Capítulo 14: "Venham, crianças"--O convite do salmista (Salmo 34.11) Não deixa de ser uma coisa singular o fato de que homens bons freqüentemente descobrem o seu dever quando são colocados nas mais humilhantes posições. Nunca na vida de Davi ele esteve em situação pior do que aquela que sugeriu este salmo. O cabeçalho é: "Salmo de Davi, quando ele se fingiu de louco diante de Abimeleque, que o expulsou, e ele partiu". Esse poema teve a intenção de comemorar aquele evento, e foi sugerido pela situação. Davi foi levado diante do rei Aquis, o Abimeleque da Filistia, e para conseguir escapar, fingiu ser louco, acompanhando sua afirmação de loucura com certas ações muito degradantes que bem poderiam parecer dar mostra de insanidade. Ele foi afastado do palácio, e, como é comum, quando tais homens estão na rua, é provável que um bom número de crianças tenha se reunido em volta dele.
A história triste é contada em 1Samuel 21.10-15. Em dias subseqüentes, quando Davi cantou louvores a Jeová, relembrando como ele se tornou o motivo de riso de criancinhas, ele parecia dizer: "Ah, pela minha tolice diante das crianças nas ruas, eu me reduzi na estima de gerações que viverão depois de mim; agora eu procurarei desfazer o dano--'Venham, meus filhos, ouçam-me, eu lhes ensinarei o temor do Senhor'".
É bem possível que, se Davi nunca tivesse estado numa posição dessas, ele jamais tivesse pensado nesse dever; pois não encontro outro salmo em que ele tenha dito: "Venham, meus filhos, ouçam-me." Ele tinha as responsabilidades de suas cidades, suas províncias e sua nação pressionando-o, e em outras ocasiões pode ter dado pouca atenção à educação dos jovens; mas aqui, levado à posição mais ridícula que um homem pode ocupar, tornando-se alguém privado de pensamento racional, ele se lembra de seu dever. O cristão importante ou próspero nem sempre se lembra dos "cordeiros". Essa responsabilidade geralmente é entregue aos Pedros, cujo orgulho e confiança foram esmagados, e que se alegram de terem na prática uma resposta à pergunta do Senhor: "Tu me amas?".
"Venham, meus filhos, ouçam-me; eu lhes ensinarei o temor do Senhor." A doutrina é que as crianças têm capacidade para que lhes seja ensinado o temor do Senhor.
Os homens, em geral, se tornam mais sábios depois de serem mais tolos. Davi havia sido extremamente tolo e, depois, se tornou verdadeiramente sábio; e, sendo assim, não era provável que ele pronunciasse sentimentos tolos, nem desse instruções que indicariam uma mente fraca. Já ouvimos dizer que as crianças não podem entender os grandes mistérios da religião. Até conhecemos alguns professores de Escola Dominical que cautelosamente evitam mencionar as grandes doutrinas do evangelho, porque acham que as crianças não estão preparadas para recebê-las. Esse mesmo erro também já chegou ao púlpito; pois se acredita hoje, entre certa classe de pregadores, que muitas das doutrinas da Palavra de Deus, embora sejam verdadeiras, não são adequadas para serem ensinadas ao povo, visto que os perverteriam para sua própria destruição. Chega dessas artimanhas sacerdotais! Tudo o que Deus revelou deve ser pregado. Creio e pregarei tudo o que ele revelou, mesmo que eu não seja capaz de entender. Sustento que não há doutrina da Palavra de Deus que uma criança, se for capaz de ser salva, não seja capaz de receber. Às crianças devem ser ensinadas todas as grandes doutrinas da verdade, sem uma única exceção, para que, nos dias vindouros, elas possam retê-las firmemente.
