"Você quer ser curado?" (Jo 5.6).

Jesus falou ao paralítico que estivera doente durante 38 anos, e perguntou-lhe: "Você quer ser curado?". Parece uma pergunta muito estranha a ser feita. Quem não gostaria de ser curado? O pobre homem estaria ali, deitado à beira do tanque, se não desejasse muito a cura? Não deveria ter havido na própria expressão do seu rosto, enquanto olhava para o Salvador, uma resposta àquela pergunta, resposta esta que a tornasse desnecessária? No entanto, visto que nosso Senhor não falava palavras supérfluas, é possível que o Salvador percebesse que a paralisia do corpo do homem tivesse, de modo muito doloroso, deixado insensível sua mente e provocado a paralisia da sua vontade. Tinha mantido a esperança até o coração ficar doente, aguardara até o desânimo ter secado sua boa disposição; e agora a situação quase chegou a isso: não se importava se fosse curado ou não. O arco ficara curvado durante tanto tempo que foi destruída sua elasticidade. Passara fome por tanto tempo que o apetite desapareceu. Agora estava apático, com uma indiferença feita de descontentamento soturno com suas decepções e com a total falta de esperança para o futuro. O Salvador, ao perguntar a respeito do desejo dele, tocou em uma corda que precisava ser vibrada. Despertou, mediante a pergunta, uma faculdade adormecida, cujo exercício vigoroso talvez fosse um dos primeiros elementos essenciais da cura. "Você quer ser curado?", foi a pergunta de uma investigação profunda, da sondagem científica feita por um grande médico, a ressurreição dentre os mortos de uma grande obra prima da humanidade.

Ora, na questão de pregar o evangelho hoje, talvez pareça quase uma pergunta atrevida para eu postular a cada um de vocês, aqui reunidos que ainda não são salvos: "Você quer ser curado?". "Por certo", você responderá, "todas as pessoas desejam a salvação". Acredite-me, não estou tão certo quanto você da veracidade da declaração. "Mas nossa presença aqui", diz alguém, "tendo freqüentado há tanto tempo, e escutado com tanta atenção o evangelho, serve como prova de nossa disposição de sermos curados, se tão-somente pudéssemos descobrir onde se acha a saúde, e qual é o bálsamo de Gileade a favor do qual tanta coisa se diz". Apesar disso, não seria surpresa para mim se houvesse muitos aqui que, por terem esperado durante tanto tempo, estejam começando a ficar paralíticos quanto aos desejos que antes eram tão sinceros; e outros que, tendo freqüentado aqui por longo tempo, sem nunca sentir muitos anseios, finalmente chegaram a ocupar esses bancos da igreja como mera questão de costume, e não têm muita vontade para ter a integridade de alma que o Bom Médico sempre está disposto a dar aos que buscam sua ajuda. Minha convicção é que, em vez de ser desnecessária essa pergunta, ela, em todas as congregações, deve ser uma das primeiras a ser insistentemente apresentada à atenção do ouvinte. Meu objetivo agora é obter uma resposta honesta, da parte do mais interior da alma de todo ouvinte, pois acredito que será muito saudável para vocês, mesmo que se sintam compelidos a apresentar resposta negativa; pelo menos desmascarará a condição do coração para si mesmo, e isto talvez contribua para algo melhor. Vou me esforçar, com a ajuda de Deus, para pressioná-lo muito sinceramente com essa pergunta nesta manhã, ó homem ou mulher não salvo: "Você quer ser curado?".

 

I. É necessário fazer essa pergunta, em primeiro lugar, porque nem sempre uma pergunta é compreendida. Não é a mesma pergunta que esta: "Você quer ser salvo de ir ao inferno?". Todos respondem "sim" a ela. "Você quer ser salvo para ir ao céu?". De imediato, sem deliberar a respeito, todos dizem: "Sim". Todos nós temos bom ânimo e desejo pelas harpas de ouro, pelos cânticos de bem-aventurança, pela eternidade imortal -- mas, vejam bem, não é esta a pergunta. O céu e suas alegrias advêm do que é proposto na nossa pergunta, em decorrência, como conseqüência, mas não é essa a questão da qual tratamos exatamente agora. Não estamos dizendo, agora, ao ladrão: "Você quer a remissão da sua sentença à cadeia?", mas lhe apresentamos o caso em outra linguagem: "Está disposto a ser transformado em um homem honesto?". Não estamos dizendo, agora, ao assassino: "Você anseia para ser poupado do enforcamento?", pois sabemos sua resposta; a pergunta que lhe fazemos é: "Você quer ser transformado em alguém justo, reto, bondoso, perdoador, de tal modo que deixe de lado toda a sua maldade?". Não se trata de: "Você está disposto a sentar-se no festival da misericórdia, e comer e beber da mesma forma que quem desfruta de boa saúde?", mas, "Você está pessoalmente disposto a se tornar espiritualmente saudável, a passar pelos processos divinos mediante os quais a infecção imunda possa ser removida, e a condição sadia da varonilidade lhe seja restaurada?".

