SEÇÃO 5

Inquirição sobre a obrigação dos cristãos em geral, e os meios a serem usados, para encaminhar esse trabalho.

Se as profecias sobre o crescimento do reino de Cristo são verdadeiras, e se esses argumentos de que a comissão que ele deu aos seus discípulos vale para nós estão corretos, precisamos inferir que todos os cristãos devem cooperar de coração com Deus para concretizar seus planos gloriosos, pois "aquele que se une ao Senhor é um em espírito com ele" (1Co 6.17).

Uma das primeiras, e a mais importante, dessas obrigações de que estamos incumbidos é a oração fervorosa e unida. Por mais que a influência do Espírito Santo seja desprezada e desfeita por muitos, no fim das contas fica claro que quaisquer meios que queiramos empregar serão ineficazes sem ela. Se um templo é erguido a Deus no mundo pagão, não será "por força, nem por poder", nem pela autoridade do governante ou pela eloqüência do orador, "mas pelo meu Espírito, diz o Senhor dos Exércitos" (Zc 4.6). Por isso precisamos nos dedicar com real seriedade à súplica pela sua bênção sobre nosso trabalho.

Está registrado nos profetas que, quando houver "grande pranto na terra, como o pranto de Hadade-Rimom, no vale de Megido, cada família à parte, e suas famílias à parte", isso será em conseqüência de um "espírito de graça e de súplicas". E, quando essas coisas acontecerem, está prometido que "haverá uma fonte aberta para a casa de Davi e para os habitantes de Jerusalém, para remover o pecado e a impureza", e que "os nomes dos ídolos" serão destruídos, e que "se sentirão envergonhados os [falsos] profetas, cada um da sua visão". (Zc 12.10-13.4.) Essa profecia parece ensinar que, quando houver uma unidade universal em oração fervorosa, e todos desejarem o bem-estar de Sião como o seu próprio, então serão derramadas influências abundantes do Espírito sobre as igrejas que, como uma "fonte" purificadora, limparão os servos do Senhor. Essa influência purificadora também não parará aqui; todos os preconceitos idólatras antigos serão desarraigados, e a verdade prevalecerá tão gloriosamente que os falsos mestres ficarão envergonhados a ponto de desejarem serem contados com vaqueiros obscuros ou com camponeses os mais comuns, do que serem descobertos em sua prática vergonhosa.

As obras de graça mais gloriosas que já ocorreram foram resposta de oração; e é dessa maneira, temos a maior razão para acreditar, que o derramamento glorioso do Espírito, que esperamos no fim, será concedido.

Com respeito aos nossos próprios relacionamentos imediatos, nos últimos poucos anos fomos favorecidos com algumas provas boas e seguras em resposta à oração, que nos incentivam a persistir e incrementar nessa tarefa importante. Tenho certeza que nossas reuniões de oração mensais pelo avanço do evangelho não foram em vão. É verdade que falta insistência às nossas orações; porém, por menos importunas e por mais fracas que tenham sido, podemos crer que Deus as ouviu e, em certa medida, as atendeu. As igrejas que seguiram essa prática em termos gerais cresceram evidentemente desde então; algumas controvérsias que durante muito tempo deixaram perplexa e dividiram a igreja estão mais esclarecidas que antes; há convites para pregar o evangelho em muitos lugares em que ele não era comumente divulgado. Sim, uma porta gloriosa está aberta, e é provável que ela se abra cada vez mais, pela expansão das liberdades civis e religiosas, acompanhando também uma diminuição do espírito do papismo. Foi feito um esforço nobre para abolir o tráfico desumano de escravos e, apesar de até o momento ele não ter sido tão bem sucedido como gostaríamos, é de esperar que haverá perseverança nisso até se chegar ao alvo. Enquanto isso, é uma satisfação lembrar que a recente abolição do tráfico de escravos forneceu a ocasião para um esforço digno de louvor de implementar uma colônia livre em Serra Leoa, na costa da África. Esse esforço, se for seguido da bênção divina, não só promete abrir o caminho para o comércio honroso com essa terra extensa, e para a civilização dos seus habitantes, mas pode suprir os meios benditos para levar até eles o evangelho do nosso Senhor Jesus Cristo.

