Capítulo 14

ALGUNS OBSTÁCULOS PARA A
VIDA CELESTIAL

 

A primeira responsabilidade que preciso estabelecer aqui consiste em evitar alguns obstáculos perigosos que podem, de outra forma, mantê-los afastados desse trabalho, como aconteceu com milhares de almas antes de você. Se lhe mostrar brevemente onde estão as pedras e o abismo, espero que tome cuidado com eles. Se puser um aviso em todas as areias movediças, espero que não precise dizer mais nada para que você as evite. [...]

 

I

O primeiro deles refere-se ao viver tranquilamente em um pecado conhecido. [...] Você é aquele que usa de violência com sua consciência? Você é aquele que negligencia responsabilidades conhecidas, quer coletivas, quer particulares, quer secretas? Você é escravo de seu apetite, quer no comer quer no beber, ou algum outro sentido o comanda? Você é aquele que busca com orgulho sua própria estima, um homem que precisa cair nas boas graças dos outros homens, ou, caso contrário, sua mente se consome? Você é alguém obstinadamente impaciente e impetuoso, como se fosse feito de material inflamável ou pólvora, pronto a inflamar a qualquer palavra, a qualquer olhar de esguelha, ou a qualquer suposto desprezo a sua pessoa, ou qualquer negligência quanto a um cumprimento ou a uma cortesia? Você é conhecido por enganar os outros em suas transações, ou por buscar alcançar uma alta posição no mundo? Se esse é o seu caso, ouso dizer que o céu e sua alma não se conhecem; ouso dizer que seu coração raramente está em Deus, e há pouca esperança de que isso melhore, enquanto você continuar com essas transgressões. Essa viga que está em seu olho não suporta que você olhe para o céu; ela será como uma nuvem entre você e Deus. Quando você tentar estudar a eternidade e reunir confortos da vida por vir, seu pecado, imediatamente, olhará você de frente e dirá: "Essas coisas não pertencem a você".. [...] Todo pecado deliberado em que você vive será, em relação aos seus confortos, como água para o fogo; pois quando pensa em estimulá-los, isso o extinguirá; quando seu coração começar a se aproximar de Deus, isso virá imediatamente a sua mente, e o cobrirá de vergonha, e o incapacitará para esse trabalho; quando você elevar seu coração para o céu--Deus meu!--, ele penderá em outra direção; ele está enredado em cobiças da carne e não consegue mais elevar-se em meditação divina, como o pássaro cujas asas foram cortadas--ou o que está enredado na vara enviscada, ou ainda o que foi pego na armadilha--e não consegue voar. [...] O cristão mais forte corre riscos quando dá oportunidades ao pecado. Ó, que necessidade temos de orar diariamente: "E não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal" (Mt 6.13).

 

