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O próprio-eu embaixo,
mas Cristo nas alturas

"Respondeu o centurião: 'Senhor, não mereço receber-te
debaixo do meu teto. Mas dize apenas uma palavra,
e o meu servo será curado" (Mt 8.8).

Esse centurião era um homem digno do ponto de vista humano; mas se definiu como indigno diante de nosso Senhor. Ele era um homem tão maravilhoso que os líderes religiosos dos judeus, que não tinham simpatia pelos soldados romanos, pleiteavam o caso dele como de um homem digno, diante de Jesus. Se esse centurião tivesse estado pessoalmente ali, teria repudiado esse argumento deles; e assim fez, através do segundo grupo de amigos que enviou a nosso Senhor. Um grupo de amigos disse: "Ele é digno"; outro grupo de amigos recebeu ordens de dizer, em nome do centurião: "Senhor, não sou digno." Os homens mais dignos neste mundo não se consideram dignos; ao passo que as pessoas mais indignas são geralmente as que se gabam de sua própria dignidade e, às vezes, até de sua própria perfeição. Não teríamos estranhado se esse homem fosse orgulhoso; pois era membro da raça vencedora, e representante de uma potência tirânica. Mesmo não sendo oficial de alta patente, mas apenas o capitão de cem homens, não é raro serem os suboficiais mais altivos do que os seus superiores. Se um homem é colocado numa posição muito elevada e responsável, as responsabilidades sempre o deixam mais sóbrio; mas um funcionário inferior impertinente, em geral, se sente maior do que o próprio imperador. Esse centurião, porém, era homem de feitio suave, e disse a respeito de si mesmo: "Eu não sou digno."

Ele poderia ter se orgulhado da sua popularidade entre os judeus. Poucas pessoas conseguem ficar cercadas por um ambiente de grande estima por elas sem começar a elevarem em demasia a sua autoestima. O centurião construíra uma sinagoga para os judeus. Foi uma ação muito boa - mas é bem possível alguém construir uma sinagoga e passar a se considerar um grande homem, e ficar várias fiadas de tijolos mais alto no que diz respeito ao seu orgulho. Não foi o caso desse homem bondoso que, apesar de ter construído uma sinagoga, não ficou presunçoso com a grandeza da sua própria generosidade. Nem sequer mencionou esse fato, mas disse: "Senhor, não mereço receber-te debaixo do meu teto."

Esse centurião acostumara-se a estar no comando. "Digo a um: Vá, e ele vai; e a outro: Venha, e ele vem." Quem está acostumado a ser obedecido tende a atribuir altíssimo valor à sua própria pessoa; mas esse centurião não cairia nessa falta muito comum. Vigiava com cuidado o estado do seu jovem servo doente e procurava a cura dele com sinceridade: era um patrão carinhoso, além de ser um vizinho liberal. Se quiséssemos destacar um homem verdadeiramente digno, não precisaríamos ir além desse soldado romano, pois poderíamos achar um pior; "Senhor, não mereço."

Além disso, notem que ele não disse: "Senhor, o quarto onde meu servo dorme não é digno de ti; e não é apropriado a tua subida até o sótão onde o jovem jaz doente"; mas "não mereço receber-te debaixo do eu teto" - nem mesmo na melhor sala de visitas, ou da sala de estar. A casa é minha, e nessa condição, é a habitação de quem não ousou buscar uma entrevista contigo, e julga-a totalmente imprópria para te acolher. Receava incomodar o Senhor, e achava que levar Jesus pela rua afora até a porta da sua casa era coisa total-mente impensável, pois uma só palavra teria servido para operar o milagre que buscava.

Amados amigos, meu argumento é o seguinte: quero ressaltar diante da sua atenção a harmonia feliz entre essa linda humildade com um grau extraordinário de fé. Na sua confissão da sua própria pecaminosidade, ele não se poupa: "Senhor, não mereço receber-te debaixo do meu teto"; mas sua confissão de fé é igualmente clara: "Mas dize apenas uma palavra, e o meu servo será curado." Há um erro grosseiro que diz que a nossa estima baixa pode estar ligada a uma grande desconfiança diante de Cristo. Chamo a isso de erro grosseiro, vulgar; pois o erro é tanto comum quanto destituído de base. A verdade é que quem tem um alto conceito de si mesmo tem baixo conceito de Cristo; e é muito certo que esses conceitos vão juntos, pois é cada qual com seu igual. Mas o conceito baixo do nosso próprio eu sempre deve se associar com altos conceitos de Cristo, pois ambos foram produzidos pelo Espírito de Deus, e ajudam um ao outro. Nossa própria falta de merecimento serve para ressaltar o fulgor da graça infinita de nosso Senhor. Afundamo-nos na humildade, mas voamos alto na nossa segurança em Cristo. À medida que diminuímos, Cristo se aumenta em nós.

Para deixar clara essa questão, em primeiro lugar, um senso de indignidade é muito desejável e recomendável; mas, em segundo lugar, um senso de indignidade pode ser usado de maneira equivocada, e pode até mesmo originar uma ocasião para o pecado grave; e mais, e em terceiro lugar, acrescento que um senso da nossa própria falta de merecimento é acompanhado, de modo apropriado, por uma fé forte em Cristo. O presente texto nos fornece um exemplo desse fato. Que o Espírito Santo ajude as nossas meditações e as torne verdadeiramente proveitosas!

I. Em primeiro lugar, portanto, um senso de indignidade é muito desejável e recomendável. Alguns entre vocês estão destituídos desse senso. Vocês podem considerá-lo uma coisa mesquinha e miserável. Podem supor que ele lesaria a sua energia, rebaixaria sua autoestima e abafaria a sua coragem. Caros amigos, a coragem que se alimenta do pecado é um fungo venenoso, que cresce a partir da podridão de um coração corrupto. Que esse fungo seja tirado de nós! Qualquer condição mental que é alicerçada na falsidade é forçosamente maligna: é uma bolha insuflada por convencimento ignorante. Não queiramos desejar mais amor-próprio, mais varonilidade ou mais coragem do que a nossa verdadeira situação justifique.

Elogio um senso da nossa própria indignidade, porque é um senso daquilo que é verdadeiro. Quando um homem se considera indigno diante do Senhor, seus pensamentos são certos. Quando ele tem a convicção de que não pode ser salvo pelo mérito das suas próprias obras, por serem falhas e corruptas, ele passa a julgar segundo os fatos. Seja qual for o efeito que um pensamento tenha sobre nós, quer nos torne alegres, quer nos torne tristes, é questão secundária; para quem tem mente honesta, a questão principal sempre deve ser - É verdade? Se um pensamento é verídico, devo acolhê-lo de imediato, custe o que custar. Se a verdade criar devastação dentro da minha alma, e destruir belas esperanças e fantasias prometedoras, então, assim seja; pois o efeito mais doloroso da verdade é melhor para mim do que os resultados mais lisonjeadores da falsidade. São melhores os golpes da verdade do que os beijos da traição. A flecha que atravessa o coração da vaidade é uma bênção. Se você tiver um conceito bem baixo do seu próprio eu, alguns poderão chamá-lo de mórbido; mas não sabem de que espírito você é.

A humildade é saudável; a modéstia não é enfermidade. Quando temos um conceito muito ruim de nós mesmos, chegamos cada vez mais perto da verdade. Estamos, pela própria natureza, depravados, degradados, culpados e dignos da ira de Deus. Se alguma coisa severa pode ser pensada contra o homem caído, é certamente verdadeiro a respeito dele. Que caráter pior pode ser atribuído à natureza humana do que as palavras inspiradas no capítulo três da Epístola aos Romanos! Que Deus nos torne humildes de espírito e nos encha com um sentimento profundo da nossa própria indignidade! - pois isso seria apenas o caso de nos revelar a verdade e nos livrar do caminho da falsidade.

Em seguida, notemos que uma profunda indignidade não é comprovação de que alguém pecou grosseiramente. A questão pode ser examinada de um ângulo totalmente oposto: se o homem tivesse iniquidade hedionda, sua consciência teria perdido a sensibilidade e, provavelmente, ele não sentiria tão agudamente a própria indignidade. Aquele que se tem em elevado conceito não é necessariamente um homem de vida limpa; e, por outro lado, aquele que tem pensamentos muito depreciativos a respeito de si mesmo não é, por essa razão, pior do que os outros. Aquele que se sente indigno tem em si alguma coisa que Deus aprecia muito. Temos certeza disso, porque quando Deus busca uma habitação entre os homens, embora possa escolher entre os palácios, ele se condescende em dizer: "Habito num lugar alto e santo, mas habito também com o contrito e humilde de espírito, para dar novo ânimo ao espírito do humilde e novo alento ao coração do contrito" (Is 57.15). Não julgue os homens segundo as idéias que eles têm de si mesmos; ou, se você assim fizer, siga esta orientação: aquele que se humilha deve ser exaltado, e aquele que se exalta deve ser rebaixado. Aquele que é grandioso é pequeno; aquele que é pequeno para si mesmo deve ser tanto maior com você. Deus não ama os que se gabam: ele fartou os famintos com coisas boas, mas aos ricos, mandou embora, vazios.

Recomendo esse senso da falta de merecimento porque tende a tornar o homem mais bondoso para com o próximo. Aquele que pensa ser tudo acha que o outro é nada. O orgulho não tem entranhável compaixão e prefere expulsar de casa um empregado doente a ter de procurar um médico para ele. Se um homem for orgulhoso dirá: "Sou um homem sujeito à autoridade, e com soldados sob meu comando; e não devo ficar com a preocupação de cuidar de jovens doentes." A compaixão, a ternura e a valorização do próximo são personagens estranhas na casa dos orgulhosos; mas elas passam a habitar com aqueles que se acham sem merecimento. Amados, é melhor para vocês pensar pouco a respeito de si mesmos, pois então poderão sobrar mais pensamentos para as tristezas dos outros. Se vocês tiverem consciência de não possuírem merecimento, reconhecerão livremente as reivindicações dos outros; e não se sentirão orgulhosos demais para cuidar dos mais pobres e dos mais obscuros. Existe algum sinal de uma obra de graça no seu coração, quando você ama seu próximo porque acha não ser melhor do que ele. Isso é infinitamente melhor do que ser tão grandioso que você pode pisotear a multidão, com dignidade imperial e imperiosa, e contemplar com desprezo os muitos que não atingiram o grau eminente de honra que você considera que tem o direito de desfrutar. O homem classificado como grandioso, muito grandioso, o homem chamado "meritíssimo", a pessoa com o título de "honradíssimo" e de "muito respeitável" avança pisoteando o seu próximo, e esmaga as pessoas sem o mínimo remorso, se estiverem atravessando o seu caminho e puderem prejudicar os seus desígnios; mas o homem que tem consciência de dever tudo à misericórdia de Deus, e sempre depende da misericórdia, e da misericórdia somente, será carinhoso e meigo para com seu próximo, também sujeito ao pecado, e falará com ele em tom de consolo.

