SEÇÃO 4

A praticidade de se fazer algo, mais do que está sendo feito, pela conversão dos pagãos.

Os impedimentos no caminho de levar o evangelho aos pagãos devem surgir, penso eu, de uma ou outras das seguintes coisas: a distância deles de nós, sua maneira bárbara e selvagem de viver, o perigo de ser morto por eles, a dificuldade de conseguir as coisas básicas para a vida, e suas línguas incompreensíveis.

Primeiro, quanto à distância deles de nós, sejam quais forem as objeções feitas por conta disso antes da invenção da bússola marítima, nada pode ser alegado com qualquer chance de plausabilidade na época presente. As pessoas agora podem viajar de navio com a mesma segurança pelos grandes mares do Sul como fazem pelo Mediterrâneo ou outros mares menores. Sim, e a Providência de certa maneira parece convidar-nos a tentar, pois há, do nosso conhecimento, companhias de comércio que têm contatos comerciais em muitos lugares onde moram esses bárbaros. A toda hora navios são enviados para visitar lugares descobertos mais recentemente, e para explorar regiões desconhecidas; e cada relato novo da ignorância ou crueldade deles deveria despertar nossa pena, e provocar-nos a cooperar com a Providência para buscar o bem eterno deles. A Escritura também parece indicar esse método: "Certamente, as terras do mar me aguardarão; virão primeiro os navios de Társis para trazerem teus filhos de longe e, com eles, a sua prata e o seu ouro, para a santificação do nome do Senhor, teu Deus" (Is 60.9). Isto parece implicar em que, no tempo do crescimento glorioso da igreja nos últimos dias, do qual todo o capítulo com certeza é uma profecia, o comércio sirva à expansão do evangelho. Os navios de Társis eram barcos comerciais que buscavam bens de vários lugares; por isso o sentido disso deve ser que a navegação, especialmente a comercial, será um meio singular de fazer a obra de Deus; e talvez esteja implícito que haja uma apropriação considerável de riquezas para esse propósito.

Segundo, quanto ao estilo de vida incivilizado e bárbaro deles, isso não pode ser objeção, a não ser para aqueles cujo amor pela comodidade os deixa indispostos para exporem-se a inconveniências pelo bem de outros.

Não era objeção para os apóstolos e seus sucessores, que foram até os bárbaros germanos e gauleses, e até os bretões ainda mais bárbaros! Eles não esperaram até que os antigos habitantes desses países ficassem civilizados antes que pudessem ser cristianizados, mas simplesmente foram com a doutrina da cruz; e Tertuliano podia orgulhar-se que "as regiões da Bretanha que resistiram aos exércitos romanos foram conquistadas pelo evangelho de Cristo". Não foi objeção para Elliott ou Brainerd, mais tarde. Eles saíram, encontraram todo tipo de dificuldades, e descobriram que uma recepção de coração do evangelho produzia os efeitos felizes que o contato mais longo com os europeus nunca conseguiria sem o evangelho. Não é objeção para os comerciantes. Só é preciso que tenhamos tanto amor pelas almas dos nossos companheiros de criação e de pecado como aqueles têm pelos lucros de algumas peles de lontra, para todas essas dificuldades serem facilmente superadas.

No fim das contas, a condição não civilizada dos pagãos, em vez de servir de objeção contra pregar-lhes o evangelho, deveria ser um argumento a favor. Podemos nós como seres humanos, ou como cristãos, ouvir que a ignorância e o barbarismo envolve uma grande parte de criaturas como nós, cujas almas são tão imortais como as nossas e que são tão capazes como nós de adornar o evangelho, e contribuir com sua pregação, escritos ou ações para a glória do nome do nosso Redentor e o bem da igreja? Podemos ouvir que eles estão sem o evangelho, sem governo, sem leis, e sem artes e ciências, e não nos esforçarmos para levar até eles os sentimentos dos homens, e dos cristãos? Será que a expansão do evangelho não é o meio mais eficiente para a civilização deles? Isso não faria deles membros úteis da sociedade? Sabemos que esses efeitos seguiram em certa medida os esforços mencionados acima de Elliott, Brainerd e outros entre os índios americanos; e, se tentativas semelhantes foram feitas em outras regiões do mundo, seguidas da bênção divina (e temos todos os motivos para pensar que sim), não deveríamos esperar ver mestres capazes, ou ler artigos bem escritos em defesa da verdade, mesmo entre estes que no presente mal parecem ser humanos?

