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Manifestadas as obras de Deus

"Disse Jesus: 'Nem ele nem seus pais pecaram'
(para que ele nascesse cego) 'mas isto aconteceu para que
a obra de Deus se manifestasse na vida dele'" (João 9.3).

Nunca atribuam uma tristeza especial sofrida pelos homens a um pecado especial. Em geral, considera-se que aqueles sobre os quais caiu a torre de Siloé devem ter pecado mais do que os outros que habitavam Jerusalém; e se algumas pessoas foram acometidas pela morte súbita, tendemos a supor que devem ter sido muito culpadas; mas não é assim. Homens muito piedosos já foram queimados até a morte em um trem; eu me lembro de um que teve esse fim terrível. Muitos homens santos foram afogados a bordo de navios, a caminho dos serviços do Mestre. Alguns dos homens mais agraciados que já conheci caíram mortos sem aviso prévio. Não podemos julgar a condição de um homem diante de Deus por aquilo que lhe acontece segundo a ordem da providência; e é total falta de bondade e de generosidade, quase desumano, sentar-se, como os amigos de Jó, e supor que, já que Jó é extremamente aflito, por isso, é cheio de pecados. Não é assim. Nem todas as aflições são castigos pelo pecado; existem algumas aflições que têm propósito e objetivo bem diferentes. São enviadas para refinar, enviadas como santa disciplina, enviadas como escavadores sagrados, para providenciar mais espaço no coração para Cristo e o seu amor. E, realmente, vocês sabem que está escrito: "Repreendo e disciplino aqueles que eu amo" (Ap 3.19). "Pois o Senhor disciplina a quem ama, e castiga todo aquele a quem aceita como filho" (Hb 12.6).

É, portanto, um absurdo muito grande supor que, se um homem nasce cego, se trate de castigo pelo pecado dos seus pais, ou de um castigo enviado antes por algum pecado que porventura pudesse cometer depois. Nosso Salvador nos manda olhar para essas coisas de modo bem diferente e considerar que as enfermidades e os males físicos foram enviados como âmbito dentro do qual Deus possa demonstrar o seu poder e a sua graça. Assim era, de modo bem especial, na ocasião de que este texto trata; e vou levar mais adiante esse fato, e dizer que até mesmo o próprio pecado, por existir em todos os lugares, e isso de modo especial em alguns casos, pode oferecer o que chamamos "campo livre para a ação", para a graça de Deus, e pode, realmente, vir a ser uma plataforma sobre a qual possa ser exibido o maravilhoso poder, a paciência e a soberania da graça divina.

Será esse o assunto a respeito do qual falaremos: como Deus tira das tristezas e dos pecados dos homens a oportunidade para manifestar as suas próprias obras para a sua própria glória. Assim como esse homem nasceu cego, a fim de que, através da sua cegueira, o poder de Deus pudesse ser visto ao lhe conceder a vista, assim também existem muitos nos quais o poder de Deus pode muito facilmente ser visto, e as obras de Deus ser muito claramente manifestadas.

I. Em primeiro lugar, portanto, vamos perguntar quais são essas obras. Quais obras de Deus são vistas na salvação dos homens? Existe um homem ali que está totalmente perdido. É um homem cuja vida está de cabeça para baixo; seu coração ama aquilo que o arruinará, e não ama aquilo que o abençoaria. Seu entendimento está ofuscado; ele define o amargo como doce e o doce, como amargo. Sua vontade se tornou muito arrogante e ele usurpou poder que nunca deveria possuir. Se você o observar bem, não o considerará de muito valor. Está com as engrenagens atrapalhadas, como uma máqui-na que não opera corretamente. Para descrevê-lo rapidamente, em uma palavra, eu diria que ele está em uma condição caótica, com tudo em desordem e confuso. "Ora", diz alguém, "esse é o meu caso; estou assim neste momento."