Para ajudá-lo a saber qual o significado dessa pergunta, quero lembrá-lo que nunca houve homem são, totalmente sadio, a não ser os dois que podem ser chamados os dois Homens, o primeiro e o segundo Adão. Estes dois nos mostraram, pessoalmente, como seria o homem se fosse sadio e íntegro. O primeiro Adão no jardim -- todos estaríamos dispostos a ficar com ele no paraíso, todos nos deleitaríamos a andar sob os galhos que nunca murcham, e colher as frutas sempre sazonadas, sem labuta, sofrimento, enfermidade, nem morte. Todos ficaríamos bastante contentes em acolher de voltar a alegria primeva do Éden, mas essa não é a pergunta envolvida: estaríamos dispostos a sermos tornados mental e moralmente o que Adão era antes do pecado introduzir as enfermidades na raça humana? E quem era Adão? Ora, era um homem que conhecia de perto seu Deus, que sabia muitas outras coisas, mas acima de tudo, e principalmente, conhecia seu Deus; que se deleitava em andar com Deus, em comungar com ele, em falar com ele como um homem fala com seu amigo; antes da queda era um homem cuja vontade se submetia à vontade do Criador, ansioso e desejoso de não violar a vontade, mas, pelo contrário, em todas as coisas fazer o que seu Senhor lhe mandasse.

Foi colocado no jardim para lavrar a terra, para guardar o jardim e cuidar dele, e tudo isso ele fazia com alegria. Era um homem total e sadio; seu único prazer consistia no seu Deus; seu único objetivo como ser vivente era praticar a vontade do Criador. Nada sabia de pândegas e bebedeiras. Para ele, não havia canções lascivas nem atos irresponsáveis. O brilho da devassidão e a cintilação da libertinagem estavam longe dele. Era puro, reto, casto e obediente. Você gostaria de ser semelhante a ele, pecador -- que faz a própria vontade, procura muitas novidades, acha alegria em determinado pecado e em outras imundícies -- estaria disposto a voltar, a achar a felicidade no seu Deus, e doravante servi-lo e a nenhum outro? Ah, talvez você diga: "Sim", e é possível que não saiba o que diz. Se a verdade lhe fosse apresentada mais claramente, você se recusaria com obstinação a ser curado. Para você, a vida desse tipo pareceria insossa, destituída de alegria, uma escravidão. Sem os fogos da concupiscência, a excitação das bebidas alcoólicas, as risadas da tolice, e a pompa da soberba, qual seria o valor da existência para muitas pessoas? Para elas, nosso ideal da varonilidade sadia não passaria de outro nome para a escravidão e a desgraça.

Vejamos o outro exemplo de homem íntegro, saudável; foi Jesus, o segundo Adão. Habitando aqui entre os filhos dos homens, não em um paraíso, mas no meio da vituperação, da tentação, e do sofrimento, não deixou de ser um homem íntegro e saudável. Quanto ao seu corpo, tomou doença sobre si, e nossos pecados eram imputados a ele como substituto, mas nele mesmo não havia pecado; o príncipe deste mundo o perscrutou de fora a fora, mas não conseguiu achar nele nenhum defeito. A perfeição da varonilidade do nosso Salvador consistia nisso -- era "santo, inculpável, puro, separado dos pecadores" (Hb 7.26). Era santo, isto é, íntegro, inteiro; era homem completo, perfeito, sem lesão nem mácula. Era inteiro diante de Deus. Sua comida e bebida era fazer a vontade do Deus que o enviara. Jesus homem era o homem que Deus queria que o homem fosse: perfeitamente conformado com sua posição certa.

Era exatamente como veio da mão do Criador, sem mancha, sem nada per-der, sem excrescência do mal, e sem nele faltar coisa alguma; era inteiro e santo. Daí era inculpável, sem nunca infligir nenhum mal no próximo, em palavras e atos; puro, nunca afetado pelas influências que o cercavam a fim de não ser falso a Deus nem desamorável com os homens; puro, embora blasfêmias tivessem sido faladas nos seus ouvidos ou perto deles, nunca lhe poluíram o coração; embora visse a concupiscência e iniqüidade dos homens levadas até ao ponto mais alto, ele mesmo sacudiu de si a víbora e a deixou cair na fogueira, e permaneceu imaculado e inculpável. Ele também estava separado dos pecadores, mas não se cercando por um cordão de isolamento farisaico, e dizendo: "Fiquem de fora, pois sou mais santo que você", mas comia junto com eles, sem deixar de estar separado deles; e nunca estava mais separado do que quando sua mão benigna tocava neles, e quando entrava mais profundamente na compaixão por eles nas suas tristezas. Ficou separado pela própria elevação moral, superioridade mental, e grandeza espiritual. Ora, você gostaria de ser semelhante a Jesus? É essa a questão. Provavelmente, se você fosse semelhante a ele, isso o envolveria em boa parte das experiências dele; as pessoas ririam de você, zombariam, haveria perseguição e, a não ser que a providência refreasse seu amigo, você também poderia ser levado à morte; mas avaliando Cristo globalmente, você gostaria de ser feito semelhante a ele, e ter muita iniqüidade real arrancada de si (iniqüidade que você agora admira), e ter implantado muitos bens reais (que talvez nesse momento você não aprecie?) Você estaria disposto agora a ser curado, tornado íntegro? Posso imaginá-lo dizer: "Quero ser semelhante a Jesus, desejo isso ansiosamente", porem permita-me sussurrar no seu ouvido, de modo suave e afetuoso, que se você soubesse o que quero dizer, se soubesse quem era Jesus, não estou tão certo de que sua vontade se inclinaria com veemência nessa direção. Receio que muita resistência, e rebelião surgisse no seu coração se fosse levado a efeito o processo de deixá-lo são como Jesus Cristo era são.

