Alguma coisa boa de Abias (2)

Ele não usava o filactério largo, mas tinha um espírito manso e quieto. Pode não ter sido grande orador, senão talvez se dissesse dele: "Ele falou coisas boas a respeito do Deus de Israel"; ele pode ter sido um garoto tímido, reservado, quase silencioso, mas a boa coisa estava "nele". E este é o tipo de coisa que desejamos para cada um de nossos amigos, uma obra de graça interior. O ponto importante não é usar a vestimenta, nem usar a fala da religião, mas possuir a vida de Deus dentro de si, e sentir e pensar como Jesus faria por causa dessa vida interior. Pequeno é o valor exterior a não ser que seja o resultado de uma vida interior. A graça verdadeira não é como uma roupa, que pode ser vestida e tirada; mas é uma parte integral da pessoa que a possui. A piedade dessa criança era do tipo verdadeiro, pessoal, interior: possam todas as nossas crianças possuir alguma coisa boa!

Disseram-nos que essa boa coisa "foi encontrada" nela: isso significa que era bem visível, pois a expressão "encontrada" é usada mesmo quando não significa uma grande busca. O Senhor não diz mesmo: "Fui achado por aqueles que não me procuravam" (Rm 10.20)? A piedade zelosa do tipo infantil logo se revela; em geral, uma criança é bem menos reservada nas palavras do que um homem; seus lábios não ficam imóveis por prudência reservada, ao contrário, revelam o coração. Piedade numa criança aparece mesmo na aparência, de modo que pessoas que chegam à casa como visitantes ficam surpresos com as afirmações naturais que revelam o pequeno cristão. Muitas pessoas em Tirza não tinham como não saber que essa criança tinha alguma coisa boa em relação a Jeová. Podiam não se preocupar em entender isso, podiam esperar que isso fosse oprimido na criança pelo exemplo da corte à sua volta, mesmo assim sabiam que estava lá, fizeram essa descoberta sem dificuldade.

Contudo, a expressão tem outro sentido: sugere que quando Deus, o examinador rigoroso, que prova as rédeas dos filhos dos homens, visitou essa criança, ele encontrou nela algo para louvor e glória: "alguma coisa boa" foi descoberta nela por aqueles olhos que não podem ser enganados. Nem tudo que reluz é ouro, mas o que estava nessa criança era o metal genuíno. Ah, que isso possa ser verdade sobre cada um de nós quando formos testados como pelo fogo! Pode ser que o pai do menino estivesse zangado com ele por servir a Jeová, mas qualquer que tenha sido sua tribulação, ele saiu dela incólume.

Para mim, a expressão sugere surpresa. Como essa boa coisa entrou na criança? "Nela foi encontrado alguma coisa boa"--como quando um homem encontra um tesouro num campo. O fazendeiro não pensava em nada senão em seus bois, suas terras e sua colheita, quando de repente o arado deixou à vista um tesouro escondido: ele o achou onde estava, mas não podia saber como esse tesouro chegou até ali. Assim, nessa criança, colocada em posição nada vantajosa, para surpresa de todos, ali se encontrou alguma coisa boa para com o Senhor Deus de Israel. Sua conversão está velada em mistério. Não nos contaram como era a graça em seu coração, nem de onde veio, nem que ações especiais produzia, mas ali estava, encontrada onde ninguém a esperava. Creio que esse caso é típico de muitas das crianças eleitas a quem Deus chama por sua graça nas praças e vielas das grandes cidades. Não pense em anotar a experiência delas, seus sentimentos e sua vida, e somar tudo; não espere saber datas e meios especificamente, mas você precisa aceitar a criança assim como temos de aceitar Abias, alegrando-nos em achar nela uma pequena maravilha de graça com o selo do próprio Deus sobre ela. O velho profeta, em nome do Senhor, atestou o jovem príncipe como um seguidor do Altíssimo de coração puro; e do mesmo modo o Senhor coloca sua marca de graça atestando as crianças regeneradas, e devemos ficar contentes com isso, mesmo que faltem algumas outras coisas. Vamos receber com alegria essas obras do Espírito Santo que nós nem sabemos descrever com precisão.

Tudo o que se diz sobre este caso é que nele havia "alguma coisa boa"; e isso deve ser compreendido como se a obra divina fosse apenas uma centelha de graça, o início da vida espiritual. Não havia nada muito marcante nele, ou seria mencionado com mais clareza. Ele não era um seguidor heróico de Jeová, e seus feitos de lealdade a Deus não estão escritos, porque por razão de seus tenros anos ele não teve nem poder nem oportunidade para fazer muita coisa que pudesse ser escrita. À medida que compreendemos que nele havia "alguma coisa boa", subentende-se que não era uma coisa perfeita, e que não era acompanhada de todas as coisas boas que se pudesse desejar. Faltavam muitas coisas boas, mas "alguma coisa boa" se manifestou, e, portanto, a criança foi aceita e, por amor divino, salva de uma morte ignóbil.

