Capítulo 13: Lar

Essa palavra "lar" sempre soa como poesia para mim. Ela ressoa como o repique dos sinos em um casamento, apenas soa mais suave e terno nas fibras mais íntimas do meu coração. Não importa se ela refere-se a uma cabana de sapé ou a um solar: lar é lar, mesmo que seja muito simples não há lugar na terra como ele. A trepadeira pode crescer em cachos róseos pelo telhado para sempre, deixando o musgo florir no sapé. Os pardais chilreiam docemente, e as andorinhas gorjeiam à volta do lugar escolhido que é a minha alegria e o meu descanso. Todo pássaro ama seu ninho; a coruja acha a velha ruína o lugar mais sereno sob a lua, e a raposa sente que sua cova na montanha é extraordinariamente aconchegante. Quando o alazão do meu senhor sabe que está indo para casa, ele não precisa de guia e pensa: é melhor ir a galope; e eu penso o mesmo, pois o caminho de casa para mim é o melhor pedaço de estrada do país. Eu gosto mais de ver a fumaça da chaminé da minha casa, que o fogo no forno dos outros; há algo muito lindo no caminho que serpenteia entre as árvores. As batatas frias na mesa da minha casa têm mais sabor que a carne assada na dos meus vizinhos, e o perfume da madressilva na minha porta é o mais doce que eu já senti. Quando você está fora, os amigos o recebem da melhor forma que podem, mas mesmo assim não é a nossa casa. Eles dizem: "Sinta-se em casa", porque todo mundo sabe que sentir-se em casa é sentir-se à vontade.


Leste e oeste
o lar é melhor.

 

Porque em casa você está em casa, o que mais você pode querer? Ninguém inveja você, seja qual for seu apetite; e você nunca se deita em uma cama úmida. Salvo em seu castelo, como um rei em seu palácio, o homem se sente alguém e não sente medo de ser considerado orgulhoso por pensar assim. Todo galo canta em seu terreiro, é o cachorro sente-se um leão quando está em casa. A vassoura é a senhora do seu armário. Não há necessidade de cuidar de cada palavra, porque algum inimigo pode estar observando, nem manter o coração fechado a sete chaves; tão logo fechamos a porta de entrada abre-se o saguão da liberdade sem nada a espreitar-nos. A nossa querida e velha Surrey, tem uma vista magnífica do topo da montanha Leith, e não devemos desprezar a Hindhead e a capela Marthas e a Boxhill, mas eu poderia mostrar a vocês uma coisa que, a propósito, bate todas elas em beleza. Refiro-me à cabana de João Lavrador, em que a chaleira ferve na lateral do fogão, cantando como um anjo negro não caído, enquanto o gato fica deitado adormecido em frente ao fogo, a esposa se senta em sua cadeira remendando as meias, e as crianças ficam andando pela sala tão cheias de alegria como os cordeirinhos. É um fato curioso, talvez alguns de vocês duvidem disso, mas isso deve-se a sua natureza descrente – nossos pequenos são sempre uma verdadeira beleza, um pouco mais gordos do que os outros da sua idade e, mesmo assim, dão bem menos trabalho para tomar conta que os bebês dos outros. Porque, abençoada seja ela, minha esposa se cansaria na metade do tempo se sua vizinha tivesse pedido a ela para olhar uma criança estranha, mas seus filhos não parecem cansá-la de forma alguma. Creio que tudo isso vem do fato de terem nascido em casa. Na verdade, o mesmo acontece com tudo o mais, nossa terra é a mais bonita nos trinta quilômetros a nossa volta, porque nosso lar está nela, e meu jardim é um perfeito paraíso, por nenhuma razão especial além desta muito boa: ele pertence à velha casa do meu lar.