II

O segundo obstáculo a ser cuidadosamente evitado é a mente terrena. Você pode muito bem aceitar, sem qualquer dificuldade, que esse tipo de mente não convive com a mente consagrada. Deus e Mamom, céu e terra, os dois não podem ter o apreço de seu coração. Isso o torna similar ao pássaro de Anselmo que tinha uma pedra amarrada ao pé, e toda vez que ele alçava vôo, ela, mais uma vez, o puxava para a terra. Se você é um homem que reserva algum prazer ou alegria para você mesmo a ser desfrutado aqui na terra; que já começa a sentir a doçura associada ao ganho; que aspira ter mais terras e posses; e que acalanta alguns projetos prósperos em sua mente e busca formas de levá-los adiante, acredite, você marcha de costas para Cristo e caminha rapidamente para longe dessa vida consagrada. Oras, o mundo não recebe de você o que Deus recebe do crente consagrado? Enquanto ele busca suas bênçãos em Deus e alegra-se na esperança da glória por vir, você busca suas bênçãos na prosperidade e alegra-se em sua esperança de prosperidade aqui. Enquanto ele busca consolar sua alma com a visão de Cristo, dos anjos e dos santos com quem viverá para toda a eternidade, você se consola com sua riqueza, com o cuidado com suas contas e títulos, com a visão de seu dinheiro, de seus bens, de seu gado, de suas casas e de suas muitas posses; e sua mente recreia-se ao pensar em suas esperanças; no favor que receberá dos grandes; no prazer de ter propriedades que lhe garantam uma posição de comando e fartura; na grande provisão para seus filhos depois que você se for; na ascensão de sua casa; ou na homenagem que seus inferiores lhe prestam. Mas, quando a alma graciosa está no alto com Cristo, não são esses pensamentos que o acalentam de manhazinha e de noite? [...] Seu prazer em Deus, com certeza, diminui na proporção inversa em que seus pensamentos e seus deleites se concentram na terra. Sua mente terrena pode ocupar-se com sua profissão e responsabilidades comuns, mas não pode ocupar-se da responsabilidade divina. [...] Ó cristão, [...] tome cuidado com esse abismo da mente terrena. [...] Guarde essas coisas como suas vestes de gala, bastante folgada para que você possa se desfazer delas sempre que necessário; mas deixe que Deus e a glória fiquem próximos de seu coração, sim, como se fossem o sangue e o espírito que o mantêm vivo. [...]

 

III

Um terceiro obstáculo é a companhia de homens sensuais e ímpios. Não quero dissuadi-lo de tentar convertê-los, ou de praticar alguma atitude de amor para com eles, especialmente de não deixar de esforçar-se para o bem da alma deles, desde que você tenha oportunidade e esperança; tampouco gostaria que você concluísse que eles não passam de cães e porcos, a ponto de você poder livrar-se da responsabilidade de reprová-los. [...] Dissuado-o da companhia desnecessária de homens impiedosos e da muita familiaridade com companhias inaproveitáveis, embora não pareçam tão impiedosos. [...] A alma ociosa e distante de Deus, como também a vida licenciosa, profana e carnal, ficam muito longe do céu, e a companhia comum dessas pessoas ociosas, esquecidas, negligentes mantém nosso coração distante do céu da mesma forma que os homens mais dissolutos e profanos também nos levam para longe dele. Ai de mim! Nosso embotamento e relutância é tanto que precisamos de ajuda constante e poderosa. Um torrão de terra, ou uma pedra, depositado no chão é tão propenso a levantar e voar quanto nosso coração é naturalmente inclinado a buscar o céu. Você não precisa segurar nem impedir o torrão de terra, ou a pedra, de voar até o céu; basta não ajudá-los. E, certamente, se nosso espírito não tiver muita assistência, é fácil impedi-lo de voar nas alturas, embora jamais se depare com o menor impedimento ou obstáculo. Ó, pense sobre isso quando for escolher suas companhias. Quando seu espírito for preparado, de forma poderosa, para o céu a ponto de você não precisar de ajuda para elevá-lo, então você realmente já não precisa tomar tanto cuidado com suas companhias; mas até chegar a esse ponto, em que você passe a amar os deleites da vida consagrada, tenha cuidado com isso. [...] Em uma palavra, nossa companhia será parte de nossa felicidade no céu, e é uma parte singular de nosso amparo para alcançá-lo, ou um obstáculo para isso. [...] Aquele que nunca acha difícil ter uma mente consagrada enquanto está na companhia das pessoas aqui da terra é por que ele, certamente, jamais tentou fazer isso.