Recomendamos, ainda, esse senso de indignidade porque torna um homem humilde diante do Salvador. Entre todas as coisas mais desprezíveis, uma postura de soberba diante do Senhor Jesus é a mais abominável; não é, porém, incomum, de modo algum. Alguns parecem imaginar que Jesus é servo deles, para ser mandado e desmandado; falam a respeito da salvação como se Jesus tivesse a obrigação de concedê-la, e que eles pudessem reivindicá-la em favor de si mesmos e de toda a raça humana. Se falarmos a respeito da escolha de alguns para a vida eterna, começam a tagarelar a respeito da injustiça e da parcialidade, como se algum homem culpado tivesse o direito de receber alguma coisa da parte do Senhor da glória, a não ser o direito terrível de ser castigado pelos seus pecados. Acho que escuto o Mestre dizer: "Não posso fazer o que quero com aquilo que me pertence?" Muitos daqueles que fingem ser defensores da graça são traidores dela e arrancam de sua mão o cetro prateado da sua soberania. Amados, na oração é melhor chegarmos diante de nosso Senhor não como credores cobrando uma dívida, mas como criminosos condenados, implorando o perdão gratuito. Não temos o direito de exigir nada da parte de Deus. Se ele optar por nos salvar, será somente mediante sua própria livre graça. Compareçamos com humildade, dizendo: "Senhor, não mereço receber-te debaixo do meu teto. O maior dos milagres, na minha estimativa, é que tu tenhas morrido por mim. Tu me escolheste, me chamaste, me perdoaste, salvaste e me salvaste - e tudo isso é um mundo de maravilhas, diante do qual minha alma fica atônita de gratidão. De onde vem tudo isso para mim? Como podes tu contemplar um cão morto tal como eu!" Nosso estado correto de coração, ao lidar com nosso Senhor Jesus, é o do arrependido lavando seus pés com nossas lágrimas, ou do leproso que caiu diante dos seus pés e o adorou. Devemos comparecer como humildes suplicantes, e não como aqueles que, na sua soberba, imaginam que possam exigir para si a graça de Deus.

Um senso de indignidade é extremamente útil porque coloca um homem numa posição em que Deus pode abençoá-lo. Você diz: "Oh, e onde é isso?" O Senhor agirá somente de conformidade com seus próprios atributos. Deus sempre será Deus; e assim como ele é Deus único e exclusivo na Criação, assim também certamente será Deus único e exclusivo na nova criação. Nos-sa única posição diante de Deus é reconhecermos que nós somos desmerecedores e indignos, ao passo que ele é santo e glorioso. Devemos escutá-lo dizer: "Eu sou Deus, e além de mim não há nenhum outro", senão nunca olharemos para ele a fim de sermos salvos. Se eu sou alguém e exijo meus direitos e minhas reivindicações, Deus não poderá me abençoar sem me conceder aquilo que nunca concederá. Como ouso exigir o que ele chama de dom gratuito? Tantas vezes fiz esse auditório ressoar com aquela palavra do Senhor: "Terei misericórdia de quem eu quiser ter misericórdia, e terei compaixão de quem eu quiser ter compaixão" (Êx 33.19). Você pode confiar nisso: Deus continuará sendo Deus; e se você não quiser ser salvo sem ele deixar o trono da sua soberania, você perecerá sem esperança. Ele continua sendo Rei e Senhor na obra da salvação; você deve recebê-la como dom gratuito dele, ou morrer sem a salvação. Se a salvação é da graça, não poderá ser segundo o direito - essas coisas são contraditórias entre si. Sua compaixão é indizivelmente grande, sua misericórdia é totalmente incomensurável; mas, ainda assim, não terá nenhum dó daqueles cuja obstinação orgulhosa resiste à soberana graça divina. Ó pecador, se você quer ser perdoado, você deve confessar que o Senhor é Rei. O contato que você tiver com o próprio Jesus precisa ser como o de Tomé, quando este colocou o dedo na ferida e exclamou: "Meu Senhor, e meu Deus!" Você precisa aceitar Jesus como seu Senhor e seu Deus, senão, ele não será nada para você. Amados, ninguém se renderá a esse conceito a não ser quando tiver convicção completa da sua própria indignidade. Não somos dignos de sermos salvos; se o fôssemos, a salvação seria dívida e não graça. Não somos dignos de receber nada de bom da mão de um Deus ultrajado; se fôssemos, apelaríamos à justiça, e a misericórdia não seria necessária. Vamos nos curvar diante do Senhor e reconhecer que somente ele é Rei. Confessemos que nada merecemos senão a ira divina.

Se vingança repentina o meu hálito cortar,
Deverei, na morte, justo te declarar;
E se minha alma mandada ao inferno decretar,
Tua lei justa esse fato há de aprovar.