Eu não consigo compreender porque muitos trabalhadores gastam as noites em hospedarias, quando suas lareiras são bem melhores e mais baratas também. Nas hospedarias, eles se sentam, hora após hora, se embriagando e falando besteiras, esquecendo as pessoas queridas em casa quase mortas de fome e cansadas de esperar por eles. Seu dinheiro vai para a gaveta do estalajadeiro, quando deveria levar conforto à esposas e aos filhos. Quanto à cerveja que bebem é como o leite dos tolos, serve apenas para afogar sua inteligência. Tais camaradas deveriam ser chicoteados como cavalos, e os que os encorajam e vivem à custa deles mereciam sentir a ponta do chicote. Esses bares são a maldição deste país; ninguém de bem entra neles, e o mal que eles fazem nenhuma língua pode contar. As estalagens já eram bastante ruins, mas os bares são uma praga; eu gostaria que o homem que elaborou a lei para a abertura deles tivesse de manter todas as famílias que eles levaram à ruína. Os bares são os inimigos do lar e, portanto, quanto mais cedo suas licenças forem caçadas, melhor. Tudo o que prejudica o lar é uma maldição e deve ser eliminado, como os guardas-caças fazem com a enzima das florestas.


Os maridos devem tornar o lar feliz e sagrado. O pássaro que suja o próprio ninho é doente, e o homem que torna seu lar miserável é mau. Nossa casa deve ser uma pequena igreja com a santidade de Deus acima da porta, mas jamais deve ser uma prisão em que há um monte de regras e ordens, mas pouco amor e nenhum prazer. A vida de casado não é sempre doce, mas a graça no coração mantém afastada a maior parte das amarguras. A religiosidade e o amor edificam o homem, assim como o pássaro em uma reserva que canta entre espinhos e arbustos também faz com que os outros cantem. O marido deve ter prazer em agradar sua esposa, e a esposa, esmero em cuidar do seu marido. Quem é gentil consigo mesmo é gentil com sua esposa. Receio que alguns homens vivam pela lei do individualismo, e quando esse é o caso, a felicidade do lar é uma farsa. Quando os maridos e as esposas são muito unidos, como sua carga se torna leve! Nem toda dupla é um par, o que é uma pena. Em um lar verdadeiro toda a disputa é para ver quem pode fazer o melhor para tornar a família feliz. Um lar deve ser um santuário, não uma Babilônia. O marido deve ser o "vínculo do lar", unindo como uma pedra angular, e não esmagando tudo como uma pedra de tropeço. Maridos grosseiros e dominadores não devem ter a pretensão de ser cristãos, pois agem totalmente contra os ensinamentos de Cristo. Por outro lado, um lar deve ser bem comandado ou se torna uma confusão e um escândalo para a igreja. Se o pai larga as rédeas da casa, o treinador da família logo está no fosso. Uma mistura sábia de amor e firmeza possibilita um bom comando, mas nem a aspereza nem a amabilidade sozinhas mantêm um lar feliz.


Um lar não é um lar se as crianças que vivem nele não forem obedientes; é mais uma dor que um prazer estar nele. Feliz é quem consegue ser feliz com seus filhos, e felizes são as crianças que estão felizes com o pai que têm. Nem todos os pais são sábios. Alguns são como Eli e estragam seus filhos. Não se opor aos nossos filhos é o caminho para transformá-los em uma cruz em nossa vida. Os que nunca castigam os filhos não podem se admirar se seus filhos se transformarem em um castigo para eles. Salomão ensina: "Discipline seu filho, e este lhe dará paz; trará grande prazer à sua alma", Eu não estou certo de que hoje haja alguém mais sábio do que Salomão, apesar de alguns pensarem que são. Os potros novos devem ser freados ou viram em cavalos selvagens. Alguns pais são apenas irritação e fúria que inflamam à menor falta; isso é pior ainda e transforma o lar em um pequeno inferno, em vez de um paraíso. Sem vento o moinho fica preguiçoso, contudo, o excesso de vento danifica o moinho. Em geral, os homens que golpeiam com sua raiva perdem seu limite. Vai tudo bem quando Deus nos ajuda a segurar as rédeas firmemente, mas sem machucar a boca dos cavalos. Quando o lar é governado de acordo com a palavra de Deus, podemos convidar os anjos para passar a noite conosco, e eles não se sentirão fora de seu elemento.