 

IV

Um quarto obstáculo para a cidadania celestial são as muitas discussões sobre verdades menores, especialmente quando a religião de um homem repousa apenas em sua opinião: um sinal certo de uma alma não santificada. [...] Aquele cuja religião está apenas em suas opiniões fala com bastante freqüência e muito zelo a respeito delas; e aquele cuja religião repousa no conhecimento de Deus em Cristo e no amor ao Senhor em nosso Salvador fala muito mais e com grande prazer sobre o momento em que desfrutará de Deus e de Cristo. [...] Não que eu gostaria de persuadi-lo a subestimar a verdade de Deus, nem que não reconheça que os argumentadores ardorosos tenham descoberto a verdade antes de seus irmãos; mas, quando admitimos que eles chegaram à verdade, estou certo de que, ainda que toda verdade ocupe sua proporção devida em nossos pensamentos e em nossas falas, um centésimo de nosso tempo e de nossas conversas não seriam gastos com os temas que agora são bastante comuns. [...] Portanto, deixe-me aconselhar você, que aspira a essa vida de alegria, a não gastar grande parte de seus pensamentos, seu tempo, seu zelo ou suas falas em discussões que não dizem tanto respeito a sua alma. [...] Desejaria que todos vocês fossem homens sensatos e capazes de defender a verdade de Deus; e, para essa finalidade, você deveria ler e estudar mais as controvérsias, mas nada disso deve eliminar seus pensamentos sobre a eternidade. Os pontos menos controversos são geralmente os mais essenciais e os mais necessários para nossa alma. [...]

 