Somos capazes de passar sem ver "alguma coisa boa" numa casa má. Esta foi a maior maravilha de tudo, o fato de haver uma criança graciosa no palácio de Jeroboão. A mãe geralmente domina a casa, mas a rainha era uma princesa do Egito e uma idólatra. Um pai tem grande influência, mas, neste caso, Jeroboão pecou e fez a nação de Israel pecar, mas não pôde fazer seu filho pecar. Toda a Terra sente a influência pestilenta de Jeroboão, contudo, perto de seus pés há um espaço belo que a graça soberana salvou da praga; seu primogênito, que normalmente imitaria seu pai, é o contrário dele--ali estava o herdeiro de Jeroboão, "alguma coisa boa em relação a Jeová, Deus de Israel". Em tal lugar nós não procuramos por graça, e somos capazes de passar sem vê-la. Se você for às praças de nossas grandes cidades, que são magníficas, você verá que fervilham de crianças dos pobres, você não espera encontrar graça onde o pecado existe em abundância. Nos recantos e vielas das grandes cidades, ouvimos blasfêmia e vemos viciados por todo lado, mas nem por isso devemos concluir que ali não há uma criança de Deus; não devemos dizer: "O amor eleitor de Deus nunca caiu sobre qualquer uma dessas crianças". Como podemos saber? Uma dessas criancinhas vestidas pobremente, brincando em cima de uma pilha de pó, pode ter encontrado Cristo por aí, e pode estar destinada a um lugar à mão direita de Cristo. Preciosa é esta jóia, embora fundida no meio dessas pedrinhas. Brilhante é aquele diamante, embora se ache em cima do monturo. Se na criança há "alguma coisa boa em relação ao Senhor Deus de Israel", ela deve assim mesmo ser valorizada porque seu pai é um ladrão e sua mãe bebe demais. Nunca despreze a criança mais maltrapilha.

Na Irlanda, um ministro, que estava pastoreando uma pequena congregação protestante, notou por vários domingos, em pé no corredor perto da porta, um menino muito maltrapilho, que escutava o sermão com avidez. Ele desejava saber quem era o menino, mas o garoto sempre desaparecia logo que o sermão terminava. Ele pediu a um ou dois amigos que vigiassem, mas de alguma forma o garoto sempre escapava, e não podia ser descoberto. Um Domingo, o pastor pregou um sermão que dizia: "Sua própria mão direita e seu braço santo lhe conseguiram a vitória", e depois desse dia sentiu falta do menino. Seis semanas se passaram, e a criança não veio mais, mas um homem desceu das montanhas e rogou ao ministro que fosse ver seu menino, que estava morrendo. Ele vivia num casebre muito pobre. Andaram seis quilômetros na chuva, por terra encharcada e sobre morros, e o ministro chegou à porta do casebre. Ao entrar, o pobre garoto que estava sentado na cama viu o pregador; ele agitou seu braço e exclamou alto: "Sua própria mão direita e seu braço santo lhe conseguiram a vitória". Foi sua última exclamação, seu brado final de triunfo. Quem sabe se não há muitos e muitos casos em que a mão direita do Senhor e seu braço santo lhe conseguiram a vitória, a despeito da pobreza, do pecado e da ignorância que podem ter rodeado o jovem convertido? Então, não desprezemos a graça, onde quer que seja, mas valorizemos com vontade aquilo que facilmente somos capazes deixar passar sem que percebamos.

Nós não podemos entender que as crianças queridas que amam a Deus possam muitas vezes ser chamadas a sofrer. Dizemos: "Ora, se fosse meu filho, eu o curaria e tiraria os sofrimentos dele imediatamente." Mas o Pai Todo-Poderoso permite que seus queridos sofram. A criança piedosa de Jeroboão está prostrada pela doença, e seu pai ímpio não está doente, e sua mãe não está doente; podíamos quase desejar que estivessem, para que fizessem menos maldade. Só um piedoso na família, e ele doente! Por que isso aconteceu? Por que é assim em outros casos? Você pode encontrar um menino cheio de graça que é aleijado, uma menina com a mente voltada ao céu que é tuberculosa: muitas vezes, verá a mão pesada de Deus descansando onde seu amor eterno fixou sua escolha. Há um sentido em tudo isso, e nós conhecemos um pouco disso; e se nada soubéssemos, mesmo assim creríamos na bondade do Senhor. O filho de Jeroboão era como o figo do sicômoro, que não amadurece até que seja machucado: pela sua doença, ele amadureceu rapidamente para a glória. Também, foi pelo bem de seu pai e de sua mãe que ele estava doente. Se estivessem dispostos a aprender pela tristeza, isso poderia ter abençoado muito a eles. Pelo menos os impulsionou a irem ao profeta de Deus. Ah, se pelo menos o impulso os tivesse levado ao próprio Deus! Já aconteceu de uma criança enferma conduzir parentes cegos ao Salvador, e com isso os olhos deles foram abertos.

Há algo ainda mais notável: algumas das crianças mais queridas de Deus morrem ainda novos. Eu teria dito: que Jeroboão morra e sua esposa também, mas que a criança seja poupada. Sim, mas a criança precisa ir; ela é a mais capacitada. Sua partida teve o propósito de atribuir glória à graça de Deus por salvar essa criança, e assim aperfeiçoá-la. Seria a recompensa da graça, pois a criança foi tirada do mal que viria; era para morrer em paz e ser sepultada, enquanto o resto de sua família enfrentaria a morte pela espada e seria entregue aos chacais e aos abutres para serem rasgados em pedaços. No caso desta criança, sua morte precoce foi uma prova de graça. Se alguém disser que crianças convertidas não devem ser recebidas na igreja, eu responderei: como é que o Senhor leva tantos delas para o céu? O Senhor, em misericórdia infinita, muitas vezes leva as crianças para si, e as salva das tribulações de uma longa vida e da tentação, não só porque há graça nelas, mas há muito mais graça do que o normal, que não é necessário demorar; já estão maduras para a colheita. É maravilhoso ver que uma grande graça pode habitar o coração de um menino: a piedade infantil não é de modo algum de um tipo inferior, e por vezes está madura para o céu.