Certamente é assim, e por isso não fazemos reivindicação, mas simples-mente exclamamos: "Ó Deus, tem misericórdia de mim."

Além disso, esse estado de mente deixa o homem apaixonado com a simples Palavra de Deus. Esse homem, porque ele não era digno, não pediu da parte de Cristo qualquer palavra mística ou cerimônia imponente, e nem sequer uma visita à sua casa. Pelo contrário, ficou contente quando o Senhor falou a palavra. Nossa natureza humana orgulhosa suspira tanto pelos ornamentos e pela pompa; gostaríamos de ir para o céu por alguma estrada real, ou por algum caminho brilhante; queremos ser salvos com acompanhamento musical, e aperfeiçoados por parafernália. Gostaríamos de ser perdoados; mas fazemos questão de um sacerdote visível com paramentos canônicos; e exigimos um altar enfeitado com uma exibição de velas em plena luz do dia. Desejamos bugigangas para esconderem nossa humilhação de sermos salvos pela pura graça. Mas a alma que sente sua própria indignidade exclama: "Senhor, salva-me da tua própria maneira. A tua palavra me basta. Fala a palavra de ordem, e ela é suficiente para mim." Lemos: "Ele enviou sua palavra, e os sarou"; e um senso da nossa própria falta de merecimento nos deixará satisfeitos por sermos salvos dessa maneira tão simples. As almas humildes amam um evangelho singelo. Sei como são algumas pessoas: lêem um livro que contém a mensagem do evangelho e, porque é muito simples, dizem: "Isso servirá para minha empregadinha, ou para o lavrador no meu campo"; mas para si mesmos, procuram alguma coisa mais difícil de ser entendida e, como consequência, mas lisonjeadora para o seu orgulho. Muitas pessoas gostam de um pregador que pode complicar o evangelho; a linguagem clara as ofende. Na nossa geração, temos muitos pregadores. Certas pessoas, ao escutarem aquilo que não compreendem, dizem, com fervor: "Que sermão maravilhoso! Deleito-me com um homem de cultura, que levanta o estilo da pregação acima do nível daquilo que as classes inferiores podem entender." São tantos os que falam assim! Quanto mais clara a Palavra, tanto mais provavelmente seja a palavra de Deus. Paulo disse: "Visto que temos este ministério, mostramos muita confiança [ou: clareza de linguagem] (2Co 4.1 e 4.1). O evangelho não foi enviado ao mundo em favor da elite, para as poucas almas selecionadas que lêem as críticas literárias. O evangelho foi enviado ao mundo para "todas as pessoas"; e já que é para todas as pessoas, precisa ser tão claro que até mesmo os analfabetos possam compreendê-lo, e as pessoas com educação mais reduzida, ou mesmo com nenhuma, possam captá-lo. Você, douto cavalheiro, talvez deseje um evangelho que apenas meia dúzia de pessoas possa compreender; mas eu gosto da salvação comum, das boas novas para a multidão, da escrita que quem passa correndo possa ler. Vocês, com sua candura e humanitarismo, não reconhecem que é bom que o evangelho seja simples para os pobres e os analfabetos, já que precisam da salvação tanto quanto os cultos? Eu queria que Deus nos desse um senso da nossa indignidade, a ponto de nos fazer descer dos pináculos do templo da vaidade, onde ficamos em mútua admiração, mas passando pelo terrível perigo de uma queda. Quem dera a sabedoria celestial nos tornasse tão dispostos a sermos salvos como os pecadores comuns, dispostos a não exigir que Cristo venha a nossa casa, mas a deixar que ele dê a palavra de ordem mediante a qual o milagre da graça seja realizado!

Agora, amados amigos, deixo essa questão, depois de a expressar assim - Vocês conhecem a sua própria indignidade? Não pergunto se já foram torturados por terrores, nem se foram atormentados por dúvidas, nem se ficaram afogados no desespero - pode ser que isso tenha acontecido. Mas vocês estão dispostos a concordar que não são dignos, que a sentença de condenação pode ser declarada contra vocês com toda a justiça, e que, se é para vocês serem salvos, terá de ser exclusivamente pela livre graça?

II. Mas agora, vamos demonstrar que esse senso de indignidade pode ser empregado erroneamente.

Ali está uma pessoa que exclama: "Ouço o evangelho, mas não posso acreditar que ele é para mim. Não posso imaginar que eu seja alvo do perdão gratuito e da aceitação graciosa." Amigo, por que não? "Pois bem, eu não mereço." Escute! Existe um homem na Terra que não seja indigno? Ouçam as palavras de Jesus: "Vão pelo mundo todo e preguem o evangelho a todas as pessoas. Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado." Não fomos enviados a todas as pessoas dignas e merecedoras, mas a "todas as pessoas", dignas ou indignas. Você não é uma pessoa? Pois bem, o evangelho deve ser pregado para você. E você acha que a intenção de Deus é que o evangelho seja pregado apenas como formalidade ou como uma farsa? O evangelho não se relaciona com você? Quando você crê e é batizado segundo o mandamento divino, será que Deus diz: "Nunca pretendia que essa promessa fosse para você"? É uma coisa horrível pensar assim. É um pecado sério imaginar que o Senhor fugirá de cumprir a sua palavra. Você é indigno, reconhecemos esse fato, mas isso não torna Deus falso? Você é indigno, mais indigno do que você tem consciência; mas isso comprova que Deus não é leal? Ele vai tantalizar os homens enviando um evangelho que não lhes é destinado? Ele colocará a salvação diante deles e os mandará crer em Jesus para recebê-la se, por outro lado, ele não tem a mínima intenção de cumprir as condições determinadas pelo próprio Deus? Pare com isso! Vou acompanhar você até onde você quiser na sua confissão da sua própria indignidade; mas não posso tolerar que defina Deus como indigno somente porque você é indigno. Ele cumprirá a sua palavra por mais falso que você seja, e toda alma que crê em Cristo Jesus receberá a vida eterna.