V

Se você valoriza os confortos da vida consagrada, tenha cautela com o espírito orgulhoso e altivo. Há tanto antagonismo entre esse pecado e Deus que você jamais conseguirá aproximar seu coração do Senhor, nem que ele se aproxime de seu coração, enquanto essa atitude for prevalente. Se isso fez com que alguns anjos fossem expulsos do céu, também faz com que seu coração fique afastado dali. [...] Há grande antagonismo entre o coração orgulhoso e o consagrado. O relacionamento com Deus mantém os homens humildes, e essa humildade facilita ainda mais esse relacionamento. Quando um homem se considera muito diante de Deus e se ocupa com o estudo de seus gloriosos atributos, ele acaba por abominar a si mesmo imerso em pó e cinzas; e essa abominação de si mesmo é o melhor preparativo para obter permissão para entrar novamente na presença de Deus. Portanto, depois de um dia em que a alma se humilha, ou em momentos difíceis, quando a alma fica mais humilde, ela costuma ter livre acesso a Deus e pode saborear muito da vida do alto. [...] O deleite de Deus é uma alma humilde, [...] e o deleite de uma alma humilde está em Deus; e, com certeza, com esse deleite mútuo, o acesso fica mais livre, a recepção, mais calorosa, e a convivência, mais freqüente. [...] O Senhor faz sua habitação em uma alma humilde e, certamente, se nossa moradia for com ele, e nele, a moradia do Senhor também será conosco, e em nós, e haverá uma familiaridade bastante íntima e doce. Mas a alma orgulhosa não pode pleitear esse privilégio. Deus está tão distante de habitar nessa alma que não permitirá nem que se aproxime, mas a observa à distância. O Senhor resiste ao orgulhoso, e o orgulhoso resiste a ele, mas ao humilde ele dá essa graça e muitas outras. [...] A mente consagrada é a mente que Deus tem em alta estima, e a aspiração dela, embora santa, é ficar mais alta ainda. [...] Um espírito simples e humilde não é tão contrário ao Espírito alto e divino quanto o espírito orgulhoso. O grão de mostarda pode tornar-se uma árvore; uma pequena bolota pode tornar-se um grande carvalho; a pá do moinho que agora está mais embaixo pode vir a ficar na posição mais alta, e aquele que está alto pode ficar mais alto ainda, desde que seja submisso ao príncipe, nossa fonte de honra; mas se ele se separar dessa submissão para se tornar um competidor, ou usurpar essa honra, transferindo-a indevidamente para si mesmo, ele descobrirá que esse caminho o leva à queda. [...] Você, aos seus próprios olhos, é um homem de valor e muito cuidadoso com a estima que os outros lhe dedicam? Você é o tipo de pessoa que valoriza o aplauso das pessoas, e seu coração pula de alegria quando ouve que os homens muito o estimam? E fica abatido quando ouve que os homens o desprezam? Você é o tipo de pessoa que ama mais aqueles que mais o honram? E seu coração fica ressentido com aqueles que você acha que o menosprezam e têm pensamentos desprezíveis em relação a você, embora sejam homens piedosos e honestos? Você é o tipo de pessoa que precisa que seus caprichos sejam satisfeitos, e que seu julgamento precisa ser a regra por meio da qual os outros devam ser julgados, e que sua palavra precisa ser lei para todos a sua volta? Você é o tipo de pessoa que está sempre pronta a discutir com todo homem que disser uma palavra que o desonre? Você é o tipo de pessoa que se inflama, se sua palavra, ou sua pessoa, for contrariada? Você é o tipo de pessoa pronta a julgar a humildade como sórdida infâmia, alguém que não sabe se humilhar nem se submeter a ninguém; e você não se envergonha, por meio da humilde confissão, quando peca contra Deus ou ofende seu irmão? Você é o tipo de pessoa que honra os piedosos ricos e acha que é alguém quando eles o valorizam e o reconhecem, mas olha com maus olhos os piedosos pobres e sente quase vergonha de ser visto na companhia deles? Você é o tipo de pessoa que não pode servir a Deus em um lugar desprezível nem em um nobre, mas acha que se ajusta melhor às posições e às honras e ama o serviço a Deus quando ele é acompanhado de prestígio? [...] Você se deleita com as oportunidades de anunciar as suas atividades; e ama quando seu nome se torna conhecido do mundo todo; e ficaria satisfeito de deixar aqui algum monumento em sua homenagem para que a posteridade o admire quando morrer? [...]Você é o tipo de pessoa que não está familiarizada com a falsidade e a perversidade de seu coração? [...] Você é o tipo de pessoa que sempre está mais pronta a se defender e a manter sua inocência que acusar a si mesmo ou confessar sua falha? Você mal pode ouvir uma reprovação de alguém próximo e digere com muita dificuldade e desgosto os que o tratam de forma sincera? Você é o tipo de pessoa que sempre está mais pronta a ensinar que a aprender, e a ditar aos outros o que fazer que escutar as instruções deles atentamente? Você é o tipo de pessoa corajosa e confiante em sua própria opinião e que não suspeita muito de seu pouco entendimento, mas menospreza o julgamento de todos que são contra você? Seu espírito está sempre mais disposto a comandar e a governar que a obedecer aos outros e ser governado por eles? Você é o tipo de pessoa sempre pronta a doutrinar seus mestres, as ações dos governantes e seus irmãos em Cristo? [...] Se esses sintomas estiverem inegavelmente em seu coração, você, sem sombra de dúvida, é uma pessoa orgulhosa. [...] Um homem orgulhoso torna-se seu próprio deus, e admira a si mesmo e passa a ser seu próprio ídolo; então, como ele pode depositar seus sentimentos em Deus? [...] E seria possível que esse homem tivesse seu coração no céu?

Imploro que você seja muito zeloso com sua alma em relação a esse ponto. Não há nada no mundo que mais o afaste de Deus que isso. Falo mais dele, pois é o pecado mais comum e mais perigoso em relação à moralidade, como também o que mais promove o grande pecado da infidelidade. [...] Ó cristão, se você vivesse continuamente na presença de seu Deus [...] e aprendesse com ele a ser humilde e manso, então poderia saborear esse descanso de sua alma. Caso contrário, sua alma, sempre laçando fora o lodo e a sujeira, ficaria tão perturbada quanto o mar revolto que não pode descansar; e, em vez desses doces deleites em Deus, seu orgulho o encherá com perpétua inquietação. É a alma humilde que não se esquece de Deus, e Deus não se esquecerá do humilde. [...] Deus, portanto, habita com ele que é humilde e contrito e vivifica o espírito dele com sua presença. [...]

