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Vista para aqueles que não vêem

"Disse Jesus: 'Eu vim a este mundo para julgamento, a fim de que os cegos vejam e os que vêem se tornem cegos'"
(João 9.39).

O grande dia do juízo ainda não chegou. Deus, na sua infinita longanimidade, continua sendo gracioso e dando aos homens mais prazo para se arrependerem e para se reconciliarem com ele. Jesus entrou neste mundo para o juízo, mas não para aquele juízo final, eternamente imutável, que aguarda a todos nós. Aquela hora e aquela vinda chegarão; para isso temos a declaração de Deus, na sua Palavra. Leia Mateus 25. "Quando o Filho do homem vier em sua glória, com todos os anjos, assentar-se-á em seu trono na glória celestial. Todas as nações serão reunidas diante dele, e ele separará umas das outras como o pastor separa as ovelhas dos bodes." Não há nenhuma dúvida quanto a esse fato certeiro; mesmo se ainda muitos séculos tiverem que passar, o temível inquérito judicial será realizado no tempo determinado. "O Senhor não demora em cumprir a sua promessa, como julgam alguns" (2Pe 3.9). Ele está cheio de ternura e longanimidade, e por isso ainda espera; mas a visão será cumprida, e não demorará. Gravem isso em sua mente e vivam como na presença daquele tribunal augusto.

Embora o Dia do Juízo não seja neste momento, nem por isso nosso Senhor Jesus está deixando de realizar uma forma de julgamento neste mundo. "Ele traz a pá em sua mão, a fim de limpar a sua eira" (Lc 3.17). Ele está sentado como um refinador que a cada passo faz a separação entre sua prata e as escórias. Sua cruz tem revelado os pensamentos de muitos corações, e em todos os lugares seu evangelho está agindo como descobridor, como separador, e como teste à luz do qual os homens possam avaliar a si mesmos, se quiserem. É uma circunstância muito feliz quando o homem se dispõe a aceitar o julgamento do Senhor dia após dia, e aceita que a própria lei o julgue antes do Legislador subir ao tribunal. Felizes são essas pessoas entre as quais um julgamento presente está sendo exercido, e a respeito das quais Paulo diz: "Quando, porém, somos julgados pelo Senhor, estamos sendo disciplinados para que não sejamos condenados com o mundo" (1Co 11.32). Os santos são julgados agora por uma disciplina paternal, a fim de que não sejam julgados posteriormente por uma condenação judicial.

O grande propósito de nosso Senhor ao entrar no mundo é a salvação dos homens. "Pois Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo, mas para que este fosse salvo por meio dele" (Jo 3.17); mas, para aquela salvação ser realizada, é necessário que os homens saibam a verdade a respeito de si mesmos, e que adotem uma posição genuína diante de Deus; isso porque Deus não tolera mentiras, nem salvará os homens num fundamento falso. Ele liderará de modo verídico com todas as suas criaturas; se ele as condenar, será porque a justiça assim exige, e se as salvar será porque achou uma maneira para a justiça e a verdade se encontrarem.

Assim, portanto, em todos os lugares no mundo inteiro, sempre que Cristo vem - vem através do seu evangelho com as respectivas consequências -, está em andamento um julgamento. Os homens são colocados diante do tribunal do seu Salvador: são testados, provados, manifestados e declarados. Tão logo a luz entra no mundo, começa a julgar as trevas. Essas trevas dificilmente teriam sido conhecidas como trevas se a luz não tivesse revelado o contraste. Onde é pregado o evangelho, alguns corações o acolhem de imediato, e são classificados como "terreno honesto e bom": homens que estão dispostos a aceitar o evangelho vêm até a luz a fim de que suas ações sejam manifestas, por terem sido realizadas em Deus. Outros corações odeiam a verdade por serem filhos das trevas e, por isso, "amaram as trevas, e não a luz, porque as suas obras eram más" (Jo 3.19). Vocês percebem, no entanto, como [este julgamento], sem ser a intenção principal da vinda de Jesus ao mundo, não deixa de ser um efeito secundário, e chega a ser um propósito incidental da sua vinda: que seu próprio aparecimento entre os filhos dos homens chegasse a julgá-los. Neste espelho, eles contemplam o seu próprio rosto e descobrem suas próprias manchas; mediante este prumo, avaliam sua própria retidão e percebem o quanto se inclinam em direção ao mal. O Senhor abriu uma casa pública de pesagem em nome do evangelho. Você não está vendo a grande balança? - ela é tão exata que pesa um só fio de cabelo. Venham para cá e façam o teste de si mesmos. Mesmo nesta casa do banquete do amor, a verdade demarca quem é dela, mas ferreteia os falsos. Deus tem um fogo de provação em Sião, e um forno de teste em Jerusalém.

