Capítulo 8

A DESCRIÇÃO DO POVO DE DEUS

 

Tendo, pois, realizado minha primeira tarefa de descrever o descanso dos santos, sigo agora para a segunda em que lhe mostrarei quem são as pessoas destinadas a esse abençoado descanso, ou seja, o "povo de Deus", e por que são assim chamados. [...] Ao ler sobre essa alta e indescritível glória, um estranho pode querer saber para que criatura ímpar essa poderosa preparação se destina, e talvez espere que algum ilustre sol irrompa; mas, veja bem, apenas uma casca cheia de pó, animada por uma alma invisível, e esta purificada pelo poder restaurador e inobservável da graça; essa criatura é que deve ter tal glória!

Mas vejamos, com mais particularidades, quem é esse "povo de Deus".

Eles são uma pequena parte da humanidade perdida, a que Deus desde a eternidade predestinou para esse descanso, para a glória de sua misericórdia; e o Senhor deu a seu Filho para que por meio dele, eles fossem redimidos de uma forma especial e recuperados de seu estado de perdição, marchando para essa glória superior: tudo que Cristo faz, em seu devido tempo, foi, portanto, conquistado para eles pelo Salvador e por seu Espírito que está sobre eles. [...] O "pequeno rebanho [...] [a quem] foi do agrado do Pai dar-lhes o Reino" (Lc 12.32). Se os que são santificados são poucos, os salvos também devem ser poucos: em número menor do que o mundo imagina; no entanto, não tão poucos quanto alguns espíritos abatidos julgam, [...] que suspeitam que Deus não está disposto a ser o Deus deles, quando eles, não obstante, estão dispostos a ser seu povo. O plano do decreto eterno de Deus é glorificar sua misericórdia e graça ao máximo na salvação deles; e, portanto, é necessária uma grande salvação. Todo passo de misericórdia nessa direção foi grandioso; e quanto mais ainda será esse fim de todas as misericórdias, que está ao lado do fim último de Deus, sua glória. Deus não pode permitir que nenhum trabalho inferior ou mesquinho seja a grande ocupação de um propósito eterno. Deus deu todas as coisas a seu Filho; [...] e ele não perderá nada de tudo que o Pai lhe deu.

Mas isso é apenas uma parte da descrição deles, a que diz respeito à obra de Deus por eles e neles; vejamos, de novo, o que eles também são em relação ao trabalho da alma deles para seguir em direção a Deus e ao Redentor deles.

Esse "povo de Deus" é aquela parte que foi chamada, e que foi radicalmente regenerada, embora de forma imperfeita, pelo Espírito de Cristo e, depois disso, foi convencida de algumas coisas e tornando-se sensível a elas: o mal no pecado, a torpeza em si mesmos, a vaidade na criatura, a necessidade de Jesus Cristo, e a suficiência e maravilha do Redentor para que abominem aquele mal, lamentem aquela torpeza e convertam seu coração daquela vaidade; e para que aceitem, de forma muito amorosa, Cristo como seu Salvador e Senhor, para que Deus lhes traga ao bem superior, e os apresente perfeitamente justos diante dele, e para que eles, portanto, entrem em uma aliança cordial com o Senhor, e, assim, entreguem a si mesmos a ele, e, desse modo, perseverem até o fim de suas vidas. [...]

Quando deveríamos estudar a Deus, estudamos a nós mesmos; quando deveríamos nos importar com Deus, importamonos conosco; quando deveríamos amar a Deus, amamos a nosso ser carnal; quando deveríamos confiar em Deus, confiamos em nós mesmos; quando deveríamos honrar a Deus, honramos a nós mesmos; e quando deveríamos atribuir a Deus e admirá-lo, atribuímos a nós e admiramos a nós mesmos; e, em vez de Deus, temos os olhos e a dependência de todos os homens postos em nós, e todos os agradecimentos dos homens dirigidos a nós, e, com muita alegria, seríamos o único homem da terra exaltado e admirado por todos. E, naturalmente, somos, portanto, nossos próprios ídolos. Mas, assim que Deus renova a alma, esse Dagon cai; e o grande interesse dessa obra é trazer o coração de volta para Deus. [...] Convence-se a alma, e ela se torna sensível dessa absoluta necessidade, da plena suficiência e maravilha de Jesus Cristo, [...] tanto quando se considera ele por si só como quando se considera ele em relação a nós; tanto quando se considera ele o único caminho para o Pai como quando se considera ele o fim, pois ele é um com o Pai. [...] Assim, o Espírito convence a alma. [...]

