Capítulo 23: Monumentos

Todo homem deveria deixar um marco na memória de seus vizinhos. Deve haver algo muito errado com o homem de quem ninguém sente falta quando morre. Uma personalidade digna é a melhor lápide. Os que o amaram e foram ajudados por você ainda lembrar-se-ão de você quando as lápides se apagarem. Esculpa seu nome no coração das pessoas, não no mármore. Portanto, viva para os outros, e eles manterão sua lembrança viva quando o mato crescer em seu túmulo. Esperemos que haja algo melhor a ser dito de nós do que este epitáfio:

Aqui jaz um homem que não fez nada de bom,
E não faria se continuasse vivo;
Para onde ele foi e como vive
Ninguém sabe nem se importa em saber.

 

Que nossos amigos não possam jamais lembrar-se de nós apenas como um grande glutão em cuja lápide está escrito:

Gentil leitor, gentil leitor,
Olhe para o local em que repouso,
Sempre fui um comilão,
Mas agora são os vermes que me comem.

 

Poderíamos dizer o mesmo, como prêmio, a um porco ou a um boi gordo que morresse de doença. Alguns homens não são em nada melhores que abelhas que passeiam pelos barris; quando a morte fura o barril, eles merecem apodrecer sem atenção.


Seja como for é melhor uma lápide com dizeres simples que com uma mentira evidente. Escrever elogios em uma lápide é o mesmo que despejar manteiga derretida em uma pia de pedra. Que sabor estranho devem sentir os que elogiam exageradamente os mortos como se quisessem soprar a trombeta da morte antes que o último anjo faça sua aparição! Eis aqui uma maçã fora da cesta:

Aqui jaz o corpo de Martha Gwyn,
Ela era tão pura em seu interior;
Que rompeu a casca do pecado,
E fez de si mesma um querubim.

 

Onde estão enterradas as pessoas más? Em qualquer lugar do cemitério de nossa igreja, todas elas parecem ter sido as melhores pessoas, um ninho repleto de santos. Algumas delas eram tão maravilhosamente boas que não há dúvida que morreram porque eram muito especiais para viver em um mundo mau como este. É melhor dar pão aos pobres que pedras aos mortos. É melhor endereçar palavras gentis aos vivos que fazer discursos sofisticados em cima de sepulturas. Alguns pensamentos tolos postos nos monumentos são suficientes para ruborizar o morto.


Em alguns túmulos usam tanto mármore que a metade dele seria suficiente para construir uma casa! Isso faz com que eu me sinta sem fôlego quando penso em todas aquelas pedras empilhadas sobre meus ossos – não que haja algum perigo de isso acontecer. Deixem que a terra com a qual estive em contato tantas vezes repouse leve sobre meu cadáver quando for jogada sobre mim. Deixem João Lavrador ser enterrado em algum lugar sob os ramos espalhados de uma faia, com um gramado verde em cima de mim, em que brotam prímulas e margaridas – um lugar quieto e sombreado onde as folhas caem, e os tordos de peito ruivo brincam, e as gotas de orvalho brilham ao sol. Deixem o vento leve soprar fresco e livre sobre meu túmulo, e se for preciso escrever uma linha a meu respeito, deixem que seja:

Aqui jaz o corpo de João Lavrador
Esperando pelo aparecimento do
Seu Senhor e Salvador Jesus Cristo.

 

Nos monumentos, leio muito a respeito da paciência, mas nunca a vi por lá nas vezes em que estive no cemitério da igreja. Muitas vezes, vejo a estupidez em um monumento e pergunto-me por que o sacerdote, ou o curador da igreja, ou o diácono, ou quem for que tem poder de decisão a respeito dessas coisas permite que as pessoas ponham tais absurdos sobre as pedras. Um homem disse-me que no cemitério de Dymock há uma inscrição assim:

A graça de Deus deu-nos,
As duas criancinhas mais doces que houve;
Mas elas foram levadas por um ataque de malária,
E aqui repousam tão mortas como piolhinhos.

 

Eu mesmo li coisas bastante tolas em nossos cemitérios, em Surrey, coisas que encheriam um livro. É melhor deixar o túmulo limpo que erigir um monumento à própria ignorância.


De todos os lugares para piadas e divertimento o mais estranho são os túmulos. Não obstante, por muito tempo as lápides tiveram tais esquisitices gravadas sobre elas que concluímos que quanto mais perto da igreja, mais longe da decência comum. Este é um verso cruel, mas ouso dizer que é verdadeiro:

Aqui jaz, de volta ao barro,
A senhorita Arabella Young,
Que no primeiro dia de maio-
Começou a segurar a língua.

 

Esta outra não é muito melhor:

Aqui jaz Upjohn Adams, da igreja de Southwell,
Um carregador que também sabia levar bem o copo até a boca;
Ele carregou tanto e tão rapidamente,
Que não pôde carregar mais e, afinal, foi carregado;
Pois a bebida que bebia era demais para um só,
Ele não agüentou e agora é um cadáver.

 

Por que essas pessoas não expõem sua verve humorística em um outro lugar? Um homem tem que estar quase fora de seu juízo para não encontrar um lugar mais adequado para essas manifestações que no cemitério. O corpo do mendigo mais esfarrapado é uma coisa sagrada demais para se jogar piadas em cima dele. Que camarada excêntrico deve ter sido Roger Martin, que vivia em Walworth e escreveu no túmulo da esposa:

Aqui jaz a esposa de Roger Martin,
Ela foi uma boa esposa para Roger – isto é, determinada.

 

E quem deve ter sido a criatura tola de Ockham, um dos pontos mais belos dessas regiões, que escreveu estas linhas ultrajantes?

O Senhor viu bem,
Eu podava os brotos,
Quando caí de cima da árvore;
Bati em uma chancela,
E quebrei meu abençoado pescoço
E então a morte me podou.

 

Bem isso é o bastante e quase tão bom quanto uma festa. Eis aqui uma prova positiva de que alguns tolos são deixados vivos para escrever nos monumentos dos que são enterrados. Bem, talvez haja fantasmas por perto. Não é surpresa que os dorminhocos saiam da cama quando são tão mau descritos. Eu acho que deveríamos ter uma lei que não deixasse ninguém escrever asneiras sobre os mortos, a não ser que quisesse dar um atestado de burrice, tipo a licença para matar perdizes e faisões. Além disso, deixemos que a publicidade espalhafatosa reserve-se para as lojas de costura, para os médicos charlatões e que nenhuma seja permitida nos túmulos.

Concordo com nosso ministro:

Não levantem nenhuma pedra suntuosa esculpida com virtudes
Para marcar o local em que jaz um pecador,
Se algum ornamento enfeitar o túmulo do pecador,
Que exalte o amor daquele que morreu para salvar os pecadores.

 

Mais uma rima de Surrey, e João Lavrador deixa o terreno da igreja para procurar trabalho e outros terrenos gramados. Ela fala sobre pseudo Salvadores e Southwark, e acho que é uma das poucas boas:

Como a rosa adamascada que você vê;
Ou como a florescência da árvore,
Ou como a delicada flor de maio,
Ou como o sol do dia,
Ou como o sol e a sombra,
Ou como a cuia que João tinha;
Assim mesmo é o homem, cujo fio é tecido,
Puxado, cortado e feito:
A rosa murcha, a florescência seca,
A flor fenece, a manhã passa rápida,
O sol se põe, a sombra voa,
A cuia se destrói, e o homem morre.