As esposas deveriam sentir que o lar é o seu lugar e o seu reino, e que a felicidade dele depende, sobretudo, delas e se forem esposas más levarão os maridos para longe com suas línguas afiadas. Outro dia um homem disse para sua esposa: "Dobre seu chicote." Ele dizia para ela manter a língua quieta, é uma desgraça viver com esse tipo de chicote sempre açoitando-o. Dizem que quando Deus deu ao homem dez normas de discurso, a mulher fugiu com nove e, em alguns casos, receio que o dito seja verdade. Uma esposa, descuidada, negligente e bisbilhoteira é o bastante para deixar o marido louco; e se isso o levar ao bar, ela será a causa disso. É doloroso viver em um lugar em que a esposa, em vez de reverenciar o marido, está sempre brigando e falando mal dele. Deve ser bom quando essas mulheres ficam roucas, é uma pena que elas não tenham tantas bolhas na língua quanto os dentes que têm em suas mandíbulas. Deus nos livre a todos das esposas que são anjos nas ruas, santas na igreja e demônios em casa. Eu nunca experimentei essas ervas tão amargas, mas tenho piedade do fundo do coração dos que suportam essa dieta todos os dias.


Mostre-me um marido amoroso, uma esposa valorosa e crianças gentis, e nem uma parelha de cavalos das que estão sempre voando ao longo da estrada conseguiria, em um ano, levar-me onde eu pudesse ver uma cena mais agradável. O lar é a maior de todas as instituições. Falem sobre o Parlamento, mas me forneçam um parlatório pequeno e sossegado. Se quiserem vangloriem-se sobre o voto e sobre a Grande Reforma Bill (Reforma que aconteceu na Inglaterra em 1832, sob o comando de Lorde John Russell), mas eu prefiro um casamento em um pequeno jardim e ensinar hinos às crianças. O direito de voto é uma coisa muito boa, mas antes disso, eu gostaria muito de conseguir uma hipoteca para minha cabana se pudesse ter dinheiro para comprá-la. Não sei muito sobre a Carta Magna, mas se ela representa um lar sossegado para todo mundo, três vivas para ela. Eu gostaria que nossos governadores não destruíssem os lares de tantos homens pobres por causa de uma lei abominável e desalmada. Ela parece servir mais aos cães raivosos que aos ingleses. Outro dia, um motorista de carro de Hampshire contou-me que sua esposa e seus filhos estavam no asilo para pobres do governo e que seu lar estava arruinado por causa do funcionamento cruel da assistência social. Ele tinha oito pequenos e a esposa para manter com uma ninharia por semana, além disso, com aluguel para pagar; por isso, ele não conseguia manter o corpo e a alma juntos. Contudo, se a igreja tivesse concedido a ele uma bagatela, um ou dois pães e um par de moedas por semana, ele poderia ter se virado, mas não, nem um centavo saiu da igreja. Eles morreriam de fome se não fossem todos para o asilo. Assim, com lágrimas amargas e muita dor no coração, o pobre infeliz teve de vender os poucos móveis que tinham e, agora, é um homem sem lar. Além disso, ele é um trabalhador ótimo e diligente e serviu seu patrão por quase vinte anos.


Casos como esse são comuns, mas não deveriam ser. Por que os realmente pobres não merecem ter uma pequena ajuda? Por que eles são forçados a ir para o asilo? O lar é o pilar do Império Britânico e não deveria ser reduzido a cacos por causa de leis não cristãs. Eu gostaria de ser um orador e poder falar com os políticos. Não me preocuparia em criticar os membros do partido pró reforma ou os partidários de James, os conservadores, eu ficaria em pé como um leão defendendo os homens sem lar e diria para os lordes e para a burguesia, que o lar dos pobres é tão importante para eles como são seus grandes palácios e, muitas vezes, são ainda mais queridos.


Se eu não tivesse lar, o mundo seria uma grande prisão para mim. A Inglaterra é meu país, Surrey, minha região, mas não lhes direi qual é minha aldeia ou passarão a caçar o João Lavrador. Muitos amigos meus emigraram e estão desbravando solo fresco na Austrália e nos Estados Unidos. Embora a pedra deles tenha rolado, espero que eles consigam criar musgo, pois quando estivam aqui eram como a galinha chocadeira que não consegue grãos. Realmente, esses tempos difíceis fazem o homem pensar em suas asas, mas eu estou preso pela perna ao meu lar e, pelo favor de Deus, espero viver e morrer no meio do meu povo. Eles podem fazer coisas melhores na França e na Alemanha, mas, afinal, a velha Inglaterra é tudo para mim.