Neste momento, precisamos orar para que o evangelho tenha o efeito de produzir distinções. Observem com cuidado que sempre quando Jesus vem, seguem-se os efeitos mais inegáveis. "Eu vim... a fim de que os cegos vejam e os que vêem se tornem cegos." Jesus não é indiferente nem para com o que é certo nem para com o que é errado. Seja quem você for, se ouvir o evangelho em qualquer ocasião, forçosamente terá algum efeito sobre você. Será para a sua alma "um perfume da vida para a vida" ou "um perfume da morte para a morte". Será antídoto ou veneno, a cura ou a morte, amaciamento ou cauterização da consciência. Ou ele levará você a ver, ou, por outro lado, porque você imagina que está vendo, o próprio brilho do evangelho o deixará cego, assim como Saulo de Tarso, que exclamou: "Não podia ver por causa da glória daquela luz." Você não pode ficar indiferente diante do evangelho depois de tê-lo ouvido. "Eu vim", diz Cristo - ninguém entre vocês pode escapar daquele fato; "eu vim para o julgamento", e aquele julgamento precisa ocorrer na mente e consciência de vocês, quer você queira, quer não. Esta vinda e julgamento têm um efeito maravilhosamente marcante e inegável. Não é questão de uma pequena melhoria ou de uma leve alteração; é a revirada total das coisas, de modo que: "os cegos vejam e os que vêem se tornem cegos." É uma mudança muito violenta - da luz para as trevas ou das trevas para a luz. Em qualquer desses casos, trata-se de uma inversão total da condição. Ora, o evangelho fará exatamente isso a seu favor; se você viver sem ele, fará você viver; se você achar que está morto sem ele, ele fará você viver. "Derrubou governantes dos seus tronos, mas exaltou os humildes. Encheu de coisas boas os famintos, mas despediu de mãos vazias os ricos" (Lc 1.52-53).

Fiquem sabendo a partir de agora que, sempre quando Cristo vem, há algum efeito na mente humana; e que esse efeito será inegável e transformará todas as suas condições, de modo bem semelhante a uma inversão das leis da natureza. A abordagem que o Senhor faz a uma alma a elevará para a luz, de modo cada vez mais glorioso; ou, caso contrário, a mergulhará nas trevas mais profundas, na responsabilidade mais profunda, na culpa mais profunda, e, como consequência, nos ais mais profundos.

Bem podemos dar razão àquele pregador fiel que, no meio do seu sermão, parou de repente e exclamou: "Ai de mim! O que estou fazendo? Estou pregando Cristo a vocês e espero que alguns entre vocês o estejam recebendo, de modo que eu esteja conduzindo vocês em direção ao céu; por outro lado, muitos outros entre vocês estão rejeitando a ele, e assim, estou aumentando a responsabilidade e culpa de vocês. Sendo assim, estou fazendo o mal, e não o bem, a vocês. Ai de mim!" Que Deus ajude seu pobre servo! Eu mesmo senti, frequentemente, que a doce pregação do evangelho é serviço amargo. Não me admiro que pensamentos melancólicos sobrevenham ao pregador sincero; gostaria que seus ouvintes participassem com ele nas suas ansiedades. Unamo-nos neste momento em profunda solicitude; eu vou orar, pedindo a benção de Deus sobre cada um de vocês, e vocês, por favor, orem fervorosamente para que nenhuma palavra minha seja sem proveito para vocês. Quando o pregador e os ouvintes puxam na mesma direção, as rodas da carruagem giram com música, e aquela música é a salvação. Vem, Espírito do Deus vivo, e faze com que seja assim.

Agora, quero levar vocês imediatamente ao texto, e vou me deter em dois temas, se o tempo permitir. Caso contrário, me limitarei a um deles, apenas. Para começar, basta o primeiro: CRISTO VEIO A FIM DE QUE OS CEGOS VEJAM.

Um aspecto maravilhoso do evangelho é que pretende alcançar as pessoas que se consideram mais impróprias para ele e menos merecedoras dele - é a vista para aqueles que não vêem. Um amigo, espiritualmente ansioso, me apresentou, há uns dias, uma descrição de si mesmo que bastaria para deixar um homem horrorizado ao escutá-la. Com muitos suspiros e lágrimas, ele me descreveu a condição de um homem perdido pela natureza e pela prática, sem poder oferecer a mínima ajuda a si mesmo. Depois de ter completado a sua narrativa - deixei-o contar tudo e ainda lhe deixei tempo para retocá-la com mais algumas pinceladas sombrias -, peguei na mão dele e falei: "Tenho certeza de que você é um daqueles que Cristo veio ao mundo para salvar. Você acaba de me dar a descrição mais exata possível de um dos eleitos de Deus quando é despertado para ver seu estado natural diante do Deus onipotente. Você é um daqueles que preenchem a intenção do evangelho." Falei com coragem, por ter a convicção de estar declarando a pura verdade.

Já que Jesus Cristo veio ao mundo a fim de abrir os olhos dos homens, sei que ele não veio para abrir os olhos de alguns ao meu redor, pois eles têm olhos brilhantes, que sorriem para mim enquanto falo agora e parece que dizem: "Nenhum oculista é necessário aqui!" Lanço meus olhares em derredor e não vejo nada para o grande Abridor de olhos fazer até meu olhar parar naquele banco da igreja, pois ali está sentado um cego. Uma ou duas pessoas estão presentes nesta noite, cujos olhos naturais há muitos anos permanecem lacrados nas trevas; e digo a respeito delas: se Jesus Cristo veio abrir os olhos de alguém, veio para abrir os olhos dos cegos. Precisa ser assim. A enfermidade e a invalidez são preparação útil para alguém receber de volta a vista. Suponhamos que ouvi dizer que Jesus veio fazer o manco saltar como um cervo. Nesse caso, eu olharia em derredor e diria que ele não veio para ajudar aquela mocinha - ela consegue saltitar como uma gazela e correr como uma corça; ele não veio para ajudar aquele jovem - acabo de vê-lo na sua bicicleta, voando pela terra tão rapidamente quanto uma andorinha sobrevoa a superfície de um riacho. Aquele que cura os mancos não veio, tampouco, procurar aquele irmão forte ali, que acha muito prazerosa uma longa caminhada em velocidade. Mas agora mesmo, naquele corredor, um manco andou manquejando com a sua muleta. Vocês não escutaram seus movimentos pesados? Pois bem, se Jesus Cristo veio para curar os mancos, seu olhar está procurando um homem assim.