Terceiro, com respeito ao perigo de ser morto por eles, é verdade que quem vai deve colocar a vida na mão de Deus, e não consultar carne e sangue. Mas será que a causa boa, e a nossa obrigação como cristuras de Deus e cristãos, e o fato de nossos iguais estarem perecendo, não nos chama em voz alta par arriscar tudo e usar todos os recursos disponíveis em benefício deles? Paulo e Barnabé, "homens que têm arriscado a vida pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo" (At 15.26), não foram repreendidos por serem imprevidentes, mas elogiados, ao passo que João Marcos, que os desertou no seu empreendimento perigoso devido à sua atitude tímida, foi marcado pela repreensão. Afinal de contas, como já foi observado, questiono muito se a maior parte das barbaridades cometidas pelos selvagens contra aqueles que os visitaram não resultaram de alguma afronta real ou imaginária, e por isso foram mais exatamente atos de defesa própria do que provas de uma disposição feroz. Não é de admirar se a imprudência dos marinheiros os fez ofender o selvagem simples, provocando ressentimento; Elliott, Brainerd e os missionários morávios muito raramente foram molestados. Pelo contrário, de modo geral os pagãos mostraram disposição para ouvir a palavra, e expressaram principalmente seu ódio contra o cristianismo por causa dos vícios dos cristãos nominais.

Quarto, quanto à dificuldade de suprir as necessidades da vida, essa pode não ser tão grande como parece à primeira vista. Mesmo que não encontremos comida européia, encontraremos aquela com que os nativos dos países que visitarmos subsistem. Isso seria nada mais do que vivenciar aquilo em que entramos ao nos engajarnos na função ministerial. Os obreiros cristãos "não são de si mesmos" (1Co 6.19); eles são "servos" de Deus, e por isso devem ser totalmente consagrados a ele. Ao entrar nessa função sagrada eles assumem solenemente estar sempre empenhados o mais possível no trabalho do Senhor, e não buscarem seu próprio prazer ou utilidade, ou exercerem o ministério como algo que sirva a seus próprios fins ou interesses, ou como opção secundária. Eles se apresentam para ir aonde Deus quiser, e para fazer ou sofrer o que ele quiser ordenar ou atribuir-lhes no exercício da sua função. Eles na prática dizem adeus a amigos, prazeres e confortos, e se prontificam a suportar os maiores sofrimentos na obra do Senhor, seu dono. É incoerente para obreiros agradar-se pensando em comunidades numerosas, amigos cordiais, um país civilizado, proteção legal, riqueza, esplendor, ou mesmo um sustento suficiente. Antes os objetos de sua expectativa deveriam ser o desprezo e ódio das pessoas, até dos que se diziam amigos, prisões sombrias e torturas, a companhia de bárbaros com fala ininteligível, acomodações miseráveis em lugares desertos e selvagens, fome e sede, nudez, cansaço, esforço, trabalho duro, e pouco encorajamento por palavras. Assim os apóstolos trabalharam nos primeiros tempos, suportando dificuldades como bons soldados de Jesus Cristo; e, apesar de vivermos num país civilizado onde o cristianismo é protegido por lei, e não somos chamados a sofrer essas coisas enquanto continuamos aqui, eu questiono se é justificado que todos fiquemos aqui, enquanto tantos estão perecendo sem os meios da graça em outras terras. Tenho certeza que é totalmente contrário ao espírito do evangelho que seus obreiros entrem nele por motivos de interesse próprio, ou com grandes expectativas mundanas. Pelo contrário, a comissão é um chamado claro para arriscar tudo e, como os primeiros cristãos, ir para todos os lugares pregar o evangelho.