 

VI

Outro obstáculo a essa vida consagrada é a preguiça e a indolência obstinadas do espírito, e [...] não há impedimento maior que esse. Se fosse apenas para exercitar o corpo, movendo os lábios, dobrando os joelhos, então essa seria realmente uma responsabilidade muito fácil, e os homens iriam com freqüência ao céu, como caminham alguns quilômetros para visitar um amigo; sim, se fosse para passar a maior parte de nossos dias contando as contas do terço e repetindo algumas palavras e orações, em humildade voluntária, negligenciando o corpo, seguindo os mandamentos e as doutrinas dos homens, sim, ou seguindo os rituais exteriores das responsabilidades ordenadas por Deus, ainda assim seria comparativamente simples. [...] Mas a responsabilidade é mais difícil que tudo isso. Separar pensamentos e sentimentos do mundo; forçá-los a trabalhar em uma natureza tão alta; suscitar todas nossas graças em sua ordem e exercitar cada uma delas com seu objeto próprio; retê-las ali até que percebam seu sucesso e até que o trabalho viceje e prospere. Esta, esta é a responsabilidade difícil. Leitor, o céu está acima de você, o caminho é para cima. Você acha que [...] pode percorrer diariamente essa subida íngreme sem uma grande quantidade de trabalho e determinação? Você consegue levar aquele coração terreno ao céu e sua mente obtusa a Deus, enquanto fica imóvel e em posição bem cômoda? Se deitar-se ao pé do monte e olhar para o topo, desejando que lá estivéssemos, servisse para a conversão, então teríamos viajantes diários para o céu. [...] Seu coração se encaminharia para o alto se você não o dirigisse para lá? Ele não é como o cavalo exausto que não seguiria em frente se não sentisse a espora? [...] Quantas centenas de professores de religião que, facilmente, aplicam seu coração às suas responsabilidades usuais, como ler, ouvir, orar, trocar idéias, mas que ainda, em toda sua vida, conseguiu trazer seu coração à contemplação do céu, mas o manteve ali por meia hora, contando todas as ocorrências desse fato juntas! [...]

Como você está convencido que esse trabalho é necessário para uma vida confortável, então o inicie com determinação; se seu coração retroceder, force-o a seguir com o comando da razão; e se sua razão começar a discutir esse trabalho, force-a a prosseguir produzindo a ordem de Deus; e estimule seu trabalho com o caso de sua necessidade e os outros motivos apresentados anteriormente; e permita que os constrangimentos que o trouxeram para esse trabalho ainda estejam em sua mente para estimulá-lo a prosseguir com ele. Não permita que tão incomparável tesouro permaneça ali diante de você, enquanto fica parado com as mãos em seu peito. [...] Não se sente quieto com o espírito desconsolado, enquanto os confortos crescem diante de seus olhos, como um homem em meio a um jardim de flores, ou em uma agradável campina, que não se levanta para colhê-las para compartilhar da doçura delas. [...] Sei que Cristo é a Fonte e sei que esse dom, como todos os outros, é proveniente de Deus; mas, ainda assim, se você pedir meu conselho: "Como obter essas águas da consolação?", preciso contar-lhe como fazer isso! Há algo mais para você fazer: o evangelho tem suas condições e suas obras, embora nada tão impossível quanto as obras da Lei. Cristo tem seu jugo e seu fardo, embora suave e leve, e você deve vir a ele por estar cansado e sobrecarregado, assim admita isso, ou jamais encontrará repouso para sua alma. O poço é profundo, e você precisa retirar essa água para que possa se revigorar e se deleitar com ela. [...] O que mais posso dizer para você, a não ser isso, a fim de direcioná-lo para essa arte da vida consagrada? Você precisa lidar de forma clara e sincera com seu coração e dirigi-lo para o alto, e feri-lo com esporas, e segui-lo de perto até que o trabalho seja feito, por um homem que não passa de um servo indolente e infiel. [...] Ou, se assim desejar, seu cavalo, ou boi, trabalhará até onde você o levar, mas não seguirá adiante; e se seu coração se deitar quando estiver no meio do trabalho, force-o novamente a levantar-se até que o trabalho esteja concluído, e não permita que ele prevaleça com suas diretrizes preguiçosas. [...] Pressiono-o a não ocupar sua mente mais do que deve, mas a ocupá-la com objetos melhores e mais agradáveis. Como Sócrates disse a um camarada preguiçoso que gostaria de ir ao Olimpo, mas achava que ele ficava longe demais: "Ande todos os dias a distância que caminharia em sua casa por dia, ao ir de cá para lá, e, em alguns dias, estará no Olimpo". Portanto, digo a você que dedique, todos os dias, tantos pensamentos sérios à excelente glória da vida por vir quanto dedica aos assuntos indispensáveis aqui do mundo; mais ainda, como você se perde diariamente em vaidades e impertinências, então não demorará muito tempo para que seu coração chegue até o céu. [...]