Para ilustrar o significado da pergunta: "Você quer ser curado?", quero lembrar-lhe de que quando um homem é feito são, completo, e o que deveria ser, certas propensões malignas são expulsas, e ele passa seguramente a receber certas qualidades morais. Por exemplo: se um homem é tornado íntegro diante de Deus, faz-se honesto diante dos homens. Ninguém pode ser considerado são, íntegro, enquanto for culpado de desonestidade nos negócios, nos pensamentos, na conversa, nem no modo de agir diante do próximo. Pecador, você tem por hábito, nos seus negócios, praticar muitas coisas que não resistiriam ao teste do olhar de Deus que a tudo perscruta. Você diz muitas vezes, no seu comércio, coisas que não representam a verdade e apresenta a desculpa de que outras pessoas fazem o mesmo. Não estou aqui para escutar sua desculpa, mas meu propósito é perguntar-lhe, com sinceridade: "Você quer ser curado?". Deseja ser transformado, a partir desse momento, em um homem total, rigorosa e escrupulosamente honesto? Nada mais de propaganda mentirosa; nada mais de exageros; nada mais de vender com astúcia e de tirar proveito; veja bem: o que você pensa de uma situação assim? Ora, há quem sequer pode continuar os negócios com regras assim: "o comércio é moralmente podre, e se você não se encaixar nas suas práticas, não poderá ganhar a vida com ele; o distrito é baixo e vil, e ninguém pode prosperar nele senão os trapaceiros; teríamos que fechar as lojas se fôssemos perfeitamente honestos". "Ora", exclama um, "eu seria devorado vivo nessa era de concorrência. Não posso acreditar que devamos ser tão conscienciosos". Estou vendo a situação: você não quer ser curado.

Quem é totalmente curado passa a ser, em todos os aspectos, um homem sóbrio. "Não há nada fora do homem que, nele entrando, possa torná-lo 'impuro'. Ao contrário, o que sai do homem é que o torna 'impuro'; (Mc 7.15) e "o Reino de Deus não é comida nem bebida" (Rm 14.17), mas nem por isso os homens deixam de pecar tanto na comida quanto na bebida, e principalmente no pecado da embriaguez. Ora, suponho a inexistência de algum bêbado que não deseje ardentemente ser salvo -- pelo menos quando está sóbrio; mas, beberrão, entenda que a pergunta não é: "você quer ir ao céu?", mas: "você quer abrir mão da bebedeira, e não se deleitar nas taças de excesso?". Agora, o que diz você? Gostaria, a partir deste momento, de acabar com toda essa libertinagem e devassidão, e repudiar tudo isso? Talvez de manhã alguns dissessem: "Sim", quando seus olhos estão vermelhos, e quando sofrem os ais dos excessos; mas como fica no fim da tarde, quando o grupo de farristas cerca o homem, e o vinho cintila na taça -- nessa hora, ele gostaria de ser curado, e renunciar o que lhe arruína corpo e alma. Ah, não. Muitos dizem: "Sim, gostaria de ser curado", mas nisto não são sinceros, e o cachorro volta ao vômito, e a porca, depois de lavada, rola na lama.

Em um homem, ser curado envolve a produção nele da veracidade universal. Ora, existem pessoas que não suportam dizer a verdade. Para elas, dois devem sempre ser vinte; aos olhos delas, as faltas de qualquer vizinho são crimes, e as virtudes de qualquer pessoa (a não ser das suas prediletas) sempre estão manchadas com vícios; com toda naturalidade, julgam de modo malicioso o vizinho, e invejam tudo o que é honroso no próximo. Agora, o que o senhor diz? Está disposto a ser curado, e a partir desta hora não falar nada senão a verdade diante de Deus e do homem? Receio que muitas línguas agora tão falantes, teriam pouco a dizer se falassem nada mais senão a verdade, e muitos homens poderiam recusar, e recusariam mesmo, se tivessem a honestidade de dizer isso, a bênção de serem feitos totalmente verazes.

Assim também na questão do perdão. O homem que foi curado pode perdoar até setenta vezes sete. Quando você não consegue perdoar a ofensa sofrida, é porque sua alma está doente. Quando você se ressente fortemente de uma injustiça, você está temporariamente doente; quando é resistida constantemente, você está com uma enfermidade crônica. Algumas pessoas ficam tão longe de saber perdoar, que quase orariam para viver e morrer para gratificar a paixão da vingança; seguiriam o homem que lhes praticou a transgressão, neste mundo e no outro também, e ir para a perdição com ele só para ter a satisfação de vê-lo no meio das chamas. Para muitos, a vingança é doce, e é inútil um homem dizer: "Quero ser curado", enquanto cultiva a malícia, e mantém a má vontade, para com o próximo.