Assim, enumeram-se claramente para você os aspectos essenciais desse povo de Deus: não um retrato completo deles em suas maravilhas. [...]

Não serei imaturo, nem inaproveitável, a ponto de fazer um relato do estado de vocês e de ver vocês exatamente nesse espelho. [...] Desejo que você examine sua alma e veja se encontra essas obras lapidadas em você. [...]

Você já percebeu a total ineficiência de toda e qualquer criatura, ou para que seja ela mesma o motivo de sua felicidade, ou o meio de curá-lo de sua torpeza e fazê-lo novamente feliz em Deus? Você já se convenceu de que a felicidade está apenas em Deus, nos-so fim; e apenas em Cristo, o caminho para ele, e o fim também, uma vez que ele é um com o Pai; e já percebeu que você precisa ser trazido para Deus por intermédio de Cristo, ou perecerá eternamente? Você, depois disso, conseguiu ver a absoluta necessidade de deleitar-se em Cristo; e a total suficiência que há nele, para fazer por você o que quer que seja que seu caso exija, por causa da plenitude da satisfação do Senhor, da grandeza de seu poder, e da dignidade de sua pessoa, e da gratuidade e da ilimitabilidade de suas promessas? Você descobriu a maravilha dessa pérola, a ponto de saber que vale a pena vender tudo para comprá-la? Tudo isso se juntou a alguma sensibilidade, [...] e não foi apenas uma mudança de opinião, produzida pela leitura ou pelos estudos, como uma noção vazia? Isso o levou a abominar o pecado e a subjugar a inclinação prevalente de sua vontade? [...] Você renunciou a toda sua justiça? Você tirou seus ídolos de seu coração, para que a criatura não mais seja soberana, e, agora, é um servo de Deus e de Cristo? Você aceitou a Cristo como seu único Salvador e espera que sua justificação, recuperação e glória venham apenas dele? Você também o aceita como Senhor e Rei? E as leis dele são os comandantes mais poderosos em sua vida e alma; [...] de forma que sua consciência esteja diretamente submetida apenas a Cristo? [...] Ele ocupa o quarto do andar superior em seu coração e em seus sentimentos, de forma que, embora você não consiga amá-lo como gostaria, nada é, não obstante, tão amado por você? Você, para esse fim, fez uma aliança sincera com ele e, portanto, entregou-se a ele e considera-se propriedade dele, e não mais sua mesma? E seu esforço mais cauteloso e seu cuidado supremo são para que você seja considerado fiel a essa aliança? [...] Se esse realmente é seu caso, você não é uma dessas pessoas do povo de Deus de quem meu texto fala; e tão certo como a promessa de Deus é verdadeira, esse abençoado descanso está reservado para você. Apenas cuide para que você permaneça em Cristo e persevere até o fim. [...]

Mas se tudo isso for contrário a você, ou caso não se encontre esse cuidado em você, e se sua alma desconhece isso tudo, e sua consciência lhe diz que esse não é bem o caso, que o Senhor tenha misericórdia de sua alma, e abra seus olhos, e opere essa grande transformação em você e, por meio de seu poderoso poder, subjugue sua resistência, caso contrário, não há esperança para você. [...] Ó, que você seja sábio e pondere sobre isso, e que também se lembre de seu derradeiro fim! E enquanto sua alma estiver no corpo; e o prêmio, em sua mão; e a luz do dia, as oportunidades e as esperanças, diante de ti; seus ouvidos podem ser abertos à instrução, e seu coração pode render-se às persuasões de Deus; e você aplicar todos os poderes de sua alma nessa grande obra; para que, assim, você descanse em meio ao povo de Deus e desfrute da herança dos santos na luz! E, assim, mostrei-lhe quem é esse povo de Deus.