Ora, a primeira obra de Deus que lemos na Bíblia é a obra da criação. "No princípio Deus criou os céus e a terra" (Gn 1.1). Quando veio a plenitude do tempo para o equipamento do mundo, evento este que geralmente chamados de criação, embora fosse realmente a disposição daquilo que Deus já criara, então apareceu o Senhor, e o Espírito de Deus, com asas estendidas, se movia sobre o caos, e da confusão trouxe ordem. Que o Espírito de Deus venha neste dia mover-se sobre a mente confusa e atrapalhada, na qual tudo está jogado em desordem! Ele não sabe para que nasceu, nem com que objetivo vive. Parece não ter objetivo na vida, está sendo jogado de um lado para outro como uma madeira solta nas águas do oceano. Suas emoções voam de vaidade em vaidade, e não se pode colocar ordem nele. Sua mãe tentou fazer isso; mas ele desprezou a idéia de ficar na barra da saia dela. Muitos amigos têm tentado isso a partir de então; mas agora ele pegou as rédeas, saiu galopando, e não obedece mais a elas. Ó Deus, se queres vir neste momento, e fazer dele uma nova criatura em Cristo Jesus, tua obra criadora será manifestada nele! Se tu queres moldar, e modelar, e formar, e talhá-lo até ele ser um vaso digno do teu uso, então as obras de Deus começarão a ser manifestadas nele. Quem dera fosse assim! Há entre nós alguns que podem testificar que Deus é um grande criador, porque fez todas as coisas novas entre nós e transformou o que antes era caos num mundo de beleza e deleite, onde ele se deleita em habitar.

Depois de criado o mundo, a obra seguinte de Deus era a de criar a luz. A Terra já estava criada, mas estava envolta em trevas. "As trevas cobriam a face do abismo." Nenhum sol, nenhuma lua e nenhuma estrela tinham aparecido; nenhuma luz ainda incidira sobre a Terra; talvez em razão dos densos vapores que excluíam a luz. Deus nada fez, senão dizer "'Haja luz'" e houve luz.

Pois bem, nesta dia entrou aqui uma pessoa que não apenas está sem forma e vazia, e terrivelmente agitada, mas que é pessoalmente trevas, e está nas trevas. Deseja a luz, mas não a tem. Não conhece o caminho da vida; não vê um único raio de esperança de que virá a achar o caminho. Parece encerrada na noite egípcia sombria e espessa; e talvez, pior de tudo, não conheça sua verdadeira condição; mas chama as trevas de luz e se orgulha de sua capacidade de enxergar, quando, na realidade, não consegue ver absolutamente nada. Senhor, fala a palavra, e diga: "Haja luz", e o homem verá a luz, e a verá imediatamente! Estou certo que, quer eu possa falar com poder, quer não, Deus pode falar com poder; e para mim que estou aqui em pé, é uma doce consolação porque ele pode, neste momento, descobrir o pecador mais empobrecido neste prédio, sentado ou em pé em qualquer cantinho, e a luz pode penetrar em sua alma com menos tempo do que eu levo para falar as palavras; e, para a maior surpresa dele mesmo, as trevas serão luz ao seu redor, e a noite egípcia será transformada no meio-dia do amor e misericórdia divinos. Orem a Deus para que seja assim, irmãos. Levantem ao céu uma oração silenciosa, pois essa obra de disseminação da luz, essa iluminação, é uma obra especial de Deus; e existem muitos, que agora estão nas trevas, em quem essa obra de Deus pode ser manifestada.

Depois de realizadas essas duas obras de Deus, depois de ter havido a criação e de a luz ter sido produzida, ainda há a obra divina da ressurreição. Qual seria a finalidade de uma forma que tão belamente foi criada morrer, e qual seria o objetivo da luz raiar com todo o seu brilho sobre um cadáver? No entanto, nesta casa de oração, há nesta dia algumas pessoas que estão mortas nos delitos e pecados. Não sentem o peso do pecado; porém, para um homem vivente é um fardo intolerável. Não são feridos pela espada de dois gumes do Senhor, embora um homem vivente logo seja cortado e ferido por ela. Não ouvem nem mesmo as notas alegres da livre graça e do amor que morreu por nós. Mesmo que essas notas sejam soadas como um carrilhão de sinos de prata, esses pecadores mortos não conseguem apreciar sua doce música. É obra de Deus libertar os homens. Virá um dia, e talvez mais cedo do que imaginamos, em que todas as miríades de cadáveres que jazem em nossos cemitérios e campos santos subirão do túmulo para viverem de novo. Aquela será uma manifestação de poder divino; mas não será uma manifestação maior de poder divino do que quando um coração morto, uma consciência morta, uma vontade morta é vivificada com vida divina. Queira Deus operar esse poderoso milagre de misericórdia nesta mesma hora! Orem para que seja assim, amados irmãos e irmãs em Cristo. Esses mortos não poderão orar em favor dessa ressurreição; oremos por ela em favor deles. Mas se um deles real-mente orar por isso, exclamar "Senhor, faz-me viver!", esse fato comprova que já há estremecimento de vida cursando por ele - senão, não teria esse desejo vivo.