Eu poderia assim, repassar, uma por uma, as virtudes e os vícios, e demonstrar que a pergunta no meu texto não é, afinal, tão simples como algumas pessoas acham. Existem alguns acometidos por uma disposição cobiçosa e gananciosa. Se estivessem sãos, seriam generosos, bondosos para com os pobres, estariam dispostos a contribuir com seus bens à obra do Senhor. Mas gostariam de ser curados, se dependesse da escolha deles nesta manhã? Ah, não! Acham que a generosidade é uma fraqueza, e a caridade, pura loucura. "Qual é a vantagem de ter dinheiro e então desfazer-se dele?", dizem. "Para que serve obtê-lo, a não ser para retê-lo? Sábio é quem consegue manter com firmeza e soltar tão pouco dele quanto possível". O homem não quer ser curado. Ele considera a mão paralítica e o coração ossificado sinais de saúde. Considera-se o único homem com saúde mental nas redondezas, embora a mente estreita e a alma desnutrida sejam visíveis a todos. Ele é um verdadeiro esqueleto, a anatomia da enfermidade, mas se considera modelo da saúde. Quem admira as próprias faltas obviamente não possui nenhum desejo de estar livre delas. "Que bela catarata tenho no olho", diz um deles; "Que carbúnculo precioso enfeita minha perna", diz outro; "Que torção deliciosa tenho na perna", diz um terceiro; "Como é linda a corcunda que adorna as minhas costas", diz outro. Os homens não falam assim a respeito das suas enfermidades -- senão, os consideraríamos loucos; muitas vezes, porém, se gloriam das suas vergonhas, e se regozijam nas suas iniqüidades. Sempre que você se encontra com um homem que possui uma falta mentalmente elevada ao nível de virtude, você estará com um homem que não deseja ser curado, e que despreza a visita do médico se este comparece à sua porta. E tais pessoas são comuns em todas as ruas.

Quero também observar que se o homem for curado não apenas as virtudes morais nele sobejarão, mas também as graças espirituais; isso porque a pessoa sã, é sadia de espírito e de caráter exterior. O que, pois, aconteceria com um homem se fosse curado de espírito? Respondo, em primeiro lugar: "Vê aquele fariseu ali? Ele dá graças a Deus por ser tão bom quanto deveria ser, e muitíssimo melhor que a maior parte das pessoas. Ora, se esse homem chegasse a ser curado, teria de dizer: "Deus, tem misericórdia de mim, que sou pecador" (Lc 18.13); mas se eu lhe perguntasse se gostaria de trocar de lugar com o publicano, ele responderia: "Por que trocaria? Ele é um miserável muito degradado e aviltado; a linguagem que ele emprega é muito adequada para ele, acho muito bom que a use; para mim, seria degradante fazer a mesma confissão, e não pretendo fazê-la". O homem não quer ser curado, por pensar que está são. O homem realmente curado passa a ser uma pessoa que renuncia a si mesma. Paulo estava são ao dizer: "Não tendo a minha própria justiça que procede da Lei, mas a que vem mediante a fé em Cristo, a justiça que procede de Deus e se baseia na fé" (Fp 3.9); quanto contava a própria justiça como mero esterco em contrapartida com o ganhar a Cristo e ser achado nele, era um homem são, curado. Homens doentios acham que sua justiça é suficientemente boa, e se envolvem nela, e coloca, nela um pouco de bijuterias de cerimônia e de forma externa, e então concluem ser justos o suficiente para o céu. Estão tão febris na soberba que deliram a respeito da bondade imaginária, ao passo que à virtude genuína chamam afetação e hipocrisia.

Quem está espiritualmente sadio é o homem de oração habitual; está acostumado a sentir gratidão constantemente e, portanto, a render louvores contínuos; é homem de consagração permanente; tudo o que realiza, o faz para Deus, e nisto busca a glória divina. Sua mente se apega às coisas invisíveis e eternas; seu coração não está escravizado pelo que se vê, pois sabe que não passa de vaidade. Ora, se fizéssemos um apelo a muitos, e eles soubessem exatamente o que queremos dizer com isso, e disséssemos: "Você quer ser curado, ser tornado sadio? Quer, a partir dessa hora, ser um homem de oração, de louvor, alguém que serve a Deus?", acredito que a grande maioria, mesmo nas nossas congregações, se respondessem com honestidade, diriam: "Não; não queremos ser curados; gostaríamos de ir ao céu, mas não queremos isso; desejamos escapar do inferno, mas não queremos praticar toda essa precisão puritana que você chama de santidade. Não; o que queremos é divertir-nos como pecadores em primeiro lugar, e só no fim ir ao céu com os santos. O veneno é demasiadamente doce para abrirmos mão dele; entretanto, no devido tempo, também aceitaremos o antídoto. Gostaríamos de tomar o café da manhã com o Diabo, e jantar com Cristo. Não temos pressa de ser tornados puros, nossos gostos atuais nos levam em outra direção".