Pode ser necessário, entretanto, que pelo menos dois vão juntos, e no geral penso que é melhor que sejam casados. Para evitar que seu tempo seja gasto suprindo necessiddes, dois ou mais outros, com suas esposas e famílias, também poderiam acompanhá-los, que ocupariam todo seu tempo sustentando-os. Na maioria dos países será necessário que eles cultivem um pequeno pedaço de terra para sustentar-se, que poderia abastecê-los quando faltassem suprimentos. Sem mencionar a vantagem que teriam um com a companhia do outro, diminuiria a enorme despesa que sempre acompanha esses empreendimentos, porque a primeira despesa seria o total; porque se uma colônia grande necessita de sustento por um bom tempo, um grupo menor se manteria depois de fazer a primeira colheita. Eles teriam a vantagem de escolher sua situação, e teriam poucas necessidades. As mulheres, e até as crianças, seriam úteis nos afazeres domésticos, e alguns animais domésticos, como uma ou duas vacas e um touro, e outros animais de ambos os sexos, muito poucos utensílios da casa, e um pouco de milho para semear a terra seriam suficientes. Os que sustentam os missionários deveriam entender de plantio, pesca, criação de aves etc, e ter os implementos necessários para esses propósitos. Na verdade poder-se-ia pensar numa variedade de métodos e, uma vez iniciado o empreendimento, muitas coisas sugerirão a si mesmas, de que no presente não fazemos idéia.

Quinto, quanto a aprender as línguas deles, a mesma coisa é necessária aqui como para o comércio entre nações diferentes. Em alguns casos pode-se conseguir intérpretes, que podem ser empregados por algum tempo; e onde esses não existem, os missionários devem ter paciência e misturar-se com o povo, até ter aprendido o suficiente da língua para poderem comunicar ao povo suas idéias com ela. É bem sabido que não é necessário ter talentos extraordinários para aprender, no espaço de um ano, ou dois no máximo, o suficiente para transmitir qualquer sentimento que queiramos à compreensão deles.

Os missionários devem ser pessoas profundamente consagradas, prudentes, corajosas e pacientes; seguramente ortodoxos em seus sentimentos, e imergir de todo coração no espírito de sua missão; devem estar dispostos a deixar todos os confortos da vida para trás e a encontrar todas as dificuldades de um clima tórrido ou gelado, uma vida desconfortável, e outras inconveniências que podem acompanhar esse empreendimento. Devem levar roupas, algumas facas, pólvora e balas, anzóis e os artigos domésticos mencionados acima. E, quando chegarem no seu destino, sua primeira preocupação deve ser obter um conhecimento mínimo da língua dos nativos (para o que dois serão melhor do que um), e esforçar-se por todos os meios lícitos por cultivar amizade com eles, fazendo-lhes saber o mais rápido possível a tarefa com que foram enviados. Devem esforçar-se por convencê-los que foi unicamente o bem deles que os levou a deixar para trás seus amigos e todos os confortos do seu país natal. Precisam ter muito cuidado para não se ressentir de injúrias que talvez sejam cometidas contra eles, nem terem a si mesmos em elevada consideração, a ponto de desprezar os pobres pagãos, dando assim motivos para ressentimentos ou para a rejeição do evangelho por parte deles. Eles devem aproveitar toda oportunidade para fazer-lhes o bem e, trabalhando e viajando dia e noite, devem instruir, exortar e repreendê-los, com toda paciência e profunda ansiedade por eles. Acima de tudo devem estar orando com insistência pelo derramamento do Espírito Santo sobre o povo sob sua responsabilidade. Só missionários que se encaixam na descrição acima deverão trabalhar na obra, e veremos que não é impossível colocá-la em prática.

Pode também ser importante, se Deus abençoar o trabalho deles, que eles encoragem a manifestação de dons entre o povo sob sua responsabilidade. Se isso ocorrer, haverá muitas vantagens em eles conhecerem a língua e os costumes dos seus conterrâneos; e sua mudança de comportamento daria um peso grande às suas ministrações.

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