Já vi esse mesmo mal surgir na forma de dúvida quanto à misericórdia de Deus. Quando o pecado de alguém parece muito grande, ele tende a dizer: "Deus não pode ter misericórdia de mim." Podemos conceder que você seja o principal dos pecadores, se você se sentir assim; mas não podemos permitir que você negue a onipotência de Deus. Você é tristemente indigno; mas é nos indignos que a graça acha sua esfera de operação, e você não deve limitar o poder daquela graça que vem aos homens mediante Cristo Jesus. O Senhor se deleita na misericórdia; e você duvida disso? Você ousa dizer que ele não pode ter misericórdia de quem ele quer ter misericórdia? Ora, esse conceito nega a totalidade do conteúdo das Escrituras, onde, em todo lugar, Jesus nos declara que "Todo pecado e blasfêmia serão perdoados aos homens" (Mt 12.31). Ele testifica que "O sangue de Jesus Cristo seu Filho nos purifica de todo o pecado". Você nega isso? Ele declara expressamente: "Embora os seus pecados sejam vermelhos como escarlate, eles se tornarão brancos como a neve; embora sejam rubros como púrpura, como a lã se tornarão" (Is 1.18). Você conhece essas promessas; você quer desmenti-las, e assim fazer de Deus um mentiroso? A sua indignidade não poderá ser usada como argumento para negar o atributo glorioso de Deus, que é a misericórdia. Ele diz mesmo: "Que o ímpio abandone o seu caminho, e o homem mau, os seus pensamentos. Volte-se ele para o SENHOR, que terá misericórdia dele; volte-se o nosso Deus, pois ele dá de bom grado o seu perdão" (Is 55.7). Quem é verdadeiro: você ou Deus? Você pode ter certeza de que a mentira não está com ele; mas agora, agora mesmo, creia que sua misericórdia dura para sempre, e que onde o pecado ficou abundante, a graça ficou muito mais abundante.

Algumas pobres criaturas chegaram mesmo ao ponto de duvidar do sangue de Jesus para purificá-las. Se você falar assim, precisarei tampar a sua boca com a minha mão; você não deverá falar mais uma palavra desse tipo. Não basta você ter se maculado com pecados? E agora precisa caluniar o seu Salvador? Vai pisotear o sangue de Cristo? Vai negar o poder do sangue para purificar? Posto que Jesus era tanto Deus quanto homem, o sacrifício de nosso Senhor tem virtude infinita; por isso, não podemos tolerar que você, por mais culpado que seja, acrescente a todos os seus crimes anteriores essa suprema iniquidade mesquinha de acusar o sangue de Cristo de ser destituído da capacidade de purificar. Você vai desmentir Deus no que diz respeito ao seu próprio Filho? Ó cavalheiros, se perecerem, não será porque o sangue não tem eficácia, mas porque vocês não creram no nome do Filho de Deus e não quiseram vir até ele para terem a vida eterna.

Já ficamos sabendo de pessoas em profunda aflição duvidarem da promessa de Deus. Deixaram de lado uma promessa grande e segura, que obviamente pertencia a elas, e disseram: "É bom demais para ser verdade. Não posso crer nisso, porque sou muito indigno." De novo, adoto o mesmo modo de responder: você pode ser mentiroso, mas não transforme Deus em um mentiroso. Talvez você tenha feito muitas promessas, que não cumpriu, mas não acuse Deus de fazer a mesma coisa. Você prometeu que faria alguma coisa, mais outra, e se esqueceu do seu compromisso e lançou suas promessas no esquecimento; mas não imagine, de jeito nenhum, que Deus fará a mesma coisa. Deus não é homem para que minta. Ó homem, imploro-lhe: mesmo que se sinta como se estivesse à beira do inferno, não duvide da fidelidade de Deus com a sua promessa; não lance dúvidas na fidelidade dele - isso seria uma maldade atroz. Às vezes, sinta a convicção de que, mesmo estando per-dido, ainda deve continuar crendo que Deus é verdadeiro. "Mesmo que ele me mate, ainda confiarei nele (Jó 13.15)". Agora mesmo: aplique a espada fatal ao meu pescoço desnudado, e que eu morra da maneira que mereço, mas continuarei crendo que Deus é bom e verdadeiro. Ó Senhor Deus, tu cumpres a tua palavra! Querido, aceite mesmo a promessa de Deus no senti-do em que ela foi feita e creia nela. Suponhamos que alguém se confiasse a Cristo para a sua salvação, e acreditasse que Deus o salvasse por isso mesmo e, apesar disso, não fosse salvo; como ficaria a situação? Não vou supor um caso assim; mas aguardarei até você me apresentar uma ocorrência genuína desse tipo, e então considerarei como responder a isso. Ora, se uma alma que confiasse na promessa de Deus, e fugisse a Cristo, buscando refúgio, pudesse ser lançada no inferno, as legiões do abismo infernal a exibiriam como troféu da sua vitória contra Deus. Elas carregariam essa alma nas costas e gritariam: "Aqui temos a comprovação de que Deus pode mentir. Aqui está a prova de que o sangue de Cristo deixou de salvar um crente. Aqui temos um pecador que confiou em Deus e, depois de tudo, foi perdido, de modo totalmente contrário à aliança de Deus e ao juramento divino!" Você acha que semelhante coisa pode mesmo acontecer? Não deixe que semelhante idéia tão blasfema seja tolerada na sua mente por um momento sequer. Aceite a promessa por ser proveniente de Deus, por ser, portanto, certamente verdadeira; simplesmente creia nela, e seja feliz.

