pode ficar encharcada, mas não se afoga. Ele recobra a coragem, faz de seu coração valente uma muralha de pedra e sai do solo áspero em que outros ficam caídos e morrem. Enquanto há vida, há esperança. Por isso, meu amigo, se você passa por adversidades, João Lavrador convida-o a não ficar no fosso, mas a levantar-se e tentar de novo. Jonas chegou ao fundo do mar, mas voltou á praia, e muito melhor depois de sua jornada aquática.


Apesar do pássaro estar no ninho,
Ele logo vai embora;
Apesar de eu estar no pó,
Confio muito no meu Deus,
Espero nele,
E entrego tudo a sua vontade;
Com certeza, ele virá,
E banirá meu medo.

 

Jamais esqueça que o homem que passa por adversidades tem uma grande oportunidade de confiar em Deus. A fé falsa flutua apenas em água plácida; mas a fé verdadeira fé, como o barco salva-vidas, está em casa na tempestade. Se nossa religião não nos desnuda em tempos de provação, qual é sua utilidade? Não acreditamos de fato em Deus se não conseguimos acreditar nele quando as circunstâncias aprecem adversas. Confiamos em um ladrão contato que possamos vê-lo, será que ousamos tratar a Deus da mesma forma? Não, não. O Senhor é bom. E ele ainda aparece para seus servos, e nós devemos louvar seu nome.


Para baixo, entre os homens mortos!
Não, senhor, eu não.
Para baixo, entre os homens mortos!
Eu não me deitarei.
Para cima, entre os esperançosos,
Eu irei,
Para cima, entre os alegres,
cante para sempre.