Irmãos, eu poderia continuar seguindo a linha da história da criação e da disposição do mundo na sua devida ordem, mas não vou; vocês poderão fazer isso por conta própria. O que quero falar agora é a respeito da obra divina da purificação. Aqui temos, neste lugar de culto, um homem que fez tudo quanto lhe era possível para rebelar-se contra Deus. Talvez seja semelhante ao sr. John Newton, que se descreve de modo parecido quando diz: "Em muitos aspectos, eu era semelhante ao apóstolo Paulo. Blasfemava, perseguia e injuriava; mas em um aspecto fui além do apóstolo Paulo, pois ele fez tudo na ignorância, mas eu pequei contra a luz e o conhecimento." Alguém aqui, ao pecar, transgrediu muito por ter feito o que sabia ser errado, mas perseverou em fazer assim, contra os freios da consciência e contra as advertências de um anseio melhor, que nunca conseguiu sufocar? Fico atônito, às vezes, depois de ter conversado com pessoas cuja vida chegou quase até a própria extremidade da iniquidade, mas que, apesar disso, durante o tempo todo tiveram um certo freio interior que nunca as deixava ir além, até ao ponto em que não haveria mais esperança. Sempre sobrava alguma coisa que ainda reverenciavam, mesmo fingindo descrer e blasfemar de tudo. Havia alguma influência pelo bem operando sobre elas, como se Deus tivesse uma linha de pesca e um anzol no queixo de leviatã; e embora este nadasse até certa distância nas grandes profundezas do pecado, a ponto de não se poder saber até onde tinha ido, mesmo assim, tinha de voltar. Deus ainda opera milagres de misericórdia e de graça. Agora, suponhamos que, neste momento, aquele pecador tão sujo, com todos os seus anos de pecado, recebesse o perdão total. E suponhamos também que, agora, a totalidade daqueles cinquenta ou sessenta anos de pecado desaparecesse de uma vez por todas, suponhamos que Deus perdoasse ou, melhor ainda, se esquecesse, suponhamos que, com um gesto tremendo do seu braço onipotente, ele pegasse todo o pecado daquele pecador e lançasse nas profundezas do mar, que maravilha de graça seria essa! E é assim que Deus quer fazer em favor de todas as pessoas que confiam em Jesus. Se você quiser vir, e lançar-se diante dos seus pés queridos, e levantar os olhos para Jesus crucificado, que sangra no seu lugar, e crer nas palavras do profeta Isaías: "O SENHOR fez cair sobre ele a iniquidade de todos nós" (Is 53.6), ou nas palavras do apóstolo Pedro: "Ele mesmo levou em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro" (1Pe 2.24), se você confiar em Jesus, o grande Salvador do pecado, ele o deixará imaculado; e, no seu caso, as obras de Deus serão manifestadas, pois ninguém, senão o Deus Todopoderoso, pode purificar os pecadores escarlates, e ele pode fazer isso num só momento! Senhor, faze-o agora!

Suponhamos que outra coisa acontecesse, que um homem ou uma mulher aqui presente, desesperadamente resoluta na prática do mal, se voltasse neste momento para uma direção totalmente oposta, que seria manifestamente uma obra divina de mudar a totalidade da orientação da vida. Nunca vi as cataratas de Niágara, nem creio que a verei; mas alguns aqui a viram. A força poderosa das águas desce com um estrondo terrível, saltando das alturas. Você acreditaria que quem, num só momento, poderia fazer aquela queda de água saltar para cima, em vez de para baixo, e buscar tão impetuosamente as alturas como agora se precipita para as profundezas, fosse divino? Pois bem, o Senhor con-segue fazer com um grande pecador, do tamanho da Niágara, presente aqui neste dia. Você está decidido a seguir as más companhias e cometer um pecado horrível; você resolveu que amanhã vai se agarrar ao copo de bebida, e não se satisfazer até ter se transformado em algo horrível; você resolveu levar adiante aquele seu negócio ilícito, como obter de dinheiro pelo jogo ou por meios ainda piores. Sim, mas se o Senhor surgir aqui resoluto para salvar você, ele levará você a entoar outro cântico. "Oh, mas eu nunca queria ser um metodista!" diz alguém. Não ser o que você ainda será. "Oh, você nunca faria de mim um convertido", diz outro. Não falei que poderia fazer isso; mas o Senhor pode transformar você naquilo que você pensa que nunca será. Algumas pessoas se pudessem ter se visto há dez anos, sentadas aqui e desfrutando da Palavra, teriam dito: "Não, aquele não é você, tenho certeza disso" e, "Não, aquela não é você, minha filha; você nunca estará ali; não há receio daquilo". Mas vocês estão aqui, afinal; e aquilo que a livre graça tem feito em favor de alguns entre nós poderá fazer em prol dos outros. Senhor, faze isso, segundo aquele forte poder que operaste em Cristo quando o ressuscitaste dentre os mortos! Opera do mesmo modo nos ímpios agora e desvia-os do erro dos seus caminhos, para correrem impetuosamente atrás de ti quanto agora fogem de ti!

