Capítulo 17: Testemunhas para Deus convertidas na mocidade (1Reis 18.12)

Duvido que Elias tenha apreciado muito Obadias. Ele não o trata com nenhuma consideração, ao contrário, fala com ele mais rispidamente do que se imaginaria de um irmão na fé. Elias era o homem de ação--corajoso, sempre à frente, sem nada a ocultar; Obadias era um crente quieto, verdadeiro e firme, mas numa posição muito difícil, e por isso constrangido a fazer sua obrigação de maneira menos aberta. A fé que tinha no Senhor movia sua vida, mas não o impulsionava a sair da corte do rei. Mesmo depois que Elias soube mais como ele era, nessa entrevista, Elias fala acerca do povo de Deus como se não contasse muito com Obadias e com outras pessoas semelhantes. Ele diz para Deus: "Quebraram os teus altares, e mataram os teus profetas à espada. Sou o único que sobrou, e agora também me procuram para matar-me" (1Re 19.14b). Ele sabia muito bem que Obadias estava vivo, e que, embora não fosse exatamente um profeta, era um homem de destaque; mas parece ignorá-lo como se fosse de pequena estatura no grande embate. Talvez porque Elias, homem de ferro, profeta de fogo e trovão, servo poderoso do Altíssimo, desse pouco valor a alguém que não assumisse uma posição de realce e lutasse igual a ele. A tendência de mentes corajosas e zelosas é valorizar menos a piedade discreta, reservada. Servos fiéis de Deus e aceitos por ele podem dar o melhor de si sob grandes desvantagens, contra forte oposição, e não serem reconhecidos, e podem mesmo evitar até o menor reconhecimento; portanto, homens que vivem na luz feroz da vida pública poderão subestimá-los. Esses astros menores ficam perdidos no brilho do homem a quem Deus ilumina como um novo Sol para flamejar na escuridão. Elias flamejava no céu de Israel como um raio com trovão vindo da mão do Eterno, e naturalmente ele seria um tanto impaciente com aqueles cujos movimentos eram mais lentos e menos aparentes. É Marta e Maria de novo, em alguns aspectos.

O Senhor não ama que seus servos, por maiores que sejam, pensem pouco de seus companheiros menores, e me ocorre que ele tenha arranjado as coisas de maneira que Obadias se tornasse importante para Elias quando ele tinha de enfrentar o rei irado de Israel. Solicitou-se ao profeta que se apresentasse a Acabe, e ele o faz; mas julga ser melhor começar mostrando-se ao governador do palácio, para que ele leve a notícia a seu mestre, o rei, e o prepare para a entrevista. Acabe estava nervoso com os resultados terríveis da longa seca e poderia, na sua fúria, tentar matar o profeta, e como tem tempo para reconsiderar, pode se acalmar um pouco.

Elias tem uma entrevista com Obadias, e manda que este vá e diga a Acabe: "Eis aí Elias." Às vezes, o caminho mais curto para atingirmos o nosso objetivo pode dar algumas voltas. Mas é notável que Obadias seja útil para um homem tão superior a ele. Ele, que nunca temeu enfrentar reis, se vê usando como ajudante um indivíduo muito mais tímido do que ele.

Aprendemos mais pela narrativa que Deus nunca se deixa ficar sem testemunhas neste mundo. Sim, e não se deixará ficar sem testemunhas nos lugares piores do mundo. Que moradia horrível para um crente verdadeiro deve ter sido a corte de Acabe! Mesmo que não houvesse outro pecador lá, além daquela mulher Jezabel, ela já seria suficiente para tornar o lugar uma poça de iniqüidade. Aquela rainha sidônia, decidida e orgulhosa, fazia o que queria com o pobre Acabe. Talvez ele jamais tivesse sido o perseguidor que foi se sua esposa não o tivesse instigado; mas ela detestava intensamente o culto de Jeová e desprezava a simplicidade de Israel comparada com o estilo mais pomposo dos sidônios. Acabe devia ceder às suas exigências imperiosas, pois ela não aceitava contradições, e quando seu espírito altivo se levantava ela desafiava toda oposição. Contudo, naquela mesma corte onde Jezabel era senhora, o mordomo era um homem que temia muito a Deus. Nunca se surpreenda por encontrar um crente em qualquer parte. A graça pode viver onde você nunca esperaria vê-la sobreviver por uma hora.

José temeu a Deus na corte do faraó; Daniel foi um conselheiro de confiança de Nabucodonosor; Mordecai esperou na porta do rei Xerxes; a esposa de Pilatos rogou pela vida de Jesus; e haviam santos na casa de César. Ima-gine, então, encontrar diamantes de excelente qualidade no palácio imundo de Nero. Aqueles que temiam a Deus em Roma não só foram cristãos, como foram exemplos para todos os outros cristãos pelo seu amor fraterno e sua generosidade. Certamente, não há lugar nesta terra onde não haja alguma luz: a caverna de iniqüidade mais escura tem sua tocha. Não tema; você pode achar seguidores de Jesus dentro do território do Pandemônio. No palácio de Acabe, você encontra um Obadias que se alegra em manter comunhão com santos desprezados, e deixa a assembléia de um monarca pelos esconderijos de ministros perseguidos.

Essas testemunhas de Deus muitas vezes são pessoas convertidas na mocidade. Ele parece deleitar-se em fazer estes seus porta-bandeiras especiais no dia da batalha. Veja Samuel! Quando Israel se aborreceu com a maldade dos filhos de Eli, a criança Samuel ministrava diante do Senhor. Veja Davi! Quando é apenas um pastorzinho, ele acorda os ecos dos montes solitários com seus salmos e o acompanhamento da música de sua harpa. Veja Josias! Quando Israel se revoltou, foi uma criança chamada Josias que quebrou os altares de Baal e queimou os ossos de seus sacerdotes. Daniel era apenas um rapaz quando se postou pela pureza e por Deus. O Senhor tem hoje - não sei onde--um pequeno Lutero no colo de sua mãe, um pequeno Calvino aprendendo na escola dominical, um jovem Zuínglio cantando um hino a Jesus. Esta era pode se tornar cada vez pior; às vezes, creio que se tornará mesmo, porque muitos sinais apontam para isso; mas o Senhor está preparado para ela.

Os dias são turvos e pressagiam o mal; e esse entardecer pode tornar-se cada vez mais escuro e ser uma noite mais negra que nunca; mas a causa de Deus está segura nas mãos de Deus. Seu trabalho não demorará por falta de homens. Não estenda a mão de Uzias para firmar a arca do Senhor; ela passará em segurança no caminho predestinado de Deus. Cristo não falhará nem ficará desanimado. Deus enterra seus servos, mas sua obra continua viva. Se não houver no palácio um rei que honre a Deus, ainda será encontrado ali um governador que desde a mocidade teme ao Senhor, que cuidará dos profetas do Senhor, e os ocultará até que venham dias melhores. Portanto, tenham coragem, e aguardem horas mais felizes. Nada de valor real está em perigo enquanto Jeová está no trono. As reservas do Senhor estão se apresentando, e seus tambores rufam a vitória.