Quando fico sabendo da distribuição de sopas à noite, nem sequer por um momento imagino que as pessoas reunidas em torno dessa refeição de caridade sejam membros das famílias abastadas ou pessoas da aristocracia. Se eu fosse para um desjejum de caridade e visse ali alguns da aristocracia com bacias e colheres em vez de estrelas e jarreteiras, eu diria: "Saiam. Vocês não deveriam estar aqui. Vocês não têm direito de participar desta recepção. Quanto mais ricos e respeitáveis são, menos direito têm de se sentarem numa refeição que foi preparada para os mais pobres entre os pobres." Agora, apliquem a parábola. Se vocês estão cegos na sua vista espiritual, Cristo veio lhes abrir os olhos. Se estão aleijados, de modo que nem sequer conseguem correr até Cristo, ele veio para restaurá-los. Se ficarem tão pobres quanto a pobreza espiritual possa tornálos; mais pobres ainda - tão pobres quanto o pecado possa torná-los -, e se ficarem tão incapazes de se ajudarem quanto os mortos nas sepulturas, então, relembrarei aquela grande verdade: "De fato, no devido tempo, quando éramos fracos, Cristo morreu pelos ímpios" (Rm 5.6). Parece curioso, não é verdade? Mas é assim. "Cristo morreu por causa dos nossos pecados" e não por causa das nossas virtudes. Não são nossas eficiências, mas as nossas ineficiências, que oferecem acesso ao Senhor Jesus. Não são as nossas riquezas, mas as nossas necessidades; não se trata daquilo que temos, mas daquilo que não temos; não é aquilo de que podemos nos jactar, mas aquilo que lastimamos, que nos qualifica para receber o evangelho do Senhor Jesus Cristo. Ele veio com o propósito de fazer com que os que não vêem pudessem ver. Ó olhos cegos, tenho boas notícias para vocês. Ó almas que estão sentadas nas trevas e no vale da sombra da morte, meus pés são belos, pois trago a vocês boas novas de grande alegria - luz para os cegos, alegria para os desesperados, graça para os culpados.

Agora, quero que vocês considerem o cego cuja história já lemos como um tipo de cego modelo - o tipo de cego que Jesus Cristo se deleita em contemplar e a quem ele se regozija em outorgar a vista. Esse cego sabia que estava cego. Nunca teve dúvidas a respeito. Nunca vira um raio de luz, mas não deixou de acreditar que estava cego - não é uma questão tão fácil quanto vocês possam imaginar, pois já fiquei conhecendo milhares de cegos que riem da idéia da vista, por nunca terem tido experiência dela, e se recusam a acreditar mais do que conseguem entender ou sentir. Foi necessário explicar a esse mendigo sem vista que existe uma coisa que se chama vista; e, sendo assim informado, acreditou, e toda a sua experiência posterior confirmou o fato infeliz. Estando plenamente persuadido de que a situação era esta, adotara a posição apropriada para um homem pobre e cego; ficou sentado na calçada, pedindo esmolas. Ora, o homem a quem Cristo se deleita em abençoar é o homem que conhece seu lugar certo, e que está disposto a ocupá-lo. Não esconde sua cegueira, nem fala como se levasse consigo um telescópio, e comungasse a noite inteira com as estrelas. Muitos entre vocês que não estão convertidos são muito altivos; precisarão abaixar a crista e moderar bastante o tom antes de se colocarem no lugar certo. Vocês são tão excelentes, não é verdade? E tão inteligentes, e tão humildes, e tão cheios de boas intenções, e tão tudo o mais que deveriam ser! Para vocês, a salvação nunca virá. O espírito da paz nunca habitará num ninho que tem o cheiro forte do orgulho. Vocês, no seu próprio julgamento falso, ficam dentro de um centímetro de serem perfeitos, ao passo que o Senhor sabe que vocês estão menos de meio centímetro do inferno, caso a justiça divina fosse desencadeada contra vocês. Vocês têm sonhos pretensiosos no seu conceito crédulo e imaginam que têm observado a lei desde a sua juventude, e que são abundantemente religiosos, excelentes, admiráveis. Enquanto tiverem um conceito tão alto de si mesmos, a bênção é impedida e mantida longe. Vocês que se exaltam não são pessoas do tipo que Jesus veio abençoar. Ele mesmo disse: "Eu não vim chamar justos, mas pecadores ao arrependimento" (Lc 5.32).

Talvez alguém aqui esteja dizendo: "Não compreendo isso; não consigo alcançar esse evangelho; mal conheço a minha própria condição. Sei que estou infeliz; sei que não estou certo; mas não consigo descrever a mim mesmo, ou me enxergar corretamente. Quanto a essa fé, a respeito da qual ouço tanto, e a esse sangue expiador que parece tão poderoso para purificar, parece que nem o percebo, nem o compreendo. Ai de mim, porque sou tão cego!" Você fala a verdade, meu caro amigo, e nisto você é semelhante ao cego do evangelho. Oro para que, assim como Jesus curou a ele, também cure você; e oro com forte confiança, também, pois meu Senhor tem certos modos determinados de agir, e quando ele se depara com certos casos, age segundo o mesmo método. Jesus não é arbitrário, mas tem um modo de proceder do qual não se desvia, de modo que, quando fica diante de um caso como o seu, ele age da mesma forma em cada ocorrência, para o louvor e a glória do seu nome. Assuma a posição do mendigo cego, e fique sentado, chorando por luz e cura, e você certamente as obterá.