 

II. Tendo, pois, esclarecido essa pergunta, pretendo, à medida que minhas forças agüentam, passar a notar, em segundo lugar, que essa pergunta é passível de muitíssimas respostas, e por isso é mais necessário que seja postulada e respondida.

1. Primeiro: há alguns aqui cuja única resposta a essa resposta pode ser chamada resposta nenhuma, ou seja: não querem ouvir nem considerar nada desse tipo. "Você quer ser curado?". "Pois bem, sim, não -- não sabemos bem o que diremos; não queremos nos preocupar com isso; somos jovens, há bastante tempo para pensarmos nessas coisas; somos homens de negócios, temos mais coisas para fazer, sem preocupar a mente com a religião; somos pessoas abastadas, e realmente não se pode esperar que consideremos essas coisas da mesma maneira que os pobres, de mentalidade grosseira, se sentem obrigados a fazer". Ou: "Somos doentios, e realmente, nossos cuidados com a saúde ocupam tempo demasiado para permitir que sejamos perturbados com dificuldades teológicas". Percebo que vocês agarram em qualquer coisa para afastar dos pensamentos a única coisa necessária. A pobre alma é a parte mais preciosa, mas a menos estimada.

Oh, como alguns de vocês fazem bagatela da alma; como brincam com seus interesses imortais! Eu fiz assim certa vez; se lágrimas de sangue pudessem expressar minha lástima por ter procedido dessa forma, estaria disposto a chorá-las; isso porque a perda de tempo advinda do descuido prolongado para com os interesses da alma é algo muito sério, perda de tempo tal que nem a misericórdia pode nos restaurar, que nem a graça de Deus nos pode devolver. Gostaria, jovens, de que essas coisas estivessem na mente de vocês. Oh, quão zelosamente eu queria que percebessem a importância dessas perguntas, sim, de caráter pressuroso e assoberbador, de modo que não sacudissem de si o desejo de saber a respeito da religião, nem afastar do espírito a pressão amorosa do Espírito Santo que deseja despertá-los. Queira Deus vocês sejam feitos suficientemente sábios para desejar o desenvolvimento mais nobre da vida espiritual, e a destruição de tudo o que fosse em detrimento do seu bem-estar espiritual. Peço-lhes que considerem bem a primeira pergunta, a principal. Não a evitem. A hora da morte pode estar mais próxima do que imagina; o amanhã, no qual esperam considerar essas coisas, pode nunca chegar. Apresento-lhes o caso de novo: se é para diferir alguma coisa, seja algo que possa esperar sem problema; que a coisa adiada não seja eterna, coisa espiritual, mas: "Busquem em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça" (Mt 6.33a).

Ora, algumas pessoas já tiveram bastante interesse pela religião, e sequer a repudiaram, mas sua resposta à pergunta: "Você quer ser curado?", não é muito séria. Há anos foram despertadas; quando escutavam o sermão, guardavam como tesouro cada palavra; suas orações eram inoportunas, e os desejos religiosos, animados, mas não obedeceram ao mandamento: "Creia em Cristo e viva"; acostumaram-se com a desgraça da incredulidade, com a permanência sob o fardo do pecado, que persistirão em carregar, apesar de haver um amado Salvador que espera para aliviá-los do fardo; e agora, a resposta à pergunta não é positiva nem negativa. Gemem, fracamente: "Eu queria desejar, gostaria que fosse da minha vontade, mas meu coração é duro:

Quero desejar, mas não ouso dizer que tenho vontade para isso". Veja até que condição você levou a si mesmo, e que Deus o ajude agora a fazer um esforço desesperado em relação à sua vontade; que o divino Espírito vivificador abençoe seu coração com essa palavra afetuosa, para você dizer: "Ah, sim, do meu profundo desespero, do poço em que não há água, ainda clamo a ti, meu Deus; das entranhas do inferno desejo livramento. Quero, eu quero, desejo ser salvo. Oh, dá-me graça para eu ser curado". Que nenhum de vocês seja cotado com quem oferece praticamente nenhuma resposta à pergunta.

2. Em segundo lugar, existem pessoas em demasia que oferecem respostas muito evasivas à pergunta. Devo falar com elas: "Você quer ser curado?". Caros ouvintes, estou muito desejoso de postular a seguinte pergunta a todos os inconversos, mas prevejo que, de várias pessoas, não receberei nenhuma resposta nítida. Alguém dirá: "Como saberei se sou um dos eleitos de Deus, ou não?". Amado, essa não é a pergunta, e ela não pode ser respondida nesse momento, mas terá resposta no devido tempo. Entrementes, por que você precisa levantar esse assunto, a não ser para cegar seus olhos diante da pergunta solene que o texto faz? Você quer, ou não, ser curado? Venha, homem, não evite a pergunta; chegue-se a ela e enfrente-a como homem. Você está disposto a se reconciliar com Deus, e a ser-lhe obediente, ou não? Diga sim ou não, e fale abertamente. Se seu desejo é ser inimigo de Deus, e amar o pecado e a iniqüidade, declare-o; você será honesto consigo mesmo, e se examinará à luz verdadeira; mas se realmente quer ser purificado do pecado e feito santo, diga-o, afinal, não seria grande coisa a ser dita; não passa de sua vontade, e não é nada para você se orgulhar.