Posso testemunhar que as crianças sabem entender as Escrituras; porque tenho certeza de que, quando eu era apenas uma criança, eu poderia ter discutido muitos pontos complicados de teologia controvertida, já que eu havia escutado ambos os lados da questão afirmados livremente no círculo dos amigos de meu pai. Na verdade, as crianças são capazes de entender algumas coisas bem cedo, que nós mal entendemos mais tarde. Elas têm sobretudo uma simplicidade de fé, e a simplicidade de fé é parecida com a mais alta sabedoria; de fato, nós desconhecemos se há grande distinção entre a simplicidade de uma criança e o gênio da mente profunda. As pessoas que recebem as coisas com simplicidade, como uma criança, muitas vezes terão idéias que alguém que costuma fazer silogismo de todo assunto nunca chegará a ter. Se você deseja saber se as crianças podem ser ensinadas, eu lhe indicarei muitas delas em nossas igrejas, e em famílias piedosas--não crianças prodígios, mas como as que vemos freqüentemente--Timóteos e Samuéis, e garotinhas também, que cedo conheceram o amor de um Salvador. Se uma criança pode se perder, ela também é capaz de ser salva. Se pode pecar, pode, se a graça de Deus a ajudar, crer e receber a Palavra de Deus. Se pode aprender o mal, tenha certeza de que são competentes, sob o ensino do Espírito Santo, para aprender o bem.
Nunca entre na sua classe com a idéia de que as crianças não podem compreendê-lo; porque se você não consegue fazer com que elas o compreendam, é possível que seja porque você mesmo não compreende; se você não ensina as crianças aquilo que quer que elas aprendam, talvez seja porque você não esteja apto para a tarefa; você deve usar palavras mais simples, mais adequadas à capacidade delas, e então descobrirá que não foi um problema da criança, mas sim do professor, se ela não aprendeu. Entenda que as crianças são capazes de salvação. Aquele que, na soberania divina, recuperou um pecador de cabeça branca do erro de seus hábitos, pode mudar uma criancinha para que ela abandone seus maus costumes juvenis. Aquele que, na décima primeira hora, acha homens desocupados e os manda para sua vinha, pode chamar e chama homens no raiar do dia para trabalhar por ele. Aquele que pode mudar o curso de um rio quando já correu muito e tornou-se uma enchente poderosa, pode controlar um riozinho recém-nascido que salta de sua fonte-berço, e fazer com que corra no leito que ele deseja. Ele pode fazer todas as coisas. Pode trabalhar no coração das crianças segundo a sua vontade, pois todas estão sob o seu controle.
Não vou estabelecer a doutrina porque não creio que exista alguém que possa duvidar disso. O meu medo, no entanto, é que muitos não esperam ter notícia de que as crianças estejam sendo salvas. Em todas as igrejas, tenho notado uma espécie de repugnância diante de qualquer coisa que se pareça com piedade infantil. Assustamo-nos com a idéia de um menino pequeno amar a Cristo; e se ouvimos falar de uma menina pequena seguir o Salvador, dizemos que é uma imaginação infantil, uma impressão que vai definhar. Eu lhes rogo, nunca suspeite da piedade dos pequenos. É uma planta muito nova, não a trate com mão pesada. Há algum tempo, me contaram um caso que me parece verídico. Uma menina, de 5 ou 6 anos, que amava Jesus de verdade, pediu à mãe se podia se tornar membro da igreja. A mãe lhe disse que ela era muito nova, e a pobrezinha ficou triste demais. Depois de algum tempo, a mãe, que viu que a piedade estava no coração da criança, falou com o pastor sobre o assunto. O pastor conversou com a criança, e disse à mãe: "Estou completamente convencido da piedade dela, mas não posso recebê-la na igreja, ela é nova demais." Quando a criança ouviu isso, uma melancolia estranha marcou seu rosto, e, na manhã seguinte, quando a mãe foi até sua caminha, ela estava deitada com uma lágrima nos olhos, morta de pura tristeza; seu coração tinha sido partido porque não podia seguir seu Salvador e fazer o que ele lhe mandara fazer. Eu não teria matado essa criança! Tenha muito cuidado com a forma como você trata a piedade juvenil. Seja delicado com ela. Creia que as crianças podem ser salvas tanto quanto você. Eu creio firmemente na salvação de crianças. Quando você vir o coração infantil levado ao Salvador, não se afaste e não use de um tom duro e que desconfia de tudo. Às vezes, é melhor ser enganado do que ser o meio de ofender um desses pequeninos que crêem em Jesus. Deus manda ao seu povo uma crença firme de que botõezinhos de graça merecem todo o cuidado!