"Certo sábado Jesus estava ensinando numa das sinagogas, e ali estava uma mulher que tinha um espírito que a mantinha doente havia dezoito anos. Ela andava encurvada e de forma alguma podia endireitar-se. Ao vê-la, Jesus chamou-a à frente e lhe disse: 'Mulher, você está livre da sua doença.' Então lhe impôs as mãos; e imediatamente ela se endireitou, e passou a louvar a Deus" (Lc 13.10-13).

Acredito que a enfermidade dessa mulher não era apenas física, mas também espiritual: sua aparência externa indicava depressão mental profunda e de longa duração. Andava encurvada (quase dobrada) quanto ao corpo, e profundamente encurvada pela tristeza, quanto à mente. Sempre há alguma ligação entre o corpo e a alma, mas isso nem sempre é visto com tanta clareza quanto no caso dela; encontraríamos por todos os lados muitas cenas lastimáveis se assim fosse.

Imaginem, por um momento, qual seria o resultado para a presente congregação se nossa forma externa exibisse o estado interno. Se alguém com olhos semelhantes aos do Salvador pudesse nos perscrutar agora, e enxergasse dentro de nós, qual seria a aparência desta multidão? Seriam vistas cenas muito deploráveis, pois em cada banco da igreja muitos mortos estariam sentados, contemplando por meio dos olhos vidrados da morte, levando a semelhança da vida e o nome da pessoa viva, mas estando, o tempo todo, mortos quantos às coisas espirituais. Meu amigo, você estremeceria se fosse colocado ao lado de um cadáver. Infelizmente, o cadáver não estremeceria, mas permaneceria tão insensível quanto os ímpios habitualmente são, embora a verdade preciosa do evangelho ressoe em seus ouvidos -- ouvidos que ouvem, mas que escutam em vão. Em todas as congregações serão achadas numerosas almas "mortas em transgressões e pecados" (Ef 2.1), mas que ficam sentadas como o povo de Deus, e não podem ser discernidas pelos viventes em Sião. Mesmo nos casos em que existe vida espiritual, o aspecto não seria totalmente belo. Aqui, veríamos um cego, e ali, outro aleijado; e um terceiro, pervertido da perfeita retidão. A deformação espiritual assume muitas formas, e cada forma é dolorosa de olhar. Seria desconfortável ter a nosso lado um paralítico com fé tremente, evidenciada pelo corpo tremente, e seria igualmente indesejável uma pessoa sujeita a crises de paixão ou de desespero se seu corpo também sofresse de crises.

Como seria triste se tivéssemos ao nosso redor pessoas com febre, ou estremecendo de calafrios, ficando alternadamente quentes e frias, em certo momento ardem quase a ponto do fanatismo, e depois, geladas, como por um vento polar, com total indiferença. Não tentarei esboçar com pormenores os aleijados, mancos, cegos e incapacitados reunidos nesta Betesda. Por certo, se a carne tivesse o formato adequado para o espírito, essa igreja seria transformada em um hospital, e cada um fugiria do próximo, e desejaria fugir de si mesmo. Se as enfermidades internas de qualquer um de nós fossem visíveis em nossas feições, garanto-lhes que não demoraríamos muito tempo defronte do espelho, e dificilmente desejaríamos pensar nos objetos miseráveis que nossos olhos contemplariam. Mas deixemos de lado essa cena imaginária com o pensamento consolador da presença de Jesus entre nós, apesar de sermos doentes e, embora ele não veja nada para deleitar os olhos se julgar segundo a lei, sua misericórdia se deleita em aliviar a desgraça humana, portanto, existe oportunidade sobejante aqui no meio desses milhares de almas enfermas.

Naquela sinagoga, no sábado, a pobre mulher descrita no texto deve ter sido a menos notada. Sua enfermidade específica a teria deixado de estatura bem baixa; sua altura original fora reduzida quase pela metade e, como conseqüência, ficaria quase perdida em meio à multidão em pé, como acontece com outras pessoas muito baixas. Uma pessoa tão encurvada como ela poderia ter entrado e saído, sem ter sido notada por ninguém que estivesse em pé no local de culto; mas posso imaginar que o Senhor ocupasse uma posição um pouco mais elevada, porque, para ensinar na sinagoga, provavelmente subira a uma elevação visando à maior conveniência de ser visto e ouvido, e por isso mesmo poderia perceber a mulher mais facilmente que os outros. Jesus sempre ocupa a posição de onde consegue perceber os que estão encurvados. Seus olhos vivos não deixaram desapercebido o alvo. Ela, coitada, foi naturalmente a menos vista entre todas as pessoas presentes, no entanto, foi a mais observada, pois o olhar gracioso do Senhor passou rapidamente por cima dos demais, mas sobre ela recaiu com atenção concentrada. Ali permaneceu seu olhar de ternura, até ter levado a efeito, com amor, a cura.

Pode haver, porventura, alguém na multidão nesta manhã, o menos observado de todos, mas que não deixou de ser notado pelo Salvador; pois ele vê, não como o homem vê, mas observa mais a quem o homem deixa de lado como indigno de atenção. Ninguém o conhece, ninguém se importa; sua aflição específica é totalmente desconhecida, e você não a revelaria por nada neste mundo. Você se sente totalmente sozinho; não existe solidão como a encontrada em uma densa multidão; e você está na solidão agora. Porém, não se desespere totalmente, pois ainda lhe sobrou um amigo. O coração do pregador quer alcançá-lo, mas isso lhe será de pouca ajuda; existe muito mais alegria nisto: assim como o Mestre mais observava a pessoa menos notada naquele sábado na sinagoga, assim confiamos que ele fará hoje, e seu olhar se fixará em você, em você mesmo. Ele não o deixará de lado, mas derramará uma bênção sabática especial sobre seu coração cansado. Embora você se considere entre os últimos, agora será colocado na primeira posição por meio da operação de um milagre notável de amor do Senhor em você. Com a esperança de que assim seja, prosseguiremos, com a ajuda do Espírito Santo, para examinar esse feito gracioso realizado a favor da pobre mulher.

 

I. Nosso primeiro tema para consideração é o encurvamento dos aflitos. Lemos a respeito dessa mulher: "tinha um espírito que a mantinha doente [...] andava encurvada e de forma alguma podia endireitar-se". A respeito disso notamos, em primeiro lugar, que ela perdera todo o brilho natural. Posso imaginar que, quando menina, ela tivesse a mesma ligeireza de uma gazela jovem, seu rosto apresentava covinhas produzidas por muitos sorrisos, e seus olhos brilhassem com alegria juvenil. Ela tivera parte no brilho e beleza da juventude, e andava ereta como suas companheiras, levantando os olhos para o sol de dia, e para as estrelas cintilantes de noite, regozijando-se com tudo ao redor, e sentindo a vida como grande alegria. Mas, paulatinamente, foi se alastrando por ela uma enfermidade que a rebaixava, talvez uma fraqueza da coluna: ou os músculos e as ligaduras começaram a se apertar, de modo que ela ficou amarrada em si, cada vez mais levada em direção a si mesma e à terra, ou os músculos começaram a relaxar-se, de modo que ela não pudesse manter a posição perpendicular, e seu corpo pendesse cada vez mais para a frente.

Suponho que qualquer uma dessas causas pudesse torná-la encurvada, sem endireitar-se. Seja como for, havia dezoito anos que não contemplava o céu ensolarado; nesse período nenhuma estrela da noite alegrara sua vista; seu rosto era dirigido para baixo, em direção ao pó, e toda a luz da sua vida era ofuscada; andava ao redor como se procurasse uma cova, e não duvido de que muitas vezes considerasse uma alegria achar uma. Estava tão presa como se fosse amarrada com correntes de ferro, e tão aprisionada como se estivesse entre muros de pedras. Conhecemos, lastimavelmente, alguns filhos de Deus que neste momento estão na mesma situação. Perpetuamente encurvados, e embora se lembrem de dias mais felizes, a memória serve somente para aprofundar a melancolia atual. Às vezes cantam, em tom menor:

Raras vezes, agora, entram em comunhão com Deus; raras vezes, ou nunca, contemplam a face do Bem-amado. Procuram manter-se firmes por meio da crença, e conseguem; mas têm pouca paz, consolo e alegria: perderam a coroa e a flor da vida espiritual, embora ela permaneça. Tenho certeza de estar me dirigindo a mais de duas ou três pessoas nessa situação tão triste neste momento, e oro ao Consolador para abençoar as palavras dirigidas a eles.

Essa pobre mulher estava encurvada em direção a si mesma e em direção ao que era deprimente. Parecia crescer para baixo; sua vida se encurvava; cada vez mais baixo, como se o peso dos anos a oprimisse. Todos os seus olhares dirigiam-se à terra; nada celestial, radiante, aparecia diante de seus olhos; suas vistas foram limitadas ao pó e à sepultura. Assim também há alguns dentre o povo de Deus, cujos pensamentos afundam cada vez mais, como o chumbo, e seus sentimentos correm em um sulco profundo, aumentando cada vez mais. Não se lhes pode oferecer o mínimo deleite, mas é muito fácil deixá-los alarmados: por meio de uma arte estranha, espremem sucos de tristeza dos cachos de uvas de Escol; em uma situação na qual outros pulariam de alegria, eles se encurvam com tanto pesar, por tirarem a conclusão lastimável de que as coisas alegres não são para pessoas do seu tipo. Não ousam aceitar remédios revigorantes, especialmente preparados para os entristecidos, e quanto mais confortadores são, tanto mais receiam aceitá-los.

Havendo alguma passagem sombria na Palavra de Deus, eles não deixam de lê-la e dizer: "Isso se aplica a mim"; havendo uma parte trovejante em um sermão, eles se lembram de cada sílaba, e embora estranhem como o pregador os conheça tão bem, não deixam de sentir certeza de que dirigiu contra eles cada palavra. Se algo acontece na providência, quer seja adverso, quer seja propício, em vez de o interpretarem como sinal do bem, quer possam racionalmente fazê-lo, quer não, conseguem traduzi-lo como sinal do mal. "Todas essas coisas são contrárias a mim", dizem, visto que não conseguem ver coisa alguma senão a terra, e não conseguem imaginar nada senão o medo e a aflição.