"Ora", diz outro, "não tenho poder para cessar o pecado". De novo, digo que a pergunta não é esta. Deve-se fazer, para todo o sempre, a distinção entre vontade e a capacidade. Vocês podem ter a certeza de que Deus dará a capacidade, de modo proporcional à concessão da vontade. Pelo fato de nossa vontade não estar presente que a capacidade se faz presente. Quando vier a vontade fraca, surgirá a capacidade fraca; mas quando a vontade se torna intensa, a capacidade também se intensifica. Juntas, vencem ou perdem. Mas não é isso que estamos perguntando. Não pergunto: "Que você é capaz de fazer?", mas "Como você quer ser?". Você está sincera e honestamente desejoso hoje de libertar-se do poder do pecado? É esta a pergunta em pauta, e peço-lhe, pelo bem de sua alma: perscrute seu coração e responda a essa pergunta como à vista de Deus.

Alguém diz: "Mas fui tão culpado no passado, meus pecados passados dei-xam-me alarmado". De novo, embora eu fique contente pela consciência do pecado, gostaria de lhe lembrar que não é esta a pergunta feita; não se trata da condição da sua enfermidade, mas de saber se você quer ser curado. Sei que você é pecador, e muito pior do que imagine ser; por mais obscuro que o pecado seja aos seus olhos, é dez vezes pior aos olhos de Deus, e você, pela própria natureza, é um pecador totalmente condenado e perdido. Mas a pergunta é: "Você quer ser curado?". Não é: "Você quer receber o perdão do passado, e ser livrado das penalidades envolvidas?". É claro que quer; mas você deseja ser liberto das concupiscências que são o seu deleite, dos pecados muito queridos? Você quer ser liberto dos desejos da carne e da mente, das coisas pelas quais seu coração anseia? Você quer se assemelhar aos santos, e ser como Deus é: santo e isento do pecado? É este o anseio do seu espírito, ou não?

3. Agora, mencionarei a existência de muitíssimas pessoas que dizem, na prática, "Não" a essa pergunta. Sequer a evadem, mas dizem com honestidade: "Não". Talvez eu deva retrair essa palavra; duvido que falem abertamente "Não", mas praticamente dizem: "Não" pelas ações. "Eu gostaria de ser curado", diz alguém, mas logo depois de findado o culto divino, volta ao pecado. Um homem diz que quer ser curado da sua enfermidade, porém volta a se permitir o que provocou a doença; é mentiroso ou louco? Comer determinada carne pode ser a causa de alguma doença -- o médico adverte o paciente nesse sentido; o paciente diz que deseja ser curado, mas passa imediatamente ao comer com avidez a mesma comida que provocou a enfermidade. Ele é mentiroso, não é? E o que diz que quer ser curado, mas continua flertando com seu antigo pecado, não está mentindo para si mesmo, e para Deus? Quando o homem quer ser curado, freqüenta os lugares onde a cura é oferecida; no entanto, existem alguns que vão muito raramente à casa de Deus, que talvez vão uma só vez no Dia do Senhor, e que ouvem o evangelho só de vez em quando, ou que freqüentam lugares chamados locais de oração, onde o evangelho não é pregado, onde a consciência nunca é remexida, onde as exigências da lei de Deus e as promessas do evangelho de Deus não são aplicadas com plena insistência, mas essas pessoas se sentem plenamente satisfeitas por terem ido para lá, e pensam ter feito uma boa coisa, da mesma forma que um enfermo não vai ao médico que entende o caso, mas passa na casa de qualquer curandeiro, que alega fazer curas, mas sem ninguém ter sido curado. Essa pessoa não deseja ser curada; se quisesse, não agiria assim.

Quantas pessoas ouvem o evangelho, mas não o escutam com atenção! Um telegrama a respeito da Bolsa de Valores é lido com os dois olhos -- as ações vão subir ou descer? Um artigo que as ajuda a julgar as tendências gerais do comércio -- como o devoram com a mente, assimilam o significado, e depois põem em prática o que entenderam. O sermão é ouvido, e o ministro é julgado segundo o modo de o pregar -- como se uma pessoa que lesse o telegrama dissesse que alguma maiúscula não foi bem entintada no prelo, ou que o pingo de um "i" faltasse naquela letra; ou se um homem que lesse um artigo comercial simplesmente criticasse o estilo do artigo, em vez de chegar ao seu significado, e seguir os conselhos ali contidos. Oh, como os homens gostam de ouvir e então achar que é a máxima perfeição dizer se gostaram do sermão ou se o desaprovaram! Imaginem se o pregador, enviado por Deus, se importasse um tostão se você gostou ou não do sermão, sendo que o dever dele não é agradar ao seu gosto, mas, sim, salvar sua alma, não para ganhar sua aprovação, mas conquistar seu coração para Jesus, e levá-lo a reconciliação com Deus.