Esse cego não somente acreditava ser cego, e tinha consciência disso, mas também desejava sinceramente ser iluminado. Para ele, não era nenhum desgosto porque Jesus viera para que o cego visse. Sentia intensa alegria ao ouvir que Jesus abrira os olhos de outros cegos; e, embora chegasse a temer que o seu caso fosse totalmente fora de catálogo - isso porque, desde o princípio do mundo, jamais se tinha ouvido falar de alguém que tivesse aberto os olhos de quem nascera cego -, mas, apesar disso, ficou contente em saber que Jesus parara, olhara para ele e colocara barro nos seus olhos. Sentiu no coração alegria e entusiasmo quando foi ordenado a ir a Siloé e lavar-se; a totalidade da sua personalidade acompanhou o ato e ação do Salvador; entregou-se à cirurgia de Jesus com o pleno consentimento do seu ser.

E agora, você tem fome de Cristo? Oh, alma, se você conhece a necessidade que tem dele, e sente um forte desejo por ele, a obra celestial já começou! Se existe dentro do seu espírito um anseio ardente de se reconciliar com Deus mediante a morte do seu Filho, a sua cura em parte já está realizada. Algumas cartas que recebi revelam a atuação do coração de vocês; trata-se de uma atuação bastante cega, mas todos estão tateando atrás da luz. Pobres almas, que grande esperança tenho por vocês! E por aquele que, com o coração quebrantado, tem implorado nossas orações durante estes muitos meses e ainda não encontrou a luz e a liberdade. Estou tão contente ao perceber a força, a veemência e a agonia dos seus desejos. Sua incredulidade me entristece, mas sua animação me encanta. Queira Deus que vocês confiem no meu Senhor Jesus Cristo e repousem nele! Apesar disso, estou contente ao pensar que vocês não conseguem descansar sem ele. Estou feliz que vocês não possam ficar quietos, a não ser que ele aquiete vocês. Nenhum travesseiro chegará a dar conforto à sua cabeça, mas somente o regaço do Senhor. Nenhuma mão, senão a mão dele, chegará a estancar as feridas sangrentas de vocês. Alegro-me que seja assim, pois um pecador como vocês é bem descrito por Hart:

"Um pecador é coisa sagrada:
O Espírito Santo o tornou assim."

O Espírito de Deus separou a alma cega para servir de monumento da perícia do iluminador: ele fez da alma perdida o local ideal para Jesus se colocar em pé e demonstrar todo o esplendor do seu amor.

Esse homem é, ainda, um modelo porque era muito obediente. Tão logo o Senhor lhe disse "Vá lavar-se", ele foi. Com ele, não havia nenhuma questão de Siloé; ele não tinha nenhum Abana ou Farpar que preferisse àquele tanque. Era plenamente submisso. Ficou imóvel, como vocês sabem, e deixou o Mestre colocar o barro nos seus olhos. Não parecia uma operação que lhe pudesse fazer algum bem, mas acreditava ser Jesus um profeta, e assim o deixou fazer o que quisesse com ele. Alegro-me muito quando vejo uma pobre alma oferecendo sua plena rendição a Jesus. Alguns entre vocês já ouviram a respeito da doçura de se entregarem a Jesus: como eu gostaria que vocês agora a sentissem! Vocês serão mais passivos do que ativos, em grande medida, na questão da sua conversão. Jesus lhes concederá agilidade nos pés depois de lhes ter outorgado a vida; mas, no início da vida, a primeira coisa é vocês reconhecerem a própria morte e estarem dispostos a receber a vida totalmente da parte dele, e do modo dele. Esta é uma boa palavra do profeta: "Ó Senhor, tu és o oleiro, e nós somos o barro." Ora, o que pode o barro fazer a fim de ajudar o oleiro? Nada; só precisa ser maleável: deve ceder à sua mão. Ó, seja submisso à mão salvífica! Quando você for levado a tal estado de coração que se dispõe a ser qualquer coisa ou nada para que seja salvo, alma querida, você está próxima do reino. Se puder dizer: "Eu daria a minha vida para ser salvo; ou, caso o Senhor recuse qualquer oferenda minha, eu consentirei, de bom grado, a ser nada, se ele tão somente quiser me salvar", você está no degrau da porta da graça. Eu me entregaria tão completamente a Cristo a ponto de sentir o que ele quer que eu sinta, e nada mais; ser aquilo que ele quer que eu seja, e fazer o que ele quer que eu faça, e nada mais. Se você é submisso assim, o seu coração é esperançoso. O Espírito de Deus está operando em você. Você está muito perto de Cristo. Creia nele, confie nele; e viva, porque ele veio a fim de que os cegos vejam. Agarre-se no propósito sagrado da graça imensa, e deixe seu desespero voar.

Esta, pois, é a nossa primeira observação: esse cego se torna nosso modelo.

