Capítulo 20

POR QUAIS AÇÕES DA ALMA SE DEVE
PROSSEGUIR NESSE TRABALHO DA
CONTEMPLAÇÃO CELESTIAL

 

A quarta parte deste diretório serve para mostrar a você como prosseguir e por quais ações deve alcançar o ápice desse trabalho. [...] Pois a mera cognição, se não for estimulada a ir para casa, não toca nem afeta o coração; portanto, devemos proceder para o segundo passo, chamado solilóquio, que nada mais é que defender o caso com sua alma. [...] Assim, em sua meditação, você precisa estimular seu coração: entre em sério debate com ele; argumente com ele utilizando a linguagem mais comovente e afetuosa; use-a com os argumentos mais de peso e mais poderosos. Esse solilóquio, ou conversa consigo mesmo, foi o que os homens santos de Deus, de todas as épocas, praticaram; [...] portanto, esse caminho que o persuado a trilhar não é novo, mas aquele que os santos sempre utilizaram em sua meditação.

Esse solilóquio tem várias partes, e é exatamente esse método que deve ser seguido. As partes dele estão de acordo com os vários sentimentos da alma; e de acordo com as várias necessidades dela, de acordo com os vários argumentos a ser utilizados, e de acordo com as várias formas de argumentar. [...] Assim como todo chefe e pai de família é um bom pregador para os seus, também todo bom cristão é um bom pregador para sua alma. O solilóquio é pregar para si mesmo. [...] Primeiro, explique a si mesmo o assunto sobre o qual medita, tanto os termos como o assunto; estude as dificuldades até que a doutrina fique bem clara. Segundo, confirme sua fé ao crer nisso, por meio das mais claras e convincentes razões, con-forme expostas nas Escrituras. Terceiro, depois aplique esse assunto de acordo com a natureza dele e com sua necessidade pessoal, como acontece com o assunto de que tratamos agora: há um descanso para o povo de Deus. [...]

E se esse processo revelar sua negligência e outros pecados contra esse descanso, então prossiga com a repreensão e censura de você mesmo; admoeste seu coração por suas omissões e comissões e faça isso até ele realmente sentir uma dor muito profunda. [...] Você deve fazer com seu coração o que o pai, ou o mestre, faz quando repreende a criança, até que ela comece a chorar e se sensibilize com seu erro; isso se chama o uso da repreensão. [...] Assim que descobrir que tem sido fiel com a responsabilidade, então comece a encorajar a si mesmo e a agradecer a Deus; e você pode considerar os muitos exageros da misericórdia do Espírito que o capacitou a chegar até esse ponto. [...]

Pressione seu coração a cumprir todas as responsabilidades externas que devem ser realizadas em seu caminho para o descanso, quer em adoração quer em convivência civilizada, quer em particular quer em público, quer de forma habitual quer de forma extraordinária. Isso é comumente chamado de uso da exortação. Apresente aqui todas as considerações estimulantes. [...] Elas são comumente chamadas de motivos, mas, acima de tudo, certifique-se de que você as segue até chegar em casa.

Tudo isso, em suma, é o exercício desse solilóquio, ou a pregação do céu para seu próprio coração. [...]

Outro passo para nos elevar em nossa contemplação é esse falar conosco mesmos para falar com Deus. A oração não é algo tão estranho para essa responsabilidade, mas aquele derramamento de pedidos pode ser intercalado ou acrescentado, e isso como uma parte mesma dessa responsabilidade. Quantas vezes Davi intercala esses pedidos em seus salmos, algumas vezes argumentando com sua alma, e outras, com Deus? [...] O apóstolo ordena-nos a falar uns com os outros em salmos e hinos, e, sem dúvida, também podemos falar com Deus por meio deles. Isso mantém a alma com a mente na divina presença; e também tende a estimulá-la e a elevála muitíssimo, de forma que, por Deus ser o objeto mais alto de nossos pensamentos--ao vermos o Senhor, ao falarmos e ao argumentarmos com ele--, nossa alma se eleva ainda mais e nossos sentimentos são ativados mais que qualquer outra parte da meditação poderia ativá-los. [...] Os homens de Deus [...], que registraram suas meditações para nós, intercalaram o solilóquio e a oração, algumas vezes ao falar consigo mesmos, e outras ao dirigir sua fala para Deus; e considero isso, embora possa parecer algo banal, muito apropriado e necessário, e esse é o passo mais alto que podemos dar nesse trabalho.

Mas por que isso não é tão bom para ser adotado com a oração e, desse modo, não nos levar a realizar todo esse trabalho entediante que você nos prescreve? Eles compreendem várias responsabilidades, e, portanto, os dois precisam ser realizados; temos necessidade tanto de um como do outro, e, desse modo, faremos muito mal a nós mesmos se negligenciarmos um dos dois. A mistura, como acontece com a música, é mais eficaz; cada uma dessas responsabilidades ajuda e dá vida à outra. A ordem correta não é começar com o topo; portanto, a meditação e o falar conosco mesmos deve vir antes da oração, ou do falar com Deus. A falta desses passos faz com que a oração da maioria das pessoas tenha apenas o nome de oração, e os homens falam tão superficialmente com Deus, como se o Senhor fosse algum de seus camaradas, e com menos reverência e afeição que falariam com um anjo, se este aparecesse para eles, sim, ou com um juiz ou príncipe, se estivessem ali para defender sua vida; e, por conseguinte, o sucesso deles e as respostas que obtêm são muitas vezes parecidas com suas orações. Falar com o Deus do céu é uma responsabilidade de muito peso, e muitas pessoas nem têm consciência disso.