Sobre esse assunto, tenho só mais um item a mencionar. Acho que as obras de Deus às vezes são manifestadas nos homens, ao dar-lhes grande alegria. Há uma pessoa que está convencida do pecado? O sr. Consciência levantou-se contra ele. Vocês o conhecem. Ele tem um açoite de nove tiras. Quando recebe licença para por as mãos à obra e quando pega firme num pecador que durante muito tempo o manteve trancado, ele diz: "Agora é a minha vez;" e ele faz com que vocês saibam disso, acreditem. Uma vez que um homem fica com a consciência, com o açoite de nove tiras, e aplica golpes com ele, nunca se esquecerá disso. Cada golpe parece arrancar uma tira de carne. Vejam como os nove arados fazem sulcos profundos todas as vezes que caem. Alguém diz: "Você fala como homem que o conhece." Conhecê-lo? Realmente o conheci durante muitos anos, quando era criança; e nem de noite, nem de dia, podia escapar dos golpes daquelas tiras de couro. Oh, como a consciência me fustigava, e não conseguia achar repouso em lugar algum até que, em certa ocasião, ouvi a voz divina dizer: "Voltem-se para mim e sejam salvos, todos vocês, confins da terra" (Is 45.22); e a consciência guardou o seu açoite, e minhas feridas foram banhadas em bálsamo celestial e cessaram de arder, e fiquei feliz! Oh, meu coração exclamou "Aleluia!" quando vi Jesus na cruz! Então, entendi que Deus executara a plena vingança, devida ao meu pecado, contra seu bem-amado, que bondosamente oferecera seus ombros aos açoites, e empreendera levar sobre si o castigo do meu pecado. Meu coração saltou de alegria. Notem que estou sempre pregando a doutrina da substituição. Não posso deixar de fazer isso, porque é a única verdade que me trouxe consolo; nunca teria saído das masmorras do desespero não fosse aquela grandiosa doutrina da substituição. Espero que nenhuma moça me peça para escrever em seu diário esta semana. Recebo pedidos assim, nem sei quantas vezes na semana, e sempre escrevo o seguinte verso:

"Desde quando, pela fé, vi a correnteza
Pelas tuas feridas que fluem suprida,
O amor que redime tem sido o meu tema e certeza.
E assim será até eu perder minha vida."

Quando vocês conhecerem o poder daquele tema bendito, perceberão que é obra de Deus varrer para longe as nossas cinzas e nos dar o óleo da alegria, tirar de nós as roupas de luto e nos vestir com as roupas da beleza, colocar em nossa boca um novo cântico e estabelecer as nossas atividades. Que essa bendita obra de Deus seja operada em todos vocês, para o louvor da glória da sua graça!