E agora, notem em seguida que, esse tipo de homem, quando ele passa a ver, reconhece que realmente está vendo. Ele ficou tão completamente convencido da sua cegueira que, ao receber a capacidade de ver, ele a reconhece, com surpresa alegre. Para ele, a luz que acabou lhe sendo dada é uma bênção que o deixou transbordando de júbilo, e exclama, alegre: "Agora vejo." Algumas pessoas não sabem se estão convertidas ou não. Espero que sejam salvas, mas elas geralmente não são de muita utilidade. Precisamos gastar o nosso tempo e as nossas forças cuidando dessas pessoas, para consolá-las e capacitá-las para superarem o desespero total. Mas o homem que foi totalmente cego, e com plena consciência disso, quando recebe a capacidade de ver fica com igual certeza de que está vendo. Você não pode levar semelhante homem a duvidar da grandeza e da veracidade da mudança. Ele fala abertamente: "Uma coisa sei: eu era cego e agora vejo." Deleito-me em conversas claras e nítidas! Não condeno aqueles amigos queridos que chegam à luz por etapas lentas. Muitíssimo longe disso! Deleito-me com eles, mesmo assim, para terem utilidade no testemunho, e para terem caráter decisivo; nada existe como uma conversão que é como a vida entre os mortos, e como voltar das trevas para a luz, e do poder de Satanás para Deus. O convertido do tipo antigo é quem prefiro; ele sabe alguma coisa e mantém-se firme com aquilo que sabe; seu conhecimento é experimental, e não há maneira de tirá-lo dele. Gosto de pensar em alguns de vocês, que são pessoas totalmente cegas que não podem ajudar-se a si mesmas em nada; isso porque, quando vocês receberem a luz, terão consciência disso, e não hesitarão em se apresentar e declarar o fato. No caso de vocês, o pobre pregador não será destituído da sua recompensa, o que muitas vezes acontece quando ele salva uma alma mediante a graça de Deus, mas nunca lhe contam a respeito. Tampouco o evangelho será privado das suas testemunhas, nem a igreja será despojada dos seus ajudantes, nem o Senhor será roubado de receber a glória que lhe é devida. Esperamos, da parte de vocês, os cegos, grandes testemunhos em favor de Jesus, depois de o Senhor levar vocês a ver.

Além disso, quando os olhos do cego foram abertos, ele passou a defender o homem que lhe abriu os olhos. E ele o fez muito bem. Ele disse: "Ora, isso é extraordinário! Vocês não sabem de onde ele vem, contudo ele me abriu os olhos." E foi adiante com argumentos que confundiram os escribas e os fariseus. Quando o Senhor pega num grande pecador cego, e o lava, e lhe abre os olhos, esse homem não aceita que alguém fale contra Cristo. Ele tomará a palavra em favor do seu Senhor e Mestre; não poderá deixar de fazer assim. Vocês não vão vê-lo mudo, do modo de alguns crentes professos. Ora, alguns dos crentes finos e delicados não falam em favor de Cristo mais de uma vez em seis meses, e, mesmo assim, teria sido melhor para eles calarem a boca, pois falam de modo tão desanimado. Mas aqui temos um homem com a boca aberta, e ele fala com palavras que vêm diretamente do coração, sob a orientação do Espírito de Deus, e não tem vergonha de reconhecer o que o Senhor lhe fez. Precisamos de muitos recrutas desse tipo. A igreja, nos dias atuais, precisa de homens e mulheres convertidos tão completa e certamente que, quando falem a respeito de Cristo, falem de modo positivo e com tanto poder que ninguém poderá contestar nem resistir. Acho que estou escutando você, pobre, obscurecido e desolado, exclamando: "Oh, senhor, se nosso Senhor me salvasse, eu não sentiria vergonha de reconhecer o fato. Se ele chegasse a me incluir entre o seu povo, eu contaria a respeito para todas as pessoas. Contaria aos próprios demônios no inferno o que a graça soberana tem feito em meu favor." Oh, meu pobre irmão, você é o homem certo para Cristo! Você é o tipo de homem que ele se deleita em abençoar. Pobres pecadores arrastados pelo diabo, que estão quase no fim dos seus recursos, e que até mesmo tirariam a própria vida se esse não fosse um pecado tão horrível - são exatamente vocês que o Senhor, na sua misericórdia, contempla neste momento, pois ele mesmo disse: "O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres. Ele me enviou para proclamar liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e proclamar o ano da graça do Senhor" (Lc 4.18-19). Se vocês se confiarem em suas mãos amadas e crerem que ele pode salvá-los, e que ele o fará, vocês serão salvos; e então saberei que reconhecerão o seu nome, defenderão a sua verdade, se gloriarão na sua cruz e viverão para o seu louvor. Os cegos serão levados a crer, e então o Senhor Jesus será Senhor dos seus corações, o Mestre da sua vida, e o Amado da sua alma.