 

VII

É também um obstáculo perigoso e secreto contentar-nos com os meros preparativos dessa vida consagrada e divina, enquanto somos totais estranhos à vida em si. Quando começamos com o mero estudo das coisas divinas, e as noções e os pensamentos delas em nossa mente, ou a falar sobre elas com outras pessoas, como se isso fosse tudo que nos tornasse pessoas consagradas, não há ninguém em mais perigo que aqueles que se dedicam às responsabilidades coletivas, especialmente pregadores do evangelho. Como eles são facilmente enganados aqui, enquanto não fazem nada mais além de ler sobre o céu, e estudar sobre o céu, e pregar sobre o céu, e orar e falar sobre o céu. [...] Tudo isso não passa de mera preparação; essa não é a vida sobre a qual falamos, embora seja realmente uma ajuda necessária para chegar ali. Imploro a todos meus irmãos no ministério que se guardem dessa tentação e examinem para ver se não são vítimas dela; isso é a fase em que recolhem os materiais, mas não é o mesmo que erigir o prédio; isso é recolher o maná para os outros, mas não é o mesmo que comer e digerir isso nós mesmos. Como aquele que, sem sair de casa, pode estudar geografia e apresentar descrições extremamente exatas dos países, embora jamais os veja, nem viaje até eles, também você pode descrever as alegrias do céu para outras pessoas, embora jamais tenha chegado perto dele em seu coração. Da mesma forma que um homem pode descrever a doçura de uma carne que jamais experimentou, e um cego, por meio do aprendizado, pode discutir sobre as cores e a luz, também você pode estudar e pregar os assuntos mais divinos, embora jamais tenha adoçado seu próprio espírito com eles, e apresentar aquela luz divina que nunca chegou a iluminar sua alma; e trazer aquele fogo para o coração de seu povo, embora ele jamais tenha aquecido seu próprio coração. Se você, durante toda sua vida, só estudasse o céu e não pregasse sobre nada mais, ainda assim seu coração poderia ser um estranho ali. [...] Mais ainda, estamos, mais que qualquer outro homem, sob uma tentação sutil que pode nos afastar dessa vida consagrada e divina. Se nossas ocupações ficam a muita distância do céu, e você ocupa seus pensamentos com coisas comuns, não deveríamos estar tão propensos a ficar tão contentes e enganados; mas quando descobrimos que não nos ocupamos de nada mais, fica muito mais fácil nos deixar ocupar aqui. Estudar e pregar sobre o céu se assemelha mais com a vida consagrada e divina que pensar e falar sobre o mundo, e essa semelhança é o que pode nos enganar. Isso é [...] deixar que morramos de fome, embora tenhamos pão em nossa mesa; e isso é pior que morrer de fome quando não temos pão; e morrer de sede enquanto retiramos água para os outros, achando que basta nos ocupar disso diariamente, embora jamais a bebamos para revigorar nossa alma. [...]