Conhecemos certas pessoas prudentes, porém um pouco destituídas de sentimentos, que culpam estes enfermos e os repreendem por serem tão desanimados; e isso nos leva a notar, a seguir, que ela não podia levantar-se. Culpá-la de nada aproveitava. É possível ter havido um tempo em que suas irmãs mais velhas dissessem: "Irmã, você deve manter-se mais ereta; não deve ficar com os ombros caídos; você está ficando muito fora de forma; deve tomar cuidado para não ficar deformada". Oh, quão bons os conselhos dados por algumas pessoas! Os conselhos são habitualmente dados em troca de nada, e isto é muito adequado, visto que, na maioria dos casos, é este seu valor integral. Os conselhos dados a pessoas que ficam deprimidas de espírito habitualmente são pouco sábios. Às vezes desejo que quem estiver tão pronto a oferecer conselhos tenha sofrido um pouco, pois então terá sabedoria de guardar a língua.

Qual é o proveito de aconselhar o cego a ver, ou de dizer a quem não pode se levantar que ela deve andar reta, e que ela não deve olhar tanto para a terra? Fazer assim é aumentar a desgraça de modo desnecessário. Alguns que fazem de conta ser consoladores poderiam mais adequadamente ser classificados como atormentadores. A enfermidade espiritual é tão real como a espiritual. Quando Satanás prende uma alma, ela está tão sujeita quanto o homem que amarra um boi ou um jumento. O animal não consegue se livrar, está forçosamente preso; e essa era a condição dessa mulher infeliz. É possível que eu esteja falando a alguns que, com muita coragem, têm tentado reanimar o próprio espírito: experimentaram uma mudança de cenário, foram visitar pessoas piedosas, pediram o consolo de bons crentes, freqüentaram a casa de Deus, e leram livros de consolo; mas continuam presos, e não há disputa sobre isso. Como derramar vinagre em uma ferida, assim é quem canta cânticos para o coração triste: há algo de incompatível nas alegrias mais deliciosas quando impostas a espíritos quebrantados. Algumas almas aflitas estão tão doentes que odeiam qualquer tipo de alimento, e se aproximam das portas da morte. No entanto, se algum dos meus ouvintes estiver nessa triste situação, não deve se desesperar, porque Jesus pode levantar os mais encurvados.

Talvez o pior aspecto do caso dessa mulher infeliz fosse sofrer dessa doença durante dezoito anos, portanto, a doença era crônica e sua enfermidade confirmada. Dezoito anos! É um período muitíssimo prolongado. Dezoito anos de felicidade!--os anos voam como Mercúrio, com os calcanhares alados. Dezoito anos de vida alegre--que período breve! Mas dezoito de dor, dezoito anos de ficar encurvado até a terra, dezoito anos nos quais o corpo era mais semelhante ao de um animal selvagem que ao de um ser humano, que período deve ser! Dezoito longos anos--cada um com doze meses desgastantes arrastando-se como correntes atrás dele! Ela passara dezoito anos acorrentada pelo Diabo; quão grande desgraça! Pode um filho de Deus passar dezoito anos na depressão? Sou obrigado a responder "sim". Existe um caso, o do sr. Timothy Rogers, que escreveu um livro sobre a melancolia religiosa, aliás, um livro muito maravilhoso; esse homem passou 28 anos (acho) em total desânimo: ele mesmo conta a história, e por isso não há dúvida quanto à autenticidade. Casos semelhantes são bem conhecidos entre os familiarizados com biografias religiosas. Indivíduos ficaram trancados muitos anos no covil sombrio do desespero, mas, depois de tudo, foram trazidos para fora, de modo singular, para a alegria e o consolo.

Dezoito anos de depressão devem ser uma aflição pavorosa, mas há uma saída, pois embora o Diabo possa levar dezoito anos para forjar uma corrente, não custa ao bendito Senhor dezoito minutos para quebrá-la. Ele consegue libertar o cativo em pouco tempo. Construa suas masmorras, ó Diabo do inferno, e lance alicerces profundos, e coloque fileiras de granito de forma tão compacta que ninguém possa mexer uma única pedra de sua construção; mas quando chegar seu Mestre--o destruidor de todas as suas obras, é só ele falar, sua Bastilha desaparecerá totalmente nos ares, como o produto sem substância de uma visão. Dezoito anos de melancolia não comprovam que Jesus não possa libertar o cativo; só lhe oferecem a oportunidade para demonstrar seu poder gracioso.

Notem, ainda, a respeito dessa pobre mulher, que embora estivesse encurvada na mente e no corpo, não deixava de freqüentar a casa de oração. Nosso Senhor estava na sinagoga, e ali estava ela. Ela poderia muito bem ter dito: "Para mim é muito doloroso ir até um lugar público; devo ser isentada disso". Mas não, ali estava ela. Caro filho de Deus, o Diabo às vezes sugere a você que é inútil conti-nuar a escutar a Palavra. Vá, mesmo assim. Ele sabe que você tem a probabilidade de escapar de suas mãos enquanto escuta a palavra e, por isso, se ele o conseguir manter longe, procederá desse modo. Enquanto estava na casa de oração essa mulher recebeu a liberdade, e onde você pode recebê-la; por isso, continue, ainda, subindo à casa do Senhor, aconteça o que acontecer.

Durante todo esse tempo, também, ela permanecia filha de Abraão. O Diabo a amarrara como boi ou jumento, mas não podia lhe tirar seu caráter privilegiado. Permanecia filha de Abraão, continuava uma alma crente que confiava em Deus com fé humilde. Quando o Salvador a curou, não disse: "Seus pecados lhe sejam perdoados". Não havia pecado específico nesse caso. Não se dirigiu a ela como fazia com aqueles cuja enfermidade tinha sido provocada pelo pecado; isso porque, apesar de ela estar tão encurvada, só precisava de consolo, não de repreensão. Seu coração estava de bem com Deus. Sei que era, pois no momento em que foi curada, começou a glorificar a Deus, o que demonstra sua prontidão para a cura, e que o louvor estava aguardando, em seu espírito, a alegre oportunidade. Ao subir à casa de Deus, sentia certa medida de consolo, embora estivesse encurvada durante dezoito anos. Aonde mais ela poderia ter ido? Qual proveito obteria ao permanecer em casa? A criança doente fica melhor na casa do pai, e essa mulher se sentia melhor onde se faziam orações.

Aqui, portanto, temos um retrato do que ainda pode ser visto entre os filhos dos homens, e pode ser seu caso. Que o Espírito Santo abençoe essa descrição para estimular-lhe o coração.

 

II. Convido-os, em segundo lugar, a notar a mão de Satanás nesse cativeiro. Não teríamos sabido disso se o Senhor não nos tivesse contado que foi Satanás que mantinha presa essa pobre mulher durante dezoito anos. Ele deve a ter sujeitado de modo muito astuto para os nós ficarem firmes durante todo esse tempo, pois não se tratou de possessão. Vocês podem reparar que o Senhor jamais impôs as mãos sobre uma pessoa endemoninhada. Satanás não tomou posse, mas caíra sobre ela em certa ocasião dezoito anos antes, e a prendera como os homens amarram um animal no estábulo, e ela não conseguiu livrar-se em todo esse tempo. O Diabo consegue fazer, em um momento, um nó que você e eu não conseguimos desatar em dezoito anos. Neste caso, prendera de modo tão seguro sua vítima que nenhuma força dela mesma, ou de outras pessoas, poderia desatar; da mesma forma, quando lhe é permitido, consegue sujeitar qualquer membro do povo de Deus em um tempo brevíssimo, e de toda e qualquer maneira. Talvez uma só palavra de um pregador, sem a intenção de provocar tristeza, possa deixar um coração angustiado; uma só frase de um bom livro, ou uma passagem mal-compreendida das Escrituras, pode se o suficiente, na mão ardilosa de Satanás, para deixar o filho de Deus preso por um longo período de escravidão.

Satanás amarrou a mulher a si própria e à terra. Existe um modo cruel de amarrar um animal doméstico que é bastante semelhante: já vi a cabeça de um pobre animal amarrada ao seu joelho ou pé, e foi de modo semelhante que Satanás sujeitou a mulher para baixo, a si mesma. Assim também há alguns filhos de Deus cujos pensamentos dizem respeito inteiramente a si mesmos: viraram os olhos de tal maneira que olham para dentro e enxergam apenas as atividades de seu pequeno mundo interior. Sempre lastimam as próprias enfermidades, corrupções, observam as próprias emoções. O assunto exclusivo dos seus pensamentos é a própria condição. Se alguma vez mudarem de cenário e se voltarem a outro assunto, é só para olhar para a terra embaixo, para gemer por causa desse mundo infeliz com suas tristezas, desgraças, pecados e decepções. Assim, ficam atados a si mesmos e à terra, e não podiam levantar os olhos até Cristo, como deviam, nem deixar a luz solar do seu amor brilhar sobre eles. Andam enlutados sem o sol, oprimidos com cuidados e fardos. Nosso Senhor emprega a figura de um boi ou jumento amarrado, e diz que mesmo no sábado seu dono o desamarraria para levá-lo à água.

Essa pobre mulher era impedida de receber o que sua alma necessitava. Era como o boi ou jumento que não consegue chegar até a água para beber. Ela conhecia as promessas, escutava-as sendo lidas aos sábados; freqüentava a sinagoga e ouvia falar de quem vem soltar os cativos; mas não podia regozijar-se na promessa nem entrar na liberdade. Assim também há multidões entre o querido povo de Deus subjugadas consigo mesmas sem conseguir chegar à água, nem beber do rio da vida, nem achar consolo nas Escrituras. Sabem quão precioso é o evangelho, e como consolam as bênçãos da aliança, mas não desfrutam dos consolos nem das bênçãos. Quem dera que pudessem! Suspiram e choram, mas se sentem atados.

Aqui há uma cláusula de ressalva. Satanás fizera muita coisa contra a pobre mulher, mas já realizara tudo o que podia. Vocês podem ter certeza de que, todas as vezes que Satanás fere um filho de Deus, não poupa esforços. Ele nada sabe a respeito da misericórdia, e nenhuma outra consideração o refreia. Quando o Senhor entregou Jó nas mãos de Satanás, por algum tempo, quanta destruição e ruína este fez das propriedades de Jó. Não lhe poupou nem filhote de ave, nem criança, ovelha, bode, camelo ou boi; ao contrário, feriu-o pela direita e pela esquerda, e provocou a ruína de todos os seus bens. Quando, obtida nova licença, veio tocá-lo nos ossos e na carne, nada satisfaria ao Diabo senão cobrir Jó, desde a sola dos pés até o alto da cabeça, com feridas terríveis. O Diabo poderia lhe ter provocado bastante dor pela tortura de uma só parte do corpo de Jó, mas isso não lhe bastaria, pois queria fazer uma grande festança de vingança. O Diabo queria fazer tudo o que lhe era possível, e o cobriu de úlceras pustulentas. No entanto, como no caso de Jó, havia limites, e também no caso dessa mulher; Satanás a sujeitara, mas sem matá-la. Podia encurvá-la em direção à sepultura, mas não podia forçá-la a entrar nela; podia fazê-la encurvar-se até ficar dobrada pela metade, mas não podia lhe tirar a pobre vida fraca; com toda a astúcia infernal, não podia fazê-la morrer antes do tempo. Além disso, ela permanecia mulher, e ele não conseguia transformá-la em animal, embora ela fosse encurvada até ter a forma dos brutos. Da mesma forma, o Diabo não poderá destruir você, filho de Deus.

Ele pode feri-lo, mas não consegue matá-lo. Acossa os que não consegue destruir, e sente prazer malicioso ao assim fazer. Sabe não ter a esperança de destruir você, por estar fora do alcance de sua arma; mas se não consegue feri-lo com o tiro, tenta deixá-lo assustado com a explosão da pólvora. Os que ele não consegue matar, amarrará como para a chacina; sim, e sabe levar a alma infeliz a sentir mil mortes ao temer uma só. Mas nesse tempo todo, Satanás era totalmente incapaz de rebaixar essa mulher de sua verdadeira condição: ela era filha de Abraão--dezoito anos antes--, quando o Diabo a atacou pela primeira vez, e era filha de Abraão dezoito anos depois de o demônio ter feito os piores danos possíveis. E você, irmão amado, se nunca sentir o consolo do amor do Senhor nos dezoito anos, permanece seu amado; e se ele nunca, nenhuma só vez, lhe deu nenhum sinal de amor que pudesse realmente sentir com prazer, e se, em razão do atordoamento e da perplexidade, continuar a escrever coisas amargas contra si mesmo nesse tempo todo, mesmo assim seu nome está nas mãos de Cristo, de onde ninguém o poderá apagar. Você pertence a Cristo, e ninguém o poderá arrancar das mãos dele. O Diabo pode sujeitá-lo firmemente, mas Cristo o prendeu com mais segurança, com as cordas do amor eterno, que deverão segurá-lo até o fim, e assim o farão.

A pobre mulher estava sendo preparada, mesmo por meio da agência do Diabo, para glorificar a Deus. Ninguém na sinagoga conseguia glorificar a Deus mais que ela, quando foi finalmente libertada. Cada ano dos dezoito ressaltava a expressão das suas ações de graças. Quanto mais profunda a tristeza, tanto mais doce o cântico. Eu gostaria de ter estado presente naquela manhã, para ouvi-la contar a história do poder emancipador do Cristo de Deus. O Diabo sentiu, por certo, que desperdiçara todos os seus esforços, e deve ter lastimado não a ter deixado em paz durante os dezoito anos, pois assim ele só a qualificara para proclamar mais docemente a história do poder maravilhoso de Jesus.

 

III. Quero que vocês notem, em terceiro lugar, o Libertador na sua obra. Vimos a mulher subjugada pelo Diabo, mas aqui vem o Libertador, e a primeira coisa que lemos a seu respeito é que ele a viu. Seus olhos olhavam ao redor, interpretando cada coração ao olhar de um para outro. Por fim, viu a mulher. Sim, era ela mesma que procurava. Não devemos pensar que ele a viu da mesma maneira comum que vejo alguns entre vocês; ele lia todas as linhas do caráter e da história dela, cada pensamento do seu coração, cada desejo da sua alma. Ninguém contara a Jesus de sua prisão por dezoito anos, mas ele sabia tudo a respeito--como ela foi atada, o que sofrera no período, como orara pedindo cura, e como a enfermidade a continuava oprimindo. Em um só minuto ele lera sua história e lhe compreendera o caso. Ele a viu; e oh, quanto significado no seu olhar perscrutador. Nosso Senhor tinha olhos maravilhosos; nem todos os pintores do mundo chegarão a pintar um quadro satisfatório de Cristo, porque não conseguem copiar-lhes os olhos expressivos. O céu repousava calmamente nos seus olhos; não somente eram brilhantes e penetrantes, mas também estavam cheios do poder para derreter, de ternura irresistível, da força que conquistava confiança. Enquanto nosso Senhor olhava para a pobre mulher, não duvido de que lágrimas brotavam dos seus olhos, mas não eram lágrimas de tristeza não diluta, pois sabia que conseguiria curá-la, e antegozava a alegria de assim fazer.

Depois de ter olhado de forma fixa para ela, Jesus chamou-a à frente. Ele sabia o nome dela? Oh, sim, ele conhece o nome de cada um de nós, e por isso seu chamado é pessoal e inconfundível: "Eu o chamei pelo nome", diz ele, "você é meu" (Is 43.1b). Veja, ali está a pobre criatura subindo pelo corredor; essa massa lastimável de tristeza, embora esteja encurvada até o chão, está se movimentando. É mesmo uma mulher? Dificilmente se pode ver seu rosto, mas ela vem na direção de quem a chamou. Não podia se manter reta, mas podia vir tal como era, por mais encurvada e enferma que fosse. Regozijo-me no modo de meu Mestre curar as pessoas, pois ele as alcança em sua condição. Não lhes propõe fazer alguma coisa, e deixar com ele o resto; ele é quem principia e termina. Manda-as chegar a ele como estão, e não que melhorem ou se preparem. Que meu bendito Mestre olhe para alguns de vocês até sentirem: "O pregador se refere a mim, o Mestre do pregador me chama a mim", e que então soe uma voz nos seus ouvidos dizendo: "Venha a Jesus exatamente como você está". E que você tenha a graça de responder--

Quando a mulher veio para a frente, o grande Libertador lhe disse: "Mulher, você está livre da sua doença". Como isso poderia ser a verdade? Ela continuava tão encurvada como antes. Jesus queria dizer que o domínio de Satanás fora tirado dela, que foi quebrantado o poder que a levava a encurvar-se assim. Nisso ela acreditava no recôndito da alma, no mesmo momento em que Jesus falou, embora, por enquanto, quanto à aparência, nada estava diferente do estado anterior. Quem dera que alguns de vocês, povo querido de Deus, tivessem a capacidade de crer, nesta manhã, que chegou ao fim seu desalento--poder para crer que já se foram os dezoito anos, e que seu período de dúvida e de melancolia terminou. Oro para que Deus lhes conceda graça para saber que quando o sol desta manhã começou a dourar o leste, a luz foi ordenada para vocês. Eis que venho hoje para publicar a jubilosa mensagem da parte do Senhor. Saiam, prisioneiros, pulem, cativos, pois Jesus vem livrá-los hoje. A mulher foi liberta, mas não podia literalmente desfrutar da liberdade, e passarei a lhes dizer a razão. Nosso Senhor passou a lhe ensinar amplamente a respeito dos caminhos dele: Então lhe impôs as mãos. Ela sofria de falta de forças, e acho que o Senhor, ao lhe impor as mãos, derramou sobre ela sua vida divina. A corrente calorosa de poder e vitalidade do próprio Cristo entrou em contato com a corrente letárgica da existência dolorosa da mulher, e a vivificou de tal modo que ela se endireitou. Foi completada a ação proveniente do amor: o próprio Jesus a realizara. Caros enlutados, se tão-somente pudéssemos, nesta dia, levá-los a deixar de pensar em si mesmos, e a pensar no Senhor Jesus, e a deixar de olhar para baixo, para seus cuidados, e a olhar para ele, que mudança lhes sobreviria! Se as mãos dele pudessem ser colocadas em você, as caras mãos traspassadas que pagaram seu preço, as mãos poderosas que governam o céu e a terra a seu favor, as mãos benditas estendidas a fim de implorar a favor dos pecadores, as mãos amadas que o apertarão contra seu coração para sempre: se você pudesse senti-las ao pensar nele, você logo recuperaria a alegria original, e renovaria a elasticidade de seu espírito, e o encurvamento de sua alma passaria como um sonho noturno, e seria esquecido para sempre. Ó Espírito do Senhor, faça com que seja assim.

 

IV. Não me demorarei ali, mas agora o convido para ver a soltura da amarrada. Ela se endireitou, nos diz o texto, e isso imediatamente. Agora, o que eu quero que você note é o seguinte: ela deve ter endireitado a si mesma--essa ação e obra eram dela mesma. Nenhuma pressão nem força lhe foi aplicada, ela se endireitou; no entanto, foi endireitada. Ela era passiva no sentido de um milagre ter sido operado nela, mas ela era ativa, também e, sendo capacitada, endireitou a si mesma. Que encontro maravilhoso temos aqui entre o ativo e o passivo na salvação humana. O arminiano diz ao pecador: "Ora, pecador, você é responsável, deve fazer isto e aquilo". O calvinista diz: "Realmente, pecador, você é bastante responsável, no entanto também é incapaz de fazer coisa alguma por conta própria. Deus precisa operar em você tanto o querer quanto o realizar" (Fp 2.13). O que faremos com esses dois mestres? Caíram na briga, há séculos, de modo muito horroroso. Não vamos deixá-los lutar agora, mas o que faremos com eles? Deixaremos ambos falar, e acreditaremos no que é verdadeiro no testemunho dos dois. É verdade o que o arminiano diz: deve haver esforço por parte do pecador, senão, ele nunca será salvo? Inquestionavelmente é assim. Tão logo o Senhor concede vida espiritual, há atividade espiritual. Ninguém chega a ser puxado ao céu pelas orelhas, nem carregado para lá em um colchão de penas. Deus lida conosco como seres responsáveis e inteligentes. Esta é a verdade, e qual seria o proveito em negá-la? Ora, o que o calvinista tem a dizer?

Diz que o pecador está subjugado pela enfermidade do pecado, e que não pode levantar-se, e quando assim fizer, é Deus quem realizou tudo; o Senhor precisa receber toda a glória por isso. Isso não é verdade, também? "Oh", diz o arminiano: "Nunca neguei que Deus deve receber toda a glória. Cantarei um hino com você à honra de Deus; e orarei a mesma oração que você, pedindo o poder de Deus". Todos os cristãos são totalmente calvinistas quando se trata de cânticos e orações, mas é pena duvidar, como doutrina, do que professamos de joelhos e nos nossos cânticos. É bem verdade que somente Jesus salva o pecador, e é igualmente verdade que o pecador crê para a salvação. O Espírito Santo jamais creu no lugar de alguém: o homem deve crer por conta própria, e deve se arrepender por conta própria, senão, estará perdido; no entanto, nunca houve um único grão de fé genuína, nem de arrependimento genuíno neste mundo, sem ser produzido pelo Espírito Santo. Não vou explicar essas dificuldades, porque não são dificuldades, a não ser na teoria. São fatos claros da vida diária prática. A pobre mulher sabia, pelo menos, onde colocar a coroa; ela não disse: "Endireitei a mim mesmo", não, mas glorificou a Deus, e atribuiu toda a obra a seu poder gracioso.

O fato mais notável é que ela foi endireitada imediatamente; já que havia algo além da sua enfermidade a ser vencida. Suponhamos que alguma pessoa sofra de doença na coluna, ou dos nervos e dos músculos durante dezoito anos, ainda que a doença originadora da deformidade pudesse ser inteiramente removida, qual seria o efeito? Ora! O resultado da doença permaneceria, porque o corpo teria ficado com posição fixada por causa de ter ficado tão longamente em uma única postura. Vocês devem ter ouvido falar dos faquires e de outros na Índia: um homem mantém a mão levantada durante anos no cumprimento de um voto, mas depois de passados os anos da sua penitência, não consegue fazer a mão descer: ficou fixada e imóvel. No caso em estudo, o vínculo que mantinha encurvado aquele corpo infeliz foi removido e, ao mesmo tempo, a rigidez conseqüente foi removida, e ela, em um momento, ficou em pé em postura ereta; essa foi uma demonstração dupla de poder milagroso. Ó meu pobre amigo em provações, se o Senhor visitar você nesta manhã, ele não somente removerá a primeira e maior causa da sua tristeza, mas também a própria tendência à melancolia desaparecerá; os sulcos profundos que você produziu ficarão lisos, as rodeiras na estrada da tristezas, que você desgastou por ter continuado por longa continuação na tristeza serão preenchidas, e você ficará forte no Senhor e no seu grande poder.

Sendo perfeita a cura, e [ela] passou a louvar a Deus. Eu gostaria de ter estado ali; estou desejoso disso por toda a manhã. Gostaria de ter visto o líder hipócrita da sinagoga ao fazer seu discurso irado: gostaria de tê-lo visto quando o Mestre o silenciou de modo tão eficiente; mas, de forma especial, teria me regozijado ao ver essa pobre mulher em pé, ereta, e ao ouvi-la louvar ao Senhor. O que ela falou? Não está registrado, mas podemos bem imaginar. Seria algo assim: "Durante dezoito anos, passo por entre vocês; vêem-me, e sabem que pessoa pobre, miserável e desgraçada eu era; mas Deus me levantou, em um só momento. Bendito seja o seu nome, fui endireitada". O que ela falou não era metade de sua expressão. Nenhum repórter poderia tê-lo anotado; ela falou com os olhos, as mãos, ela falou com todos os membros do corpo. Suponho que ela tivesse se movimentado para verificar se estava totalmente endireitada, e para se certificar de que tudo não passava de uma ilusão. Ela deve ter sido, inteirinha, uma massa viva de regozijo, e com todos os movimentos louvava a Deus desde as plantas dos pés até o alto da cabeça. Nunca no universo houve uma mulher mais eloqüente. Era como uma recém-nascida, liberta da morte prolongada, jubilosa com toda a novidade de vida. Bem poderia glorificar a Deus.

Ela não se enganou quanto ao modo da realização da cura; atribuía-a ao poder divino, e a este engrandeceu. Irmão, irmã, você não pode glorificar a Cristo nesta manhã porque ele o libertou? Embora tenha ficado sujeito durante tanto tempo, não precisa continuar assim. Cristo pode livrá-lo. Confie nele, creia nele, seja endireitado, e depois, vá dizer aos parentes e amigos: "Vocês sabem quão deprimido eu andava, pois me animavam da melhor maneira que podiam, mas agora preciso dizer-lhes o que o Senhor tem feito em prol da minha alma".

 

V. Em quinto lugar, reflitamos a respeito da nossa razão para esperarmos que o Senhor Jesus faça a mesma coisa hoje que fez há mais de mil e oitocentos anos. Qual era o motivo para libertar essa mulher? Segundo sua declaração, tratava-se, em primeiro lugar, da bondade humana. Diz ele: "Quando vocês estão com o seu boi ou jumento amarrado, e percebem que ele está com sede, vocês soltam o nó, e conduzem a pobre criatura até o rio, ou ao tanque, para dar-lhe de beber. Nenhum de vocês deixaria um boi amarrado passar sede". Esse é um arrazoado sólido, e nos leva a crer que Jesus ajudará os entristecidos. Alma provada, você não soltaria um boi ou um asno que percebesse estar sofrendo? "Sim", responde. E imagina que o Senhor não quer soltar você? Você tem mais misericórdia que o Cristo de Deus? Ora, vamos! Não tenha um conceito tão baixo do meu Mestre. Se você fosse levado pelo coração a ter dó de um jumento, não acha que o coração de Jesus o levará a ter dó de você? Ele não se esqueceu de você; continua se lembrando. Sua terna humanidade o leva a libertar você.

Mais do que isso, houve um relacionamento especial. Jesus diz a esse dirigente da sinagoga que um homem desamarraria boi ou seu jumento. Talvez ele não considerasse seu dever desamarrar o que pertencia a outro homem, mas trata-se aqui do próprio jumento, do próprio boi, e ele o desamarrará. E você acha, amado, que o Senhor Jesus não desamarrará você? Ele o comprou com seu sangue, ele o ama com amor eterno: ele não o desamarrará? Você pertence a ele. Não sabe que ele varre a casa para achar a moeda perdida, que ele percorre colinas e vales para achar a ovelha perdida? E ele não virá desamarrar o pobre boi ou asno amarrado? Ele não livrará a filha cativa? Seguramente que sim. Você é filha de Abraão, filha da fé, e ele não a livrará? Pode confiar que sim.

Além disso, havia um ponto de antagonismo que levou o Salvador a agir prontamente. Ele diz: "Esta mulher, uma filha de Abraão a quem Satanás mantinha presa". Ora, se eu soubesse que o Diabo tivesse amarrado alguma coisa, eu tentaria soltá-la, e você não faria? Podemos ter certeza de que alguma maldade está sendo preparada quando o Diabo opera, e, portanto, seria uma boa ação desfazer sua obra. Mas Jesus Cristo veio ao mundo com o propósito de desfazer a obra do Diabo; e assim, quando viu a mulher como se fosse um boi amarrado, disse: "Vou soltá-la, mesmo que o único propósito fosse desfazer a ação do Diabo". Ora, caro amigo provado, visto que sua tristeza se remonta à influência satânica, Jesus se revelará, no seu caso, mais forte que o Diabo, e ele o libertará.

Pense, ainda, na triste condição dela. Um boi ou jumento amarrado à manjedoura sem água, não demorará para ficar em uma situação bastante triste. Tenha dó da pobre criatura. E você imagina que o Senhor não se compadecerá dos pobres filhos provados, tentados e aflitos? As lágrimas caem em vão? As noites sem sono serão desconsideradas? O coração partido, que gostaria de crer na promessa, mas não consegue, terá para sempre negado o atendimento? O Senhor se esqueceu de ser gracioso? Encerrou, com ira, os sentimentos da sua compaixão? Ah, não, ele se lembrará da sua situação triste e escutará seu gemido, pois recolhe suas lágrimas.

Em último lugar, havia a seguinte razão para comover o coração de Cristo: ela ficara dezoito anos naquela condição. "Portanto", diz ele, "ela será desamarrada de imediato". O líder da sinagoga talvez tenha dito: "Ela já passou dezoito anos amarrada, e ela pode muito bem esperar até amanhã, pois se trata de um único dia". "Não", diz Cristo, "já que passou dezoito anos amarrada, não esperará mais um minuto; ela já sofreu demais; será liberta imediatamente". Não raciocine, portanto, com base na duração da sua melancolia, que esta não chegará ao fim, ao contrário, argumente, com base nessa duração, que a libertação está próxima. A noite foi tão longa, que a aurora deve estar mais perto. Você tem sido açoitado durante tanto tempo que o último golpe deve estar mais perto, pois o Senhor não tem prazer em afligir nem em entristecer os filhos os homens. Por isso, tenha bom ânimo e bastante coragem. Que meu Mestre divino venha e faça o que eu gostaria de fazer, mas não posso: fazer todo filho de Deus aqui pular de alegria.

Sei como é ser amarrado por Satanás. O Diabo não me amarrou durante dezoito anos seguidos, e acho que ele nunca o fará, mas em muitas ocasiões me subjugou a tristes opressões. No entanto, meu Mestre vem e me livra, e me conduz para fora a fim de me dessedentar: e como me refrigero nessas ocasiões! Parecia-me poder beber o Jordão em um único gole, quando chego até às suas promessas e bebo do seu doce amor até ficar saciado. Por isso sei que ele conduzirá outras pobres almas às águas; e quando ele o fizer com qualquer um de vocês, convido-o a beber como boi. Pode ser que você seja amarrado de novo; por isso, beba tanto quanto puder da sua graça, e regozije-se enquanto puder. Comam do que é bom, e deixem a alma se deleitar na abundância. Alegrem-se no Senhor, ó justos, e clamem de alegria, ó retos de coração, pois o Senhor liberta os prisioneiros. Que ele solte muitos deles agora. Amém.