O melhor aspecto desse homem era que, uma vez abertos os seus olhos, ele queria saber mais; e quando Jesus Cristo falou com ele, e disse: "Você crê no Filho do homem?" o que era cego perguntou: "Quem é ele, Senhor, para que eu nele creia?" Quando o homem curado ficou sabendo que o Filho de Deus era o mesmíssimo Ser divino que lhe abrira os olhos, imediatamente o adorou, conforme diz o texto. O homem não era unitário. Na pessoa de quem falava com ele, enxergou o Filho de Deus, e o adorou com reverência. Se nosso Senhor Jesus não fosse Deus, teria mandado o homem ficar em pé, e teria rasgado suas vestes, horrorizado, diante da idéia de aceitar adoração divina; mas, muito pelo contrário, nosso Senhor entendeu o gesto como comprovação de que os olhos do homem estavam abertos, e imediatamente disse que ele viera com este propósito - para que os cegos vissem. Amigos, se vocês não enxergaram Jesus de Nazaré como sendo "o verdadeiro Deus de verdadeiro Deus", você ainda não viu nada. Você não pode estar certo nas demais coisas se não pensar corretamente a respeito dele. Antes de chegar a saber que Jesus é tanto Senhor quanto Cristo, exaltado nas alturas a fim de conceder o arrependimento e o perdão dos pecados, ainda é necessário para você que as escamas caiam dos seus olhos, pois a luz eterna ainda não chegou até você. Uma vez que alguém recebeu a verdadeira luz da parte de Deus, conhecerá o Senhor Jesus, não como um representante de Deus, nem como um homem glorificado, mas como Deus sobre todos, bendito para sempre. Esse alguém terá um Deus para salvá-lo, e não terá ninguém mais, pois quem poderia salvar-nos a não ser o Todo-Poderoso? Eu não confiaria a décima parte da minha alma a dez mil anjos Gabriel; e não poderia repousá-la em qualquer lugar a não ser naquele que consegue salvar até as últimas consequências - naquele mesmo Deus sem quem nada que existe veio a existir.

Desta maneira, portanto, demonstrei a vocês como esse cego modelar é exatamente o homem a quem o Senhor Jesus concederá a vista, porque os resultados que se seguem glorificam a Cristo. Você é uma pessoa assim? Então, seja consolado.

Mas como é que pessoas tão cegas chegam a ver com clareza? A razão é a graça soberana, mas ainda há outras razões.

Em primeiro lugar, não existe neles nenhuma soberba para atrapalhar a Cristo. Não é a nossa pequenez que atrapalha a Cristo; mas, sim, a nossa grandeza. Não é a nossa fraqueza que atrapalha Cristo, mas a nossa força. Não é a nossa escuridão que atrapalha Cristo; é a nossa suposta luz que detém a mão dele. É mais fácil salvar-nos dos nossos pecados do que da nossa justiça. A justiça que temos aos nossos próprios olhos é aquela jibóia hedionda que parece se enroscar cada vez mais em redor do nosso espírito, a ponto de nos tirar, por esmagamento, toda a vida que aceitaria o evangelho da graça de Deus. Aquele que acha que sabe nunca aprenderá. Aquele que está cego, mas imagina que está vendo, ficará satisfeito com as trevas durante toda a sua vida. Ora, caros amigos, se vocês têm condição de saber que estão nas trevas - trevas até mesmo palpáveis -, se elas parecem se apegar em vocês de modo horrível, de modo que não possam se livrar delas, se parecem incapazes até mesmo de obter um único raio de luz, então estão na situação exatamente certa para receberem a luz eterna da parte do Senhor Jesus Cristo.

A razão seguinte é que tais pessoas quase sempre se recusam a especular. Querem certezas. Quando um homem sente sua própria cegueira, se você discutir diante dele as refinadas nulidades da teologia moderna, ele diz: "Não as quero: não têm relevância nenhuma para mim; nelas, não há consolo para uma alma perdida." Há pouco tempo, um pobre ladrão foi convertido e leva-do para ouvir certo pregador que tem opiniões muitíssimo liberais. Quando o ladrão recuperado saiu de lá, disse ao amigo que o levou: "Se aquilo que aquele homem disse fosse a verdade, seria excelente para mim, pois eu poderia fazer exatamente o que quisesse, e ainda me sair muito bem; mas sei que é mentira, e por isso não quero ter nada mais a ver com ele, nem com as suas doutrinas. Um pecador, como eu sou, merece ir para a perdição eterna, e é inútil alguém me dizer o contrário; por isso, quero um Cristo que possa me salvar da perdição eterna. Se o Cristo desse homem só salva os homens do pouquinho de perdição segundo a pregação dele, ele de nada serve para mim." Essa foi uma observação bem sensata. Nós, também, precisamos de um Salvador da condenação eterna, e não nos interessam aqueles salvadores pequenos, tão propalados hoje em dia, que só salvam de um inferno pequeno. Temos muitos salvadores postiços por aí, e temos muitos ministros postiços que pregam um salvador postiço com uma salvação postiça; e os pecadores postiços estão satisfeitos com isso. Mas se Cristo uma vez lida com você - reduz você até à fieira mais baixa de tijolos, e ainda escava seus alicerces -, você desejará um Cristo que só começa a ajudá-lo com nenhuma outra condição prévia senão a da livre graça, e você vai querer um poder que operará, em seu favor, o milagre inteiro da salvação, do início ao fim. Se vocês estão total-mente sem forças, isso os coloca ao alcance da força da graça. Quando um homem abre mão das suas lindas especulações, e simplesmente fica com os antigos ensinamentos da palavra divina, ele quer um Salvador grandioso que possa salvá-lo de um grande inferno; pois sente ser aquele que foi um grande pecador que merece grandemente a ira infinita de Deus. Se sua salvação for grande demais para você, isso será muito melhor do que obter salvação muito pequena; porém, se você realmente acha que a salvação em Jesus é grande demais para você, demonstra com isso que não é o tipo de pessoa para quem foi planejada a salvação. Nosso receio é que você seja um daqueles que vêem, mas que serão tornados cegos. Se você tiver consciência da sua cegueira e clamar a Deus a respeito disso, você é a pessoa em favor de quem morreu o Salvador que outorga a vista.