Alguns, por serem indignos, negariam ao Senhor Jesus o prazer de salvá-los. Quando Cato se suicidou, César ficou triste porque Cato não queria lhe conceder a glória de salvar a sua vida. Talvez se Cato tivesse sabido o que César teria dito, não tivesse agido tão rapidamente com a sua espada. Amados, vocês vão negar a Cristo o prazer de perdoar vocês? Querem ir ao inferno a fim de despeitar a Jesus por não o deixarem salvá-los? Vocês vão olhar direto para o Pai Eterno e expressar um ódio tão maligno e se aventurarem a dizer "Prefiro ser condenado eternamente a ser salvo pela graça de Deus"? Não posso acreditar nisso. Por certo, você não é tão louco assim! Deixe disso! Se desejar, use a pior linguagem a respeito de si mesmo: retrata-se quase como um demônio, e pouco melhor do que o diabo, se você assim quiser; pode varrer o inferno inteiro à procura de epítetos, se quiser, com os quais possa expor seu próprio pecado e desgraça; mas, peço-lhe, não toque em Deus, não negue a sua misericórdia, não duvide da sua fidelidade, não recuse o seu amor, mas submeta-se à sua graça salvífica. Lembre-se de como os mensageiros sírios observaram com diligência se alguma declaração seria feita pelo rei de Israel; e quando Acabe disse "Ele é meu irmão" captaram rapidamente essa expressão e disseram "Seu irmão Ben-Hadade". Quem dera você captasse rapidamente a palavra da graça, pois uma só palavra pode bastar para lhe trazer consolação! Lembre-se de como os ninevitas, quando Jonas pregou para eles, arrependeram-se com pouca esperança, como quem diz "Quem sabe?" Não possuíam uma única palavra de promessa para confirmá-los na sua confiança, mas se arriscaram com o seguinte: "Talvez Deus se arrependa e abandone a sua ira, e não sejamos destruídos?" (Jn 3.9). Venha, querido, capte o mínimo sinal de esperança. Tenho um receptáculo para os raios solares, assim como você o tem para as pedras de granizo. Segure-se com firmeza nas doces palavras que Deus tem dito, creia que sejam verdadeiras, e arrisque todo com elas. Você nunca poderá crer, a respeito de Deus, coisa melhor do que ele seja.

Lamentavelmente, existem algumas pessoas cujo senso da sua própria indignidade se transforma em rebeldia carrancuda. Não vou falar com severidade contra elas; mas sei de algumas que frequentam esses átrios, a respeito dos quais devo dizer que são seus próprios carcereiros. Assim como certa pessoa, na Antiguidade, eles precisam confessar: "Minha alma se recusou a ser consolada." Existe outra passagem no salmo, que diz: "Sentiram repugnância por toda comida" (Sl 107.18). Quais eram essas pessoas? Davi disse que eram tolas. Não vou dizer tudo isso, caros amigos, a respeito de qualquer um de vocês; mas receio que, se o dissesse, seria a verdade. Quem recusa todos os tipos de comida provavelmente morrerá de fome; e quem será culpado por isso? Se você recusar o pão da vida, poderemos sentir dó de você se morrer de fome? Se você repudiar a única e exclusiva salvação, isso será suicídio, tanto quanto se você tivesse se esfaqueado no coração. Você vai fazer isso? Vai exclamar: "Serei perdido; sei que sim. Não há proveito em pregar a mim; não vale a pena orar por mim!" Meu caro amigo, você realmente vai se entregar assim de modo tão absurdo, enquanto ainda está na terra da esperança? Aqui, você está sentado na masmorra, e eu compareço diante de você com um indulto gratuito; você não quer aceitá-lo? É para dar para quem o pede; você não quer pedi-lo. Vou lhe dizer com toda a seriedade que se permanecer obstinado, dentro em breve haverá uma corda no seu pescoço, e você receberá a devida paga pelos seus pecados e pela sua estultícia. O quê!? Você ainda exclama que é tão indigno! Sabemos disso; porém, um indulto gratuito é outorgado a você - é só você aceitá-lo. "Oh, mas sinto terrivelmente a minha indignidade!" Uma pessoa aceitaria ser enforcado a despeito da clemência da nossa graciosa Rainha? Ela optaria por ser executada porque se sentia indigna de ser perdoada? Você irá à perdição porque não se sente digno de ser salvo? Homem de Deus!, se eu fosse você, não diria nada contra a graça que me oferecesse a salvação, mas aceitaria o perdão amoroso e a terna misericórdia do meu Senhor. Acho que não me cabe pleitear em favor da minha própria condenação. Entre o diabo e eu, já houve muitas escaramuças; e se houver alguma coisa a ser dita contra a minha salvação, não tenho a mínima dúvida de que o diabo fará questão especial de dizê-la. Por isso, não vou entrar nesse ramo de negócios; Satanás fará todo o possível nesse sentido. Acho muito mais proveitoso catar todas as migalhas de consolo que consigo descobrir, na forma de razões pelas quais eu deva ser salvo. Ao ler a Palavra, acho que essas razões são tão abundantes quanto as amoras no outono. Deus tem dito, e eu creio: "Quem crê em mim tem a vida eterna." Creio em Jesus, e tenho a vida eterna. Sim, todos nós podemos compartilhar esse grito, e bendito seja Deus pelo seu amor gratuito que abundou conosco, amor este que temos visto e conhecido, provado e tocado. Poderíamos todos participar de uma única aleluia prolongada e fazer as ruas ressoarem com as palavras: "Bendito seja o nome do Senhor." Mas as pobres pessoas nas quais estou pesando ficam sentadas, e roem as unhas, mastigam os lábios e choram até estragar os olhos, mas nunca progridem, nem sequer um centímetro em direção a única bênção que necessitam acima de todas as coisas. Quero advertir tais pessoas. Lembrese de que um homem pode se suicidar realmente ao se recusar a comer ou ao ingerir veneno; e você pode destruir sua própria alma ao recusar a Cristo de modo tão certeiro e culposo como se tivesse se lançado numa rebelião aberta contra o Senhor Deus, ou tivesse chegado a excessos de pândegas. Peço-lhe que pense nisso.