"Gostar" não deve ser levado em conta nessa questão; é bastante raro um paciente que ama o bisturi do cirurgião. O cirurgião que conscientemente remove a carne esponjosa, ou impede que a ferida se feche com rapidez demasiada, não pode esperar admiração pelo manejo do bisturi enquanto o sofredor ainda o sente; além disso, o pregador, ao declarar fielmente a verdade, não espera que as pessoas o elogiem segundo o gosto deles; basta-lhe que a consciência dos seus ouvintes o aprovem. Ah, meus ouvintes, vocês nos oferecem ouvidos desanimados, ouvidos críticos, tudo menos ouvir para pôr em prática, e tudo isso contribui para comprovar que, afinal, embora deixem empinadas nossas casas de oração, vocês não querem ser curados. Existem muitas pessoas que pegam no Evangelho como o homem de leitura talvez pegue o livro de cirurgia para se entreter com conhecimentos vagos da arte, mas não para descobrir o que dirá respeito ao próprio caso, nem remova a própria enfermidade. Assim vocês fazem com a Bíblia, vocês a lêem como volume sagrado, mas não como algo aplicável aos melhores interesses de vocês. Quão pouco sabem do profundo e sincero anseio do coração para achar Jesus, para serem reconciliados com Deus, e para serem livrados da ira vindoura! Existem pessoas que, tanto pelo não-ouvir, quanto pelo ouvir, dizem: "Não queremos ser curados".

Há, ainda, muitas pessoas que não desejam ser curadas, porque caso se tornassem sãs e íntegras, isso envolveria a perda da posição atual na sociedade; não querem separar-se dos lucros ímpios, nem dos companheiros iníquos. A religião as envolveria em certo grau de perseguição; não gostariam de ser chamadas, em tons de zombaria, metodistas ou presbiterianos; não se poderiam se dar o luxo de ir ao céu, se a estrada para lá fosse acidentada; prefeririam ir ao inferno, caso a estrada que leva para lá fosse lisa e agradável. Consideram melhor ir à perdição, com a aprovação dos tolos, que serem salvos, mas sofrerem a zombaria dos ímpios. Acham inconveniente serem graciosas, maçante serem piedosas, ignominioso serem devotas, tolo serem demasiadamente corretas. Gostariam de receber a coroa sem por ela lutar, a recompensa sem o serviço. Gostariam de desfrutar das delícias de saúde na alma, mas sem perder as vantagens da associação com os leprosos e contaminados. Ai delas! Tolas miseráveis.

4. Graças a Deus por existirem alguns que podem dizer: "Sim, sim, eu gostaria de ser curado", e do caso deles vou falar a seguir.

 

III. Sempre que uma resposta afirmativa é dada a essa pergunta, podemos concluir que há uma obra da graça iniciada na alma.

Se algum dos meus ouvintes disser, com sinceridade: "Sim, meu grande anseio é ser liberto do pecado", estou triplamente feliz, meu caro amigo, por ter o privilegio de lhe falar esta manhã. Se você disser: "Não se trata do medo do castigo, pois o pecado já é castigo suficiente para mim; se eu pudesse estar no céu, mas ainda ser um pecador tal como sou, não seria céu para mim. Quero estar livre de todas as faltas, nos pensamentos, nas palavras, e nas ações, e se eu pudesse ser perfeito, seria perfeitamente feliz, mesmo que eu fosse doente e pobre". Pois bem, se o Senhor o fez ansiar pela santidade, já existe no seu coração o embrião da graça, a semente da vida eterna. Dentre em breve, você se regozijará por ter nascido de novo, e por ter passado da morte para a vida. "Oh", você diz, "eu gostaria de poder enxergar isso, gostaria de senti-lo!". Não acredito que a pessoa totalmente destituída da graça possa chegar a anseios sinceros, zelosos, e intensos pela santidade, por amor a esta. Ora, se você quiser obter a alegria e a paz que devem advir desse fato, preciso lhe dizer algo muito semelhante ao que Jesus disse ao pobre homem em Betesda: "Pegue sua maca e ande", assim também, nesta manhã, ouça a palavra do Senhor -- confie agora, de imediato, na obra completa de Jesus Cristo, que, como substituto, foi castigado pela sua culpa; confie nele, e você será uma alma jubilosa, além de salva. "Tenho a capacidade de crer em Cristo?", pergunta alguém.

Respondo: "Sim, você tem o poder; sim, você tem a capacidade". Eu não diria a todas as pessoas: "Você tem a capacidade de exercer a fé", pois a falta de vontade é a morte do poder moral; mas se estiver disposto, você tem o direito, o privilégio, a capacidade de crer que Jesus morreu por você, que Deus o fez ansiar pela santidade, preparou-lhe a santidade, e o instrumento pelo qual ela operará agora é a fé. O mesmo Espírito que opera em você para desejar isso, também o faz para realizar seu beneplácito. Olhe para Cristo e seja salvo". Oro para que alguns de vocês cheguem à perfeita paz nesta manhã, ao olhar para Cristo. Sim, e talvez pareça coisa estranha, mas é verdade que enquanto procurar a santidade dentro de si mesmo, nunca a terá, mas se tirar os olhos de si mesmo e olhar para Cristo, a santidade virá a você. Mesmo agora, o desejo que você tem, partiu dele, é o início do novo nascimento na sua alma. Olhe, rogo-lhe, para longe, bem para longe, além dos seus melhores desejos, para Cristo na cruz, e este será o dia da sua salvação.