II. Agora, minha segunda divisão é esta: Como essas obras de Deus ficam especialmente manifestadas em alguns homens?

Vou tomar como exemplo o cego e repassar a sua vida. Primeiro: era total-mente cego. Nada havia de fingimento na sua cegueira; não conseguia enxergar um único raio de luz; era totalmente cego; nada sabia a respeito da luz. Temos aqui alguém que seja totalmente cego no sentido espiritual? Você não consegue enxergar coisa alguma, meu pobre amigo. Você não possui nenhuma boa vontade; você nem sequer teve um bom pensamento. Ah, você não sabe que tipo de pessoa existe nesta cidade; mas nos encontramos com pessoas que, durante muitos anos, parecem que nunca tiveram um pensamento bom em sua mente; e se outra pessoa fosse lhes falar a respeito de alguma coisa boa, ou até mesmo decente, seria como lhe falar de uma bobagem sem sentido! Temos multidões de pessoas desse tipo nas nossas favelas; sim, e na zona sul também. Ora, quando o Senhor, na sua infinita misericórdia, chega até essas pessoas, que estão totalmente cegas, e as capacita a ver, há bastante espaço para seu forte poder operar ali, pois todas as pessoas dizem: "Que maravilha que uma pessoa assim tenha se convertido!"

Lembro-me bem de um homem com quem orei em doce comunhão. Era bem estranho quando o encontrei pela primeira vez, embora depois passasse a ser um homem muito bom. Era dos mais excêntricos que já conheci; e eu mesmo já me acho bem excêntrico; mas ele era um mundano morto. Seus domingos - ora, ele não conhecia nenhuma diferença entre o domingo e a segunda-feira, a não ser que não podia passar tanto tempo na cervejaria nos domingos. Uma vez, disse: "Num domingo de manhã, saí para comprar dois patos, e os coloquei em cada bolso do meu casaco; e, enquanto andava, vi as pessoas entrando no local de culto, e pensei em dar uma olhada para saber como era, pois ouvira dizer que por dentro era um lugar de boa aparência." Entrou, e o Senhor se encontrou com ele, e naquele dia os patos não chegaram a ser cozidos, tiveram de esperar até a segunda-feira; mas ele mesmo foi caçado e capturado para Cristo naquele dia. Uma transformação total ocorreu nele, e ele se tornou imediatamente um cristão fervoroso, ao passo que antes não possuía qualquer tipo de pensamento religioso, fosse de temor, fosse de esperança. Tratava-se de um caso no qual as obras de Deus especial-mente se manifestaram. Esse homem já foi para o céu; mas me lembro bem dele, e como louvei a Deus pela sua conversão!

Mas esse homem nasceu cego. Ora, há muitas pessoas assim. Na realidade, todas as pessoas nascem cegas. Trata-se do pecado original, do qual todos sofremos. O pecado é uma mácula no nosso sangue. Nascemos cegos. Existem al-guns que, de modo muito peculiar, nascem e são educados em uma família totalmente destituída de religião; são criados para desprezá-la, ou são criados no meio da superstição e ensinados a repetir uma oração inútil diante de um crucifixo de madeira ou de pedra. Pessoas como essas, assim criadas, poderão encontrar Cristo? Mas acabam achando Cristo, ou, melhor, Cristo as encontra; e ouvem o evangelho, e este se recomenda às suas mentes de imediato.

Imagino que ninguém foi mais supersticioso do que Martinho Lutero. Já vi aquela escadaria em Roma, pela qual Martinho Lutero subiu de joelhos; dizem que é a escadaria pela qual nosso Senhor desceu do palácio de Pilatos. Imaginem Lutero fazendo isso; e vieram a ele, enquanto subia de joelhos a escadaria, as seguintes palavras "O justo viverá pela fé", e ele se levantou imediatamente, e não continuou a subir de joelhos as escadas. Quem dera que Deus aparecesse assim para alguns entre vocês!

Em segundo lugar, esse cego foi curado por meios especiais. Essa foi outra manifestação das obras de Deus. O Salvador cuspiu, abaixou-se e remexeu a saliva no pó até ter formado o barro; e então, pegando esse barro, começou a passá-lo nos olhos do homem. Deus é grandemente glorificado pela salvação das pessoas mediante a simples pregação do evangelho, a maneira mais simples que pode ser usada. Muitas vezes, quando as almas são salvas neste lugar, as pessoas dizem: "Ora, não vejo nada de notável no pregador". Não, e se vocês fossem ficar olhando muito tempo mais, vocês veriam ainda menos valor no pregador do que veem agora, porque o valor está no evangelho. Ó irmãos, se alguns pregadores somente pregassem o evangelho, não demorariam a perceber como ele é superior a todos os ensaios que fazem! Mas preparam tão bem os seus sermões. Oh, sim! Sei disso, que vocês já ouviram falar do homem que preparava as batatas antes de plantá-las no jardim? Sempre as cozinhava; mas nunca cresciam, pois o preparo tirava toda a vida delas. Ora, muitos sermões "cozidos" são apresentados ao povo; mas nunca crescem. Ficam tão requintados e preparados que não surtem efeito. O Senhor ama abençoar palavras vivas, faladas de um coração sincero em linguagem singela. O homem que fala assim não recebe a glória; mas a glória é atribuída a Deus, e assim há espaço para as obras de Deus serem manifestadas.

Esse cego também era uma esfera especialmente apropriada para Deus manifestar as suas obras, porque era conhecido como mendigo público. Conduziam-no de manhã, segundo suponho, até a porta do templo; e ali tomava seu lugar e se sentava. Era homem com a língua bem solta, imagino, de modo que frequentemente trocava gracejos com os transeuntes. Desconfio que era sempre bem irônico; e, quando as pessoas falavam com ele, sem lhe dar nada, ele sempre sabia lhes dar o troco. Aquele mendigo cego era uma personagem bem conhecida em Jerusalém, tanto quanto o mendigo cego em Bethnal Green; por ser ele tão bem conhecido o Salvador o escolheu e abriu-lhe os olhos. Então, meu caro amigo, você veio para cá neste dia, não é mesmo?

Você é muito conhecido; mas não vou indicar o seu lugar; não gosto de fazer essas coisas. Entrou aqui, não há muito tempo, um soldado que tinha professado a religião, mas passara a ser um apóstata pavoroso, e se desviara, mas queria ouvir o evangelho de novo. Ele, astutamente, escolheu um lugar nos fundos, onde eu não poderia vê-lo. Mas, naquela noite de domingo, e ele é testemunha disso, me lembro bem de ter falado: "Pois bem, Willi, você precisa voltar, você sabe disso; e quanto antes, melhor"; e Willi realmente voltou, e me mandou um recado para dizer que Willi voltara com o coração quebrantado para buscar o seu Senhor. Tenho certeza de que eu não sabia que se chamava Willi, nem sabia por que havia se escondido atrás das colunas; mas Deus sabia, e adaptou o recado à pessoa, e assim trouxe Willi de volta.

Se existem Guilherme, Tomás ou Tiago, ou Maria, ou qualquer outra pessoa que se desgarrou de Deus, ó graça soberana, trazei-a de volta, sejam soldados ou civis, para que busquem e achem o Salvador agora mesmo! Esse Willi era bem conhecido, e sua restauração em Cristo irá (segundo confio) manifestar nele as obras de Deus, porque era tão bem conhecido! Quem dera que o Senhor atendesse aquela oração do meu amigo hoje, e convertesse o Príncipe de Gales! Todos nós dissemos "Amém" diante daquela petição. Desejamos que o Senhor traga para a sua igreja alguns daqueles que são mais conhecidos, quer sejam príncipes, que sejam mendigos, a fim de que as obras de Deus se manifestem nele.

Quando esse homem foi convertido, em vez de ser um mendigo público, passou a ser quem fazia confissão pública de fé. Gosto de uma resposta dele: "Não sei se ele é pecador ou não. Só sei uma coisa: eu era cego e agora vejo!" Existem muitos homens que podem dizer: "Ora, não sei muita coisa a respeito da teologia; mas sei que eu era um bêbado, e agora não sou mais. Sei que eu batia na minha esposa; e agora, Deus a abençoe, ela sabe o quanto a amo! Eu poderia ter me afundado em todos os tipos de más companhias; mas agora, graças a Deus, seus santos são meus companheiros escolhidos! Em tempos passados, eu poderia ter me glorificado na minha própria justiça; mas agora a considero escória e esterco, para que eu possa ganhar a Cristo, e ser achado nele. Houve grande transformação em mim; ninguém pode negar esse fato, e louvo o nome de Deus por isso." Que o Senhor envie um grande grupo de homens que não sentem vergonha de Jesus Cristo! Queremos muitos ho-mens e mulheres que virão diretamente do mundo, e dirão: "Cristo é por mim, porque ele tocou tanto no meu coração, que eu sou por ele; e se ninguém mais quiser o confessar, eu devo fazê-lo, pois ele é o meu melhor ami-go, meu Senhor, meu Salvador, meu tudo." Em tais casos, as obras de Deus são manifestadas.

III. Agora, chegarei ao fim depois de simplesmente ter dito três ou quatro coisas a respeito desta última divisão: como as obras de Deus podem manifestar-se em nós?

Alguns entre vocês são muito pobres; outros, mancos ou doentios; vocês sofrem de tuberculose, de asma, estão cheios de dores e achaques, e de sintomas. Pois bem: talvez todos esses sofrimentos sejam permitidos para que a obra de Deus seja manifestada nas aflições de vocês, pela sua santa paciência, pela sua submissão à vontade divina, pela sua santidade perseverante no meio da sua pobreza e das suas provações.

O mesmo se pode dizer a respeito das suas enfermidades. Nenhum de nós é perfeito; mas também podemos ter enfermidades físicas. Acreditem agora, se vocês forem enviados para pregar o evangelho, ou a ensinar crianças, ou promover, de qualquer outra maneira, a propagação do reino de Deus, vocês não seriam melhor equipados para a sua obra se tivessem toda a eloquência de um Cícero, e toda a erudição de um Newton. Vocês, da maneira que são e estão, poderão servir melhor ao Senhor, e poderão melhor preencher determinada vaga, com todas as suas insuficiências, do que poderiam fazer sem elas. O cristão sensato fará uso das suas enfermidades em favor da glória de Deus. Contam uma história estranha a respeito de S. Bernardo, história que eu considero alegoria e não fato histórico. Dizem que ele estava atravessando os Alpes em direção a Roma em razão de algum empreendimento. O diabo sabia que o santo estava para realizar alguma coisa que lesaria grandemente o reino de Satanás, de modo que quebrou uma das rodas do coche do santo; e diante disso, Bernardo gritou-lhe: "Satanás, você pensa que vai me parar assim? Agora você mesmo vai sofrer por isso"; assim, pegou nele, torceu-o em círculo, fez dele uma roda, e o fixou no coche, e então continuou viagem. Ora, o significado daquela alegria é que, quando as enfermidades ameaçam danificar a nossa utilidade, devemos usar essas enfermidades a serviço de Deus. Transformem o próprio diabo em roda e sigam adiante em ritmo ainda mais rápido por causa do empecilho que ele tentou provocar. Pode, até mesmo ser vantagem, às vezes, ser forçado, ao gaguejar, a enfatizar especialmente determinada palavra; e se eu chegasse a me sentir, de vez em quando, encalhado num buraco por algo assim, tomaria o cuidado de ficar encalhado em algum lugar perto da cruz. Muitos homens receberam o poder de atrair as pessoas pela própria singularidade que parecia, forçosamente, prejudicar a sua utilidade. Todas as nossas enfermidades, sejam quais forem, não passam de oportunidades para Deus demonstrar em nós a sua obra graciosa.

Assim também será com todas as oposições que encontrarmos. Se realmente servirmos ao Senhor, certamente encontraremos dificuldades e oposições; mas não são outra coisa a não ser mais oportunidades para que as obras de Deus sejam manifestadas em nós.

No seu devido tempo, viremos a morrer, e na nossa morte a obra de Deus pode se manifestar. Fico imaginando com que tipo de morte glorificaremos a Deus. Não foi uma bela expressão de João, quando o Salvador falou de Pedro? Disse a Pedro que este morreria, mas João não o expressa assim. Diz: "O tipo de morte com a qual Pedro iria glorificar a Deus" (Jó 21.19). Talvez fosse mediante uma longa enfermidade aterradora; alguns serão paulatinamente dissolvidos pela tuberculose. Pois bem, vocês glorificarão a Deus por ela. Aquelas faces pálidas, e aquela mão magra, através da qual a luz passará, pregarão muitos sermões no leito de enfermidade. Ou talvez você glorificará a Deus de alguma outra maneira. É possível que tenha de morrer com fortes lances de dor; mas então, se o Senhor animar você, e lhe der paciência, você glorificará a Deus por esse tipo de morte. Você encarará com calma a morte e não se queixará nem temerá. De qualquer maneira, você terá de morrer, a não ser que o próprio Senhor venha antes; e, bendito seja o seu nome, ele levará você para casa de uma maneira que, de um modo ou outro, glorificará o seu nome. Comecemos, portanto, a nos regozijar nisso mesmo agora.

Que Deus abençoe essas minhas palavras, e que muitas pessoas aqui se-jam monumentos da graça soberana ilimitada de Deus; e a ele seja a glória para sempre! Amém.