III. Mas agora, em terceiro lugar - e estou contente em passar para este assunto muito mais agradável -, um senso de indignidade tem uma companheira digna na forte fé em Cristo.

Vejam bem, em primeiro lugar: se você tiver confiança em você mesmo, aquela parte do eu é preenchida; mas se não tiver nenhuma confiança em você mesmo, sua alma fica sendo um único grande vácuo, e dá para você conter tanto mais de Cristo. Quanto maior o vazio, tanto mais espaço existe para Cristo, que deve ser a plenitude. Se não tiver a mínima razão por que você deva ser salvo, a não ser a livre graça de Deus em Cristo, aceite essa livre graça, aqui e agora. Deus ajuda você a agir assim, e que nada impeça você! Creia tanto mais em Cristo porque não pode crer em você mesmo, ainda que seja em grau mínimo.

Além disso, aquele que tem um conceito humilde de si mesmo está em posição de vantagem para receber a verdade salvífica. Quem tem conceitos corretos a respeito de si mesmo também tem a probabilidade de descobrir a verdade no tocante ao Senhor Jesus e às bênçãos segundo a aliança, que nos provêm por meio dele. Tudo depende da medida com a qual calculamos. Se você tiver um metro curto demais, ou longo demais, tudo será inexato de modo proporcional com seu padrão de medição. Quando você tiver a medida certa da sua própria condição perdida, arruinada e desfeita, você não demorará em receber a medida certa quanto à graça e à capacidade do Filho de Deus, que é poderoso para salvar até às últimas consequências aqueles que chegam a Deus por meio dele. Jesus é um Salvador onipotente; não existe nenhum crime horrível, nenhum delito indizível, nenhum pecado merecedor da perdição, que Jesus não possa vencer e remover: "Todo o poder é dado a ele" e no âmbito da salvação ele é Rei dos reis, e Senhor dos senhores, e nada pode resistir ao seu domínio. Você crê nisso? Se for assim, confie-se a ele agora, e no momento em que você o fizer, passará da morte para a vida.

Esse homem, por ser tão humilde, não tinha a presunção para questionar e duvidar. Na maioria dos casos, a dúvida é filha da soberba. Imagine um homem criticando a Deus! É possível que Jó tivesse feito assim enquanto o que sabia a respeito de Deus dependia daquilo que seus ouvidos tinham escutado; mas quando seus olhos viram a Deus, ele se aborreceu em pano de saco e em cinzas. Como ousamos levantar objeções contra o modo de Deus salvar os culpados! É impertinência! É loucura!

Essa estimativa humilde de si mesmo levou o centurião a deixar de tentar dar ordens a Jesus sobre o modo de a bênção ser outorgada. Muitíssimas pessoas que ficamos conhecendo estão sempre mapeando itinerários para o Espírito Santo seguir. Estariam satisfeitas em ser salvas, se pudessem ser salvas de determinado modo. Crerão no caso de verem sinais e milagres, mas não de outra forma. Sua paz deve vir do modo que selecionaram, e de nenhum outro; já resolveram como a questão deve ser solucionada. O centurião poderia ter dito: "Senhor, vem para debaixo do meu teto, e então crerei. O sinal da tua presença me dará certeza." Ele nem pediu sinais, nem maravilhas, nem consolações.