Talvez pareça uma coisa bem pequena ter um desejo, porém o desejo do tipo que descrevi não é pequeno, é mais do que a natureza humana já produziu de si mesma, e somente Deus, o Espírito eterno, pode implantá-lo. Estou convicto de que a fé viva e salvífica sempre a acompanha, e que mais cedo ou mais tarde aflorará na superfície, trazendo consigo alegria e paz.

 

IV. Mas agora, em último lugar, quando a pergunta é respondida negativamente, preciso lembrar você que envolve um pecado muito pavoroso.

Eu desejaria não precisar pregar a respeito deste último tema, mas devo pregar, por mais doloroso que seja. Existem alguns aqui, e muitos em outros lugares, que não estão dispostos a serem curados. Vocês, meus irmãos inconversos, estão assim indispostos. Enfrentem esse fato agora, eu lhes peço, pois, em breve, vocês terão esse confronto. Trata-se exatamente disto: Vocês se preferem a Deus, vocês preferem agradar-se a si mesmos antes de agradar-lhe, vocês prefe-rem o pecado à santidade. Olhem para isso de perto e de modo justo. O pecado é sua escolha, sua escolha deliberada e atual; vocês assim escolhem hoje, não raro fizeram essa escolha, e, lastimo dizer, continuarão a fazer essa escolha, se a graça de Deus não os impedir. Encarem esta escolha, porque em breve verão a questão inteira à luz da eternidade; descobrirão, então, que preferiram os prazeres desta vida ao céu; preferiram as diversões e os entretenimentos, e a justiça própria, e o orgulho, e a voluntariedade de uns poucos anos fugazes, à glória e bem-aventurança da obediência perfeita a Cristo e da permanência na sua presença para sempre. Oh! Quando vocês morrerem, e quando viverem em outro estado, vocês se amaldiçoarão por terem feito essa escolha.

Quando estiverem no seu leito da morte, não salvos, verão a questão assim: "Não estou aqui, sem ser salvo, de modo contrário à minha vontade, mas não quis ser curado, minha vontade era não ser crente, meu desejo era a impenitência; ouvi o evangelho proposto, e decidi deliberadamente deixá-lo para trás, e permanecendo o que sou, agora morro sem perdão e sem santidade, e isso por minha vontade. Lembre-se que nenhum homem espiritualmente malsão pode entrar no céu. Precisa tornar-se sadio, ou ser excluído da glória. Não podemos ficar em pé no santíssimo lugar até sermos aperfeiçoados. Você, portanto, ó alma não curada, se permanecer como está, nunca ficará em pé na presença de Deus, e você escolhe, você escolhe deliberadamente, que nunca será admitido aos átrios do paraíso.

Além disso, como você sentirá isso daqui a pouco (não sei quão pouco, e nem você sabe), não lhe havendo entrada no céu, sendo sua opção não entrar no céu, sobrará uma só coisa: ser expulso da presença de Deus para as chamas eternas da sua ira. Certamente, um dos açoites do inferno será perecer por vontade própria. Você gritará tanto: "Eu escolhi isso, eu o escolhi. Quão tolo eu fui, foi esta a minha vontade". O que é o inferno, pois? É o pecado plenamente crescido. O pecado é o mal na sua concepção, o inferno é o pleno desenvolvimento do pecado. Que pensamentos você terá no inferno? "Escolhi o que me envolveu em uma desgraça da qual nunca poderá haver escape; em uma morte da qual nunca poderá haver livramento. Devo morrer para Deus, para a santidade, para a felicidade, e existir para sempre na morte perpétua, no castigo eterno, e tudo porque eu quis assim, e em decorrência da minha livre escolha".

Examine diretamente isso, peço-lhe. Parece-me o elemento mais pavoroso do caso do pecador perdido. Se eu pudesse dizer, ao ser lançado no inferno: "Estou aqui por causa do decreto de Deus, e por nenhuma outra razão", poderia achar algo para firmar meu espírito para suportar a desgraça da minha condição perdida; mas se fosse compelido a sentir, no inferno, que minha ruína é totalmente minha culpa, e a minha somente, e que pereço por meu pecado, pela rejeição pessoal de Cristo, então, o inferno seria o inferno mesmo. Essa masmorra, eu mesmo a construí? A porta, travada de modo tão firme que nunca se abrirá, eu mesmo coloquei nela as barras? Nesse caso, a última relíquia do consolo é tirada da minha alma para sempre. Mas, meu caro ouvinte, espero que você diga: "Realmente desejo ser curado". Então, deixe-me voltar a lembrar-lhe que o lugar para achar o cumprimento desse desejo é ao pé da cruz. Coloque-se ali e espere no grande Redentor; já existe alguma vida em você, o Salvador que ali morre a aumentará; fique ao pé da cruz onde caem as gotas preciosas de sangue, veja o fluir do seu sangue que redime as almas, e espere, não, creia que ele derramou seu sangue por você, e que está salvo. Pode ir, você que queria ser curado, pois Jesus disse: "Quero. Seja purificado!" (Mc 1.41).