"Eles foram para Betsaida, e algumas pessoas trouxeram um cego a Jesus, suplicando-lhe que tocasse nele. Ele tomou o cego pela mão e o levou para fora do povoado. Depois de cuspir nos olhos do homem e impor-lhe as mãos, Jesus perguntou: 'Você está vendo alguma coisa?' Ele levantou os olhos e disse: 'Vejo pessoas; elas parecem árvores andando'. Mais uma vez, Jesus colocou as mãos sobre os olhos do homem. Então seus olhos foram abertos, e sua vista lhe foi restaurada, e ele via tudo claramente" (Mc 8.22-25).
Nosso Salvador muitas vezes curava os enfermos mediante um toque, pois pretendia nos impressionar com a verdade de que as fraquezas da humanidade caída somente podem ser removidas mediante o contato com sua humanidade abençoada. Ele tinha, no entanto, outras lições para ensinar, e por isso também adotou outros meios de atuação na cura de enfermos. Além disso, era vantajoso, por outras razões, manifestar certa variedade nos seus métodos. Se nosso Senhor tivesse lançado todos os seus milagres em um único molde, os homens teriam atribuído importância indevida à maneira de ele ter agido e, supersticiosamente, dariam mais valor ao método que ao poder divino mediante o qual o milagre foi operado. Por isso, nosso Mestre nos apresenta grande variedade na forma dos milagres.
Embora sempre transbordem com a mesma bondade, e demonstrem a mesma sabedoria e o mesmo poder, o Mestre toma o cuidado de tornar cada milagre distinto do outro, a fim de contemplarmos a multiforme bondade de Deus, e não imaginarmos que o Salvador divino esteja tão destituído de métodos a ponto de precisar se repetir. É pecado dominante da nossa natureza carnal ficarmos no que é visto e nos esquecermos do que não se vê; daí, o Senhor Jesus muda o modo externo de operar, a fim de deixar claro que ele não está limitado a qualquer método específico de curar, e que a operação exterior não é nada em si mesma. Ele queria que compreendêssemos que se ele optasse por curar mediante um toque, também poderia curar com uma palavra; e se ele curava com uma palavra, poderia até dispensar a palavra, e atuar por meio da sua simples vontade; que o simples olhar era tão eficaz quanto o toque da sua mão, e que, mesmo sem estar visivelmente presente, sua presença invisível poderia operar o milagre, mesmo à distância.
No caso que aqui estudamos, o Salvador variou sua prática freqüente, não só no método da cura, como na natureza dela. Na maioria dos milagres do Salvador, a pessoa curada era restaurada de imediato. Lemos a respeito do surdo-mudo cuja boca foi aberta e, o que era mais notável para quem nunca antes ouvira um som, falou com clareza, e assim recebeu o dom da linguagem além da capacidade de fazer sons articulados. Em outros casos, a febre deixou o paciente de imediato, a lepra foi totalmente curada ali mesmo, e a hemorragia foi estancada; mas aqui "o médico amado" foi trabalhando com menos pressa, e apenas outorgou parte da bênção no início, e fez uma pausa no meio, para levar o paciente a considerar o quanto fora concedido, e o quanto estava retido, para então, mediante a segunda operação, aperfeiçoar a boa obra. Talvez a atuação de nosso Senhor, nesse caso, fosse orientada, não somente pelo desejo de tornar distinto cada milagre, para as pessoas não imaginarem que, tal como um mágico, ele possuía um único modo de operar; mas pode ter sido sugerido pela forma específica da doença, e da enfermidade espiritual tipificada. Jesus teria raramente curado determinadas doenças por etapas; parecia necessário desferir um golpe decisivo e acabar com elas.
Expulsar um demônio, por exemplo, teria que ser levado inteiramente a efeito, senão, a obra não teria sido realizada, e o leproso permanece leproso se ficar uma única mancha. É possível, no entanto, curar a cegueira por etapas, e dar uns poucos vislumbres de início, para depois derramar sobre os globos oculares a plena luz do dia; talvez fosse necessário, em alguns casos, realizar paulatinamente a cura, a fim de que o nervo ótico se acostumasse à luz. Visto que o olho simboliza o entendimento, é muito possível, ou até mesmo comum, sanear paulatinamente o entendimento humano. A vontade precisa ser transformada de imediato; as emoções devem ser redirecionadas instantaneamente; a maioria dos poderes da natureza humana precisam experimentar uma mudança distinta e completa; mas o entendimento pode ser esclarecido por um longo processo de iluminação. O coração de pedra não pode ser amolecido de forma gradual, mas deve instantaneamente ser transformado em coração de carne; mas no caso do entendimento, porém, não é necessariamente assim. As faