Capítulo 22

COMO CONDUZIR E GUARDAR O
CORAÇÃO AO LONGO DE TODO ESSE
TRABALHO

 

A sexta e última parte deste diretório é para guiá-lo na conduta de seu coração ao longo de todo esse trabalho, ou para mostrar-lhe onde você deve ser extremamente cuidadoso. [...] Você descobrirá, sempre que iniciar essas responsabilidades divinas, que seu maior obstáculo é seu coração, e ele provará ser falso em um desses quatro aspectos, ou em todos eles. Primeiro, ele o manterá à distância para que você praticamente nunca o faça trabalhar; segundo, ou, caso contrário, ele o trairá ao ser preguiçoso para realizar esse trabalho, fingindo que realiza esse trabalho quando não o faz; ou terceiro, ele interromperá seu trabalho com suas freqüentes excursões, ao desviar sua atenção para qualquer outro objeto; ou, quarto, ele estraga o trabalho ao interrompê-lo e sair dali antes de você ter alcançado algum benefício. Portanto, previno-o [...] para que resista fielmente a esses quatro perigosos malefícios, ou, caso contrário, tudo que disse até aqui foi em vão.

Você descobrirá que seu coração é bastante relutante para essa responsabilidade, assim acho eu, como para qualquer outro trabalho no mundo. Ó, quando estiver muito convencido da validade desse trabalho, que desculpas ele apresentará; que evasivas descobrirá; e que atrasos e objeções ele impingirá a você. Ou ele questionará se isso é uma responsabilidade, ou não; ou se ela é uma responsabilidade para os outros, embora não o seja para você. Ele evocará qualquer coisa similar à razão para advogar contra essa responsabilidade; ele dirá que essa é uma tarefa reservada aos ministros que não têm nada mais que estudar, para os enclausurados, ou para as pessoas que têm mais tempo para o lazer que você. Se você for ministro, ele lhe dirá: essa responsabilidade é para o povo; basta a você meditar para a instrução de seu coração e permitir que ele medite sobre o que ouviu. [...] Se tudo isso não adiantar para o convencer, seu coração o ocupará com outro assunto: você tem essa companhia que chegou para visitá-lo; ou aquela tarefa precisa ser feita. Pode ser que ele o faça realizar outra responsabilidade e, desse modo, uma responsabilidade interrompe a outra, pois ele prefere fazer qualquer outra responsabilidade a essa. Talvez, ele lhe diga que as outras responsabilidades são mais importantes e, portanto, esta precisa dar lugar às outras, pois você não tem tempo para as duas. [...]

O que deve ser feito? [...] Você a faria se lhe dissesse para fazêla? O que você faria com um servo tão moroso para realizar seu trabalho? [...] Você, primeiro, não o persuadiria, e, depois, o admoestaria, e o castigaria, e o forçaria a fazê-lo, e não aceitaria sua recusa, nem o deixaria em paz até que você conseguisse que ele iniciasse seu trabalho? [...] E você, fielmente, não deveria lidar desse mesmo modo com seu coração? [...] Instigue seu coração do princípio ao fim, persuada-o a trabalhar, não aceite desculpas, admoeste o por causa de sua relutância; use de violência para com ele; faça-o cumprir suas responsabilidades de boa vontade, ou sem boa vontade. [...] Você não tem comando sobre seus pensamentos? Você não consegue escolher o assunto de sua meditação? [...] Utilize a autoridade que Deus lhe deu; dê ordens a seu coração; se ele se rebelar, use de violência para com ele. Se você estiver muito fraco, chame o Espírito de Cristo em seu auxílio. [...] Deus estará pronto a ajudálo, se você não conseguir ajudar a si mesmo. [...] E, ao fazer isso, verá que seu coração se submeterá; sua resistência será subjugada e sua relutância será transformará em abdicada aquiescência.

Quando você põe seu coração para trabalhar, tenha cuidado para que ele não o iluda ao fazê-lo perder tempo com formalidades; para que não diga: "Eu vou", mas não vá; para que ele não gaste seu tempo à toa, quando deveria estar realmente meditando. Certamente, é bem provável que seu coração o traia nesse ponto, como em qualquer outro, dessa responsabilidade; quando você tem, quem sabe, apenas uma hora para sua meditação, esse tempo será gasto antes que seu coração se empenhe seriamente nessa responsabilidade. Fazer essa responsabilidade dessa maneira, é como se não a tivéssemos realizado, a anula tanto quanto a omissão dela. Matar uma hora com pensamentos preguiçosos e vazios sobre o céu nada mais representa que jogar fora essa hora e enganar a si mesmo. [...] É verdade, o coração de um homem deve ser seguido de perto nessa responsabilidade da meditação como o cavalo no moinho, ou o boi no arado, que não irá mais adiante se você não o chamar ou o castigar. Se você deixar de guiar o coração por um momento, ele não sai do lugar; e, talvez, muitos dos melhores corações tenham esse temperamento. [...] Não permita que nada o impeça, ao importunar seu coração com a constante vigilância e coação, enquanto estiver nesse trabalho; e, ao ver que você tem essa experiência com sua lentidão e relutância, jamais deixe as esporas fora de seu alcance; e sempre que ele relaxar o passo, lembre-se de dar-lhe um aviso.

Da mesma forma que seu coração perde tempo, ele também gosta de fazer digressões. Ele se virará para o lado, como o servo descuidado que conversa com todos que passam por ele. Quando não houver nada em sua mente, exceto o trabalho à mão, ele pensa em seu chamado, em suas aflições, ou em toda árvore, passarinho ou lugar que você vir, ou ainda em qualquer impertinência, em vez de pensar no céu. Seu coração nessa responsabilidade se assemelha ao boi, ou ao cavalo, do fazendeiro: se este não o dirigir, o animal não anda; e se ele não direciona o animal, este não segue o sulco da terra; e tanto faz ele ficar parado ou não seguir a trilha do sulco. A experiência lhe dirá que, em relação a esse ponto, você terá muito trabalho com seu coração para mantê-lo trabalhando por uma hora, sem nenhuma extravagância nem cogitações à toa. A cura aqui é a mesma que a de antes; utilize a vigilância e a violência com sua imaginação e, assim que ela se mostrar, você deve admoestá-la. Diga para seu coração: "Vim até aqui para pensar sobre meus negócios no mundo, para pensar em lugares e pessoas, sobre as notícias, ou a vaidade, sim, qualquer coisa, por melhor que seja ela, que não seja o céu? [...] Você não consegue habitar com Cristo por uma hora de íntima meditação? [...] Quando o copeiro de faraó sonhou que espremeu as uvas maduras na taça do faraó, entregando-a a seguir na mão do rei, foi um sonho feliz e o sentido era que, em breve, teria acesso à presença do soberano. [...] Assim, quando as uvas maduras da meditação divina são espremidas por você na taça dos sentimentos, e esta é posta nas mãos de Cristo com louvores prazerosos, a interpretação--se me considera habilidoso--é esta: você, em breve, será retirado desta prisão onde está e entrará na presença de Cristo na residência real e, ali, servirá a ele uma taça de louvores, mas muito mais cheia e mais doce, por toda a eternidade. Mas se as aves de rapina dos pensamentos errantes devorarem sua meditação direcionada para o céu, [...] elas representarão a morte desse culto, [...] e devorarão a vida e a alegria de meus pensamentos. [...]

Por fim, certifique-se também de observar seu coração nesse culto, para que ele não interrompa o trabalho antes do tempo e fuja dali por causa do cansaço antes do momento devido. Você descobrirá que tem muita propensão a fazer isso, como o boi que gosta de tirar o jugo, ou o cavalo que gosta quando lhe tiram o fardo e, talvez, até lance fora seu fardo e fuja dali. Você pode facilmente perceber isso em outras responsabilidades: se você começa a orar em particular, não é seu coração que o insta a abreviar sua oração e faz com que esteja pronto para ficar de pé assim que se ajoelha? Oras, o mesmo acontece em suas contemplações do céu: assim que consegue elevar seu coração, ele já desce novamente; se fadiga com a tarefa. [...] O que se deve fazer também nesse caso? Oras, a mesma autoridade e determinação que o trouxeram a esse trabalho e o observam durante essa atividade devem também fazêlo perseverar ali até que o trabalho seja concluído. Exorte-o, em nome de Deus, a ficar ali. [...] Diga-lhe: [...] "Se você parar antes do final da jornada, então não se perderiam todos os passos de sua jornada? Veio até aqui para fazer uma viagem até o céu, na esperança de ter um vislumbre da glória que deve herdar, e, certamente, não gostaria de parar quando estiver quase no topo da montanha, virando-se para voltar antes que tenha esse vislumbre de lá? Você veio até aqui na esperança de falar com Deus e vai embora antes de tê-lo visto? Você veio banhar-se nas correntes da consolação e, para esse fim, despiu-se de seus pensamentos terrenos, mas assim que põe seus pés nelas já vai embora? Você veio espiar a terra prometida: ó não saia dali sem um cacho de uvas que, quando voltar para casa, possa mostrar a seus irmãos como confirmação e encorajamento; você não pode dizer a eles, por experiência própria que essa é uma terra da qual mana vinho e azeite, leite e mel. Permita que eles vejam que você, graças à alegria de seu coração, experimentou o vinho; e que, graças à satisfação de seu semblante, foi ungido com o azeite. Permita que eles vejam que você, graças ao suprimento e à disposição suave e gentil, experimentou o leite da terra; e que, graças à doçura de suas palavras e de sua conversa, saboreou o mel. [...]

Esse fogo celestial derreterá seu coração enregelado e o refinará, retirando as impurezas, a parte terrena, e deixando o resto mais puro e espiritual; mas daí você não pode sair imediatamente de lá, antes que tenha tempo de aquecer ou de arder. Portanto, permaneça no trabalho, até que algo seja feito; até que suas graças produzam efeito, seus sentimentos sejam elevados, e sua alma, renovada com os deleites do alto; ou se você não conseguir alcançar esses objetivos de uma vez, importune-o para chegar mais perto na vez seguinte e não o deixe sair de lá até que sinta a bênção. [...]