Capítulo 1

O TEXTO EXPLICADO

 

Na queda de Adão, perdemos não só nosso interesse em Deus e no desfrutar real dele, mas também todo nosso conhecimento espiritual a respeito dele e a verdadeira disposição a tal felicidade. O homem tem agora um coração muito adequado a sua condição atual: estado degradado e espírito vil. E quando o Filho de Deus vem com a graça regeneradora, e descobertas, e propostas de alegria e de glória eternas e espirituais, ele não encontra fé no homem capaz de acreditar nisso. Mas, assim como o homem pobre é incapaz de acreditar que alguém seria capaz de ter a soma de dez mil reais, também os homens dificilmente acreditariam agora que haja tal felicidade como a que outrora tivera, e muito menos que Cristo agora nos busca [...].

O apóstolo dedica a maior parte de sua carta para combater esse destempero. Meu texto é sua conclusão, seguindo argumentos profundos; uma conclusão muito útil para todo cristão, aquele que tem o fundamento para todo seu conforto, o fim de todas suas responsabilidades e sofrimentos, a vida e a essência das promessas do evangelho e dos privilégios cristãos, para que você perceba facilmente por que fiz com que esse fosse o assunto deste meu presente discurso. O que poderia ser mais bem-vindo para os homens, sob o fardo das aflições pessoais, tarefas cansativas e sucessões de sofrimentos, que o descanso? Que notícia poderia ser mais bem-vinda para os homens, sob a influência de calamidades públicas e empregos desagradáveis, bem como sob o peso de pilhagens, de perdas e de acontecimentos tristes--o que é comum a todos nós--que o descanso? Ouvintes, oro a Deus para que dediquem sua atenção, sua intenção de espírito e seu acolhimento, para que vocês dedi-quem, pelo menos, metade de sua resposta à verdade, à necessidade e à maravilha deste assunto para, desse modo, ter razão de louvarem a Deus enquanto viverem, se escutarem essa mensagem e, como eu, sempre a estudarem.

O texto refere-se à afirmação do apóstolo em toda uma proposição [...]: "Portanto", i.e., claramente se refere à afirmação a seguir: "resta ainda"--como o acordo resta ainda depois da determinação; a execução depois da promessa; o antítipo depois do tipo, e o fim derradeiro depois de todos os meios--um descanso "para o povo de Deus". Deus tem um povo duplo na igreja: um que é apenas dele, pela vocação comum; e o da aliança, santificado pelo sangue da aliança, a fim de ficar separado dos inimigos declarados de Cristo; e todos sem a igreja que, nesse sentido, não deve ser considerada comum e impura, como o são os judeus e os pagãos; mas, em grande medida, sagrados e santos, como a nação dos judeus e de todos os prosélitos gentios é santa, antes da vinda de Cristo. Estes são chamados de ramos infrutíferos e, portanto, deverão ser cortados. [...] Mas Deus tem um povo particular que é seu por vocação especial, pela aceitação cordial de Cristo, que tem aliança interna e sincera, e é santificado pelo sangue da aliança e pelo Espírito da graça, para que não apenas sejam separados dos infiéis declarados, mas também dos cristãos não regenerados, tornando-se ramos em Cristo e dando frutos; e para estes resta ainda o descanso em meu texto.

Ser o povo de Deus sob seu domínio é fato para todas as pessoas, até mesmo para seus inimigos declarados; ser do Senhor por meio da aliança verbal, da profissão de fé e do chamado externo é fato para todos que estão na igreja visível e pertencem a ela, até mesmo traidores e inimigos secretos; mas ser do Senhor por eleição, por união a Cristo, pelo interesse especial, é propriedade particular daqueles que terão esse descanso. [...]

Esse descanso é para o povo de Deus graças à certeza, ou apenas graças à possibilidade? [...] A promessa é para os crentes, e eles podem saber (embora de forma imperfeita) que são esse povo; apesar de haver a condição de superar, de permanecer em Cristo e de resistir até o fim, ainda que essa condição tenha sido totalmente prometida, ela ainda continua absolutamente certa por causa da promessa. [...] Embora o propósito eterno de Deus não nos dê nenhum direito ao benefício, [...] ainda assim o evento, ou o desfrutar dele, é certo graças ao decreto imutável de Deus, ao seu desejo eterno de que assim fosse, ao fato de ele ser a causa primeira e infalível que, no devido tempo, isso se realizará, ou resultará.