Esses são eventos que não devemos deixar passar desapercebidos; não são coisas pequenas, talvez somente em comparação com o que poderíamos ter esperado se todos tivessem entrado de coração no espírito da proposta, fazendo sua a causa de Cristo ou, em outras palavras, se tivessem sido tão solícitos com referência a ela como se sua própria vantagem dependesse do sucesso dela. Se uma solicitude santa pelo reino do seu Redentor prevalecesse em todas as reuniões dos cristãos, provavelmente teríamos visto antes não só uma "porta aberta" (2Co 2.12) para o evangelho, mas também que "muitos correrão de cá para lá, procurando ficar mais sábios" (Dn 12.4, BLH); ou um uso mais diligente dos meios que a Providência colocou à nossa disposição, acompanhado de uma bênção do céu fora do comum.

Muitos não podem fazer nada além de orar, e a oração é talvez a única coisa em que cristãos de todas as denominações podem unir-se cordialmente e sem reservas; nisso podemos todos ser um, e a unanimidade mais estrita deveria prevalecer. Se todo o corpo fosse assim animado por uma só alma, com que prazer os cristãos seguiriam todas as obrigações da religião, e com que alegria seus obreiros desempenhariam todas as tarefas do seu chamado.

Entretanto, não devemos nos contentar com orar, sem nos empenharmos no uso de meios para obtermos as coisas pelas quais oramos. Se os "filhos da luz" fossem "astutos no trato entre si" como os "filhos deste mundo" (Lc 16.8), eles empenhariam cada músculo para ganhar um prêmio tão glorioso, sem jamais pensar que poderia ser obtido de outra forma.

Quando uma empresa de comércio obtém seu alvará, geralmente ela usa toda a sua capacidade; seus estoques, navios, gerentes e funcionários são escolhidos e coordenados de um modo que alcance seus objetivos. Mas eles não param nisso, pois, incentivados pelas perspectivas de sucesso, eles usam cada potencial, lançam seu pão sobre as águas, cultivam amizade com todos de cuja informação esperem a mínima vantagem, cruzam os mares mais amplos e tempestuosos e enfrentam os climas mais desfavoráveis; vão até as nações mais bárbaras e chegam a enfrentar as maiores dificuldades; sua mente está sempre atenta, em suspense, e uma demora além do normal na chegada de um navio os deixa agitados com milhares de pensamentos alternados, e com apreensão e preocupação, que continuam até que o rico faturamento chega salvo no porto. Por que todos esses medos? De onde toda essa inquietude e esforços? Não será porque suas almas entram no espírito do projeto, e sua felicidade de certo modo depende do seu sucesso? Os cristãos são um corpo cujo interesse mais verdadeiro está na exaltação do reino do Messias. Seu programa é bastante amplo, seu incentivo muito grande, os ganhos prometidos infinitamente superiores a todos os ganhos da empresa mais lucrativa. Portanto, que cada um no seu posto se considere obrigado a trabalhar com toda sua força e de toda maneira possível por Deus.

Quero propor que um grupo sério de cristãos, obreiros e outras pessoas, se organize em sociedade, fazendo algumas regras para a elaboração do plano, para escolher as pessoas a serem enviadas como missionários, os meios de cobrir as despesas etc etc. Essa sociedade deve consistir de pessoas cujo coração está na obra, homens de religião séria, com espírito de perseverança. Deve haver determinação de não admitir nenhuma pessoa que não se encaixe nessa descrição, ou de não mantê-la mais tempo do que lhe corresponda.

Essa sociedade poderia indicar uma comissão, cuja tarefa seria reunir toda informação possível sobre o objetivo, receber contribuições, investigar o caráter, temperamento, capacidade e conceitos religiosos dos missionários, e também prover para suas necessidades nos seus empreendimentos.

Devem também prestar atenção nos pontos de vista dos que assumem o trabalho; por falta disso as missões às ilhas das especiarias, enviadas pela Companhia Holandesa das Índias Orientais, logo se corromperam, sendo que muitos foram para estabelecer-se num lugar em que se prometiam ganho temporal, em vez de pregarem aos pobres indígenas. Isso em pouco tempo atraiu diversas pessoas indolentes ou devassas, cujas vidas eram um escândalo para as doutrinas que pregavam. Por causa deles o evangelho foi expulso de Ternate em 1694, e o cristianismo adquiriu fama muito má em outros lugares.

Se há alguma razão para eu esperar ter alguma influência sobre meus irmãos e companheiros cristãos, provavelmente será de modo mais especial entre os da minha própria denominação. Por isso proponho que uma sociedade e comissão como essa seja formada no seio da denominação batista particular.

Com isso não quero de forma alguma confiná-la a uma denominação de cristãos. De todo o coração desejo que todos que amam nosso Senhor Jesus Cristo sinceramente se unam a ela de algum modo ou outro. Porém na presente condição dividida da cristandade parece mais provável que o bem seja feito por cada denominação empenhando-se separadamente na obra do que se todas entrassem nela juntas. Há espaço suficiente para nós todos, sem um interferir com o outro; e, se não ocorrer nenhuma interferência hostil, cada denominação terá boa vontade em relação à outra, orando pelo sucesso dela, considerando-a em termos gerais amistosa em relação à grande causa da religião verdadeira. Todavia, se todas estiverem misturadas, é provável que suas discórdias específicas lancem um torpor sobre seus espíritos, e retardem muito sua utilidade pública.

Com respeito às contribuições para cobrir as despesas, com certeza haverá necessidade de dinheiro. Se os ricos usarem nesse empreendimento importante uma parte da riqueza da qual Deus os fez mordomos, talvez haja algumas maneiras que no fim levem a um cálculo melhor. Porém não devemos nos limitar aos ricos. Se pessoas de circunstâncias mais moderadas quiserem ofertar uma porção, talvez um décimo da sua renda anual, para o Senhor, isso não só corresponderia à prática dos israelitas, que viviam na economia mosaica, mas também à dos patriarcas Abraão, Isaque e Jacó, antes desta dispensação. Muitos dos nossos antepassados puritanos mais eminentes seguiam essa prática; se ela fosse seguida hoje em dia, não haveria somente o suficiente para sustentar o ministério do evangelho em casa, e para incentivar a pregação nas aldeias nas nossas respectivas vizinhanças, mas também para cobrir as despesas de levar o evangelho ao mundo pagão.

Se as comunidades abrissem opções de contribuição de uma moeda por semana, de acordo com as circunstâncias de cada um, depositando-as em um fundo para a propagação do evangelho, muito poderia ser angariado dessa forma. Por meios simples como esse em pouco tempo elas teriam condições de levar a pregação do evangelho à maioria das aldeias da Inglaterra onde, apesar de haver pessoas cuja tarefa é trazer luz àqueles que estão nas trevas, é bem sabido que eles não a têm. Onde não houver alguém que abra sua casa para receber o evangelho, há que se alugar algum local por uma pequena soma, e mesmo ali uma quantia considerável pode ser enconomizada para o comitê batista ou outro para a propagação do evangelho entre os pagãos.

Muitas pessoas nos últimos tempos deixaram de consumir o açúcar das Índias Ocidentais por conta da maneira iníqua com que ele é conseguido. As famílias que fizeram isso, sem substitui-lo por outro produto, não só limparam o sangue das suas mãos, mas economizaram despesas da família, algumas uma moeda de seis centavos por semana, outras um xelim. Se isso ou uma parte disso for destinado ao uso mencionado acima, seria mais do que suficiente. Só precisamos manter o alvo diante dos olhos, e ter nossos corações totalmente dedicados a alcançá-lo, e os meios não representarão dificuldade.

Somos exortados a "acumular tesouros no céu, onde a traça e a ferrugem não destroem, e onde os ladrões não arrombam nem furtam" (Mt 6.20). Também é dito que "o que alguém semear, isto também colherá" (Gl 6.7). Esses versículos nos ensinam que as alegrias da vida futura têm uma relação estreita com o que existe agora, uma relação semelhante à que existe entre colheita e semeadura. É verdade que qualquer recompensa é pura graça, mas mesmo assim ela nos encoraja; que "tesouro", que "colheita" espera pessoas como Paulo, Elliott, Brainerd e outros, que se deram totalmente à obra do Senhor. Que céu será ver as muitas miríades de pobres pagãos, os bretões no meio do resto, que foram trazidos para o conhecimento de Deus através do trabalho deles. Certamente vale a pena aspirar por essa "coroa de exultação" (1Ts 2.19, ARA). Com certeza vale a pena empenharmo-nos com toda nossa força em promover a causa e o reino de Cristo.

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