Além disso, as pessoas que estão totalmente cegas são pessoas que estão contentes em depender de Deus. O homem que consegue ver um pouco não deseja tomar orientação de terceiros. Vou dar um exemplo. Durante algum tempo, eu ficava muito reticente em usar óculos, porque quase conseguia ver sem eles, e não queria parecer um velhinho antes do tempo. Mas agora, já que não consigo ler minhas anotações de modo algum sem usar óculos, coloco-os sem a menor hesitação e não me importo que me considerem velho. Assim também, quando uma pessoa chega a se sentir totalmente culpada, não acha ruim depender de Deus. Se vocês, pecadores, acharem que poderão passar um pouco sem Deus, ou que não precisam de um pouquinho da ajuda dele, ora, nesse caso vocês se manterão longe do Senhor Jesus. Mas quando chegarem a dizer: "Terei que perecer se Jesus não for tudo para mim", então, vocês vão ter a ele, pois ele nunca recusou uma alma que dele se aproximasse.

Vocês talvez tenham ouvido a história do empregado negro e de seu senhor que ficaram convencidos do pecado na mesma ocasião. Foi quase na noite seguinte que o empregado achou gozo e paz por meio de crer, mas seu senhor ficou sujeito a convicção durante muitos meses. Sendo assim, o senhor falou ao empregado, certo dia: "Sam, você sabe que nós dois ficamos igualmente aflitos de coração naquela reunião religiosa, e agora você está se regozijando em Cristo, ao passo que eu ainda estou duvidando e me desesperando. Qual pode ser a razão disto?" O outro respondeu: "Ora, veja bem, meu senhor, Jesus Cristo aparece e traz uma linda veste de gloriosa retidão, e diz a Sambo: 'Aqui tenho uma veste para você!' Olho para mim mesmo e vejo Sam vestido só de farrapos, da cabeça aos pés, e assim, aceito a veste, e a visto imediatamente; de tão contente que estou por recebê-la. Jesus diz a mesma coisa ao meu patrão, mas o patrão diz: 'Meu casaco é muito respeitável. Acho que posso fazê-lo durar um pouco mais.' Meu patrão põe remendo no buraco no cotovelo, conserta um pouco a barra e continua com ele. O casaco do patrão é bom demais. Se estivesse vestido só de farrapos, como no caso de Sam, ele aceitaria hoje mesmo a veste gloriosa da retidão." Essa é a verdade total da questão. Alguns entre vocês não são suficientemente pobres para ser enriquecidos por Cristo.

Um dia destes, certo homem me disse: "Senhor, desespero de mim mesmo." "Dê-me sua mão," respondi; "Você está no caminho certo; mas quero que vá um pouco mais adiante. Quero que chegue ao ponto de se achar tolo demais até mesmo para se desesperar de si mesmo." Quando você exclamar: "Não consigo sentir minha própria tolice tanto quanto eu deveria", então acho que sua tolice terá chegado ao fim. Gosto de ouvir um homem exclamar: "Sinto-me infeliz porque não consigo sentir. Lastimo ao pensar que não consigo lastimar. Estou numa agonia por não conseguir ficar numa agonia." Vocês já estão melhorando, meus irmãos. Você é o tipo de pessoa que Deus abençoará. Agora, desvie os olhos de si mesmo, com sua agonia e tudo, e simplesmente confie em Jesus Cristo, que é poderoso para salvar totalmente aqueles que chegam até Deus por meio dele. Confesse a sua cegueira, e você receberá a luz que entrará raiando nos seus olhos. Porque você está satisfeito e bem disposto em apoiar-se totalmente em Deus, o Senhor o guiará para a paz e a alegria. Que grande misericórdia quando somos levados ao fim dos nossos últimos recursos e somos compelidos a nos esconder em Jesus por não termos outro abrigo!

Só a perfeita pobreza
Liberta a nossa alma da tristeza;
Enquanto houver um só tostão que é parte do nosso andar,
Plenamente libertos, não vamos ficar.

Mas ainda que as nossas dívidas sem fim sejam,
Por maiores ou menores que estejam,
Tão logo que não tivermos com o que pagar
Nosso Senhor vem tudo perdoar.

Acrescentamos que nosso Senhor Jesus Cristo realmente se deleita em operar naqueles que são totalmente cegos, a fim de lhes outorgar a vista; é grande prazer para ele, o recreio da realeza. Um homem verdadeiro não se sente tão feliz como depois de ter ajudado os que precisam de ajuda. São tantas as pestes e as preocupações nessa vida que muitos nos pedem ajuda, pessoas que nunca deveriam ser ajudadas a não ser pelo policial ou pelo carcereiro. Elas apelam às mesuras servis e à adulação, e inventam histórias mentirosas; e quando dizemos "Vamos visitar sua casa e ver se tudo isso é verdade" respondem, profundamente indignadas: "Você acha que estou mentindo? Não acredita no que eu digo?" Já tive de responder: "Não, não acredito numa só palavra disso; de outra forma, você teria me oferecido alegremente o seu endereço, para irmos verificar as suas declarações." Não desejam ser assuntos de inquérito: para elas, é o maior horror, pois estraga o seu jogo. Querem ganhar dinheiro sem trabalhar e ficam sedentas por uma oportunidade de se embriagarem às custas de outra pessoa. Um ser humano verdadeiro não gosta de trabalhar com pessoas trapaceiras e falsas como essas, pois o deixam enojado e zangado; por outro lado, muitas pessoas sentem prazer em descer aos piores lugares e fazer o bem àquelas que realmente são pobres e desamparadas. Ninguém gosta de contribuir com os impostores, mas onde houver necessidade genuína, o coração generoso tem prazer de prestar socorro. Agora você, pobre alma, você não é impostor; a sua necessidade é genuína. Você pode dizer: "Um pobre mendigo? Ah, isso eu sou! O Senhor quer tirar informações a meu respeito? Rogo-lhe que se informe. Perscruta-me, ó Senhor; prova-me, e conhece meu coração. Sei que tu não verás em mim nenhuma justiça. Nada existe em mim de que eu possa depender. Sou, de fato, um desgraçado miserável e desamparado, a não ser que a tua infinita misericórdia venha até mim."