Muitos entre vocês aqui estão aguardando até terem um sentimento singular ou terem uma visão estranha, ou passarem por uma experiência estranha; vocês não conseguem crer na palavra singela de Cristo; são orgulhosos demais para serem salvos exclusivamente por ela. Ó meus ouvintes, se o Senhor lhes mostrar sua total indignidade, vocês estarão dispostos a serem salvos do modo mais singelo. Então, não pedirão nada mais do que uma única coisa: "Senhor, salva, senão eu pereço." Se Cristo tivesse chegado à casa do centurião, este teria tido uma experiência notável; teria sido estranho um soldado romano hospedar o Salvador do mundo; mas ele não pediu essa experiência notável nem essa honra específica. Vocês lêem biografias evangélicas ou ouvem crentes contar como foram salvos, e selecionam certos aspectos memoráveis e dizem: "Se eu chegar a sentir isso, ou a ver aquilo, crerei em Cristo; mas, de outra forma, não." Parece, dessa forma, que o Senhor deve curvar-se diante da sua vontade e não fazer o que ele considera certo. A verdade é que o vento sopra para onde quer, e nenhuma ordem ditada por nós pesará na balança do Espírito livre ou com o Salvador soberano.

Se Cristo tivesse chegado à casa do homem, teria havido grande alegria nisso; mas ele não pediu essa alegria. Alguns não querem crer no Senhor Jesus a não ser que sintam grandes arrebatamentos; mas, caro amigo, é certo resolver que se você não sentir nenhuma alegria, você não crerá nele? Pelo contrário, se você andar nas trevas e não enxergar a luz, confie no Senhor. Se tudo o que há dentro de você parece ser contrário à sua salvação, creia em Cristo, e você está salvo; se todo poder e toda paixão da sua natureza considerarem-no perdido, você não está perdido se depender somente da palavra do Senhor Jesus Cristo.

O homem chegara a ter tamanha humildade que se satisfez com uma palavra apenas. "Mas dize apenas uma palavra, e o meu servo será curado." Devemos chegar até esse ponto. Você está satisfeito em crer na palavra de Deus, apenas, e em ser salvo pela palavra de Deus somente? Você creria de imediato se eu operasse um milagre, não é verdade? Em que você creria? Você creria em mim; e posto que não quero que você creia em mim, mas em Cristo, não operarei nenhum milagre. Oh, mas se você pudesse sentir alguma emoção muito singular, você creria. Em que você creria? Ora, na emoção singular, e em nada mais. Você não creria na Palavra de Deus. Quem não consegue crer na Palavra de Deus sem maravilhas realmente fixa sua crença nas maravilhas, e não na Palavra de Deus. Aceite a pura palavra de Deus, que é a seguinte: "Creia no Senhor Jesus Cristo, e você será salvo." Mesmo que você nem suspire nem cante, embora nunca tenha sonhos nem dúvidas, e sem receber grande consolação nem convicções intensas, creia em Jesus! Por mais pecaminoso e indigno que você seja, diga: "Esta é toda a minha salvação e todo o meu desejo. Aceito o Senhor Jesus como tudo o que há na vida!"

E, afinal, semelhante fé é a maior fé, pois o Senhor Jesus disse: "Não encontrei em Israel ninguém com tamanha fé." Certo homem se coloca em pé, e conta a você o fundamento da confiança que ele tem, e você fica sabendo que em determinada ocasião ele ouviu uma voz, ou que em uma noite ele teve determinado sonho, ou que durante certos meses ele passava por uma experiência pavorosa de medo do inferno, ou que durante outro período ele sentia tamanha alegria que ficou totalmente arrebatado. Não tenha menos estima pelo crente que diz: "Minha experiência é somente esta:

"Sou um miserável que nada vale pecador,
Mas Jesus Cristo é meu tudo em tudo, o Salvador."

A experiência deste último homem contém menos escórias. Vejo escrito no Livro infalível que se eu confiar no Senhor Jesus, ele cumprirá em mim o seu papel de Salvador. Confiei nele, e ele me salvou. "É só este o testemunho que você tem?", pergunta alguém. O que mais preciso como testemunho? Poderei mencionar, talvez, certos incidentes que acompanharam a minha conversão; mas estes não são a minha esperança. Não coloco minha confiança em qualquer coisa que eu tenha pensado, ou visto, ou sentido. Se alguém pudesse comprovar que eu nunca vi, e nunca senti, e nunca ouvi nada disso, isso não me preocuparia, porque uma coisa sei - sei que ouvi aquele texto: "Voltem-se para mim e sejam salvos, todos vocês, confins da terra", e olhei e fui salvo. E além do mais, se porventura eu não olhei então, e não fui salvo então, não me vale dois tostões contestar a questão, pois estou olhando agora e por isso estou salvo. Este é o consolo: não precisamos depender de uma fé passada, mas devemos continuar crendo. Olhando sempre para Jesus; chegando sempre para ele: esta é a condição certa para se ter paz. Se eu descanso em Cristo todos os dias, o fruto daquela crença será visto todos os dias. Preciso não somente crer em Jesus, mas continuar crendo sem cessar. Deus ajude você a fazer assim! Coloque, lado a lado com um profundo senso de indignidade, alto apreço do poder de Cristo para purificar você do pecado, e torná-lo santo, assim como Deus é santo. Progrida nessas duas coisas. Elas não serão como as pernas dos mancos, que não são iguais; pelo contrário, serão bem iguais no efeito feliz que terão sobre a sua vida. Abaixo o próprio eu, e que Cristo seja exaltado!

E assim, enquanto me afundo, minhas alegrias subirão
Incomensuravelmente altas irão.