Meu Senhor Jesus Cristo se regozija de trabalhar entre pessoas como vocês. Ele ama abençoar os verdadeiramente necessitados. Que alegria há no seu grande coração quando pode salvar almas que estão à beira do inferno, quando pode estender a mão e arrancá-las do fogo, como tições. Ele sabe que você vai amá-lo tanto quanto o ama aquela mulher a quem foi perdoado muito, e por isso ficou perto dele e lavou seus pés com suas lágrimas, e os enxugou com seus cabelos. Ele se deleita em vocês que não conseguem se deleitar em si mesmos. A vocês que estão ressecados e inférteis, ele trará águas-vivas. Ele abrirá rios nos lugares altos para os sedentos, e fontes no deserto para aqueles que estão desmaiados.

Já senti uma satisfação maravilhosa em alimentar um pobre cachorro, sem dono, faminto e sem ter o que comer. Como ele olhou com prazer para o meu rosto depois de ter sido plenamente alimentado! Você pode confiar que o Senhor Jesus Cristo se deleitará em alimentar um pobre pecador faminto. Você se sente como um pobre cachorro, não é verdade? Nesse caso, Jesus cuida de você. Ele não se importa com os reis e príncipes, e com as pessoas grandiosas cuja grandeza ofusca as vistas dos espectadores, mas se importa com os pobres pecadores. Se você não é nada, Cristo o ama, e ele será tudo para você. Se você vir a ele, assim como você está, sem nada pleitear senão sua própria necessidade urgente, e seu pavor da ira de Deus, você poderá vir, e ter certeza das boas-vindas.

Alguém me disse esta semana: "Tenho receio de chegar a Deus, pois acredito que sou impulsionado a ele somente pela motivação vil do medo." Respondi: "Ah, foi o diabo quem lhe contou isso; pois no capítulo 11 de Hebreus, lemos que entre os primeiros grandes heróis da fé, Noé, sendo movido pelo temor, construiu uma arca para salvar a sua família." O temor não é um motivo vil; é um motivo muito apropriado para um homem culpado sentir. Por onde mais os pobres pecadores como nós devemos começar a não ser pelo temor egoísta? Não condenem a si mesmos por causa disso; o filho pródigo voltou para casa por sentir muita fome, e seu pai não lhe negou a acolhida. Quanto a ser vil temer, seria ainda mais vil desafiar ao seu Deus. Você não deve dizer: "É um motivo muito vil." Ora, o que mais do que um motivo vil se pode esperar da parte de um miserável tão vil como você? Certo menino se rebelou contra seu pai, e saiu do lar, bastante enfurecido, e jurou que nunca mais voltaria. O pai lhe enviou uma carta, e disse: "Volte, tudo lhe é perdoado: é só confessar a sua falta, e eu o restaurarei à sua família, e o tratarei tão amorosamente quanto antes." O menino leu a carta, e falou: "É muita bondade do meu pai; acho que vou voltar para casa"; mas um companheiro iníquo redarguiu: "Então, você vai engolir sapo. Será muita vileza sua depois de tudo quanto você tem dito a respeito de batalhar até o fim nesta questão. Você vai se rebaixar diante do seu pai?" Olhe, trata-se do próprio diabo tentando o menino, não é verdade? E, da mesma forma, foi o diabo que sussurrou ao meu amigo que seria vil voltar-se para o Senhor por causa do temor. O temor é uma coisa abençoada - "O temor ao SENHOR é o princípio da sabedoria", e até mesmo o temor servil a Deus é muito melhor do que a presunção.

Oh, pobre cego, olhe para Cristo, e viva! Estava para dizer: "Vocês, os mortos, venham", e digo-o mesmo, pois é assim que Deus diz: "Deserta, ó tu que dormes, levanta-te dentre os mortos e Cristo resplandecerá sobre ti!" (Ef 5.14). "Para que serve falar assim aos mortos?" alguém pergunta. Meus caros amigos, não creio que seja útil para vocês fazerem isso, porque, vejam bem, vocês nunca foram enviados para entregarem semelhante recado; mas eu fui enviado para pregar aos ossos secos, da mesma forma que Ezequiel quando ficou em pé no vale e disse: "Ossos secos, ouçam a palavra do SENHOR!" E eu digo, em nome do Deus eterno: "Pecadores culpados, fujam para Cristo e vivam!" Venham, todos vocês, que estão na pior situação segunda a sua própria estimativa - vocês que estão quase no inferno. O Senhor diz: "Voltem-se para mim e sejam salvos, todos vocês, confins da terra; pois eu sou Deus, e não há nenhum outro" (Is 45.22). Ele não repudiará vocês, mas os acolherá agora mesmo. Deus conceda que vocês venham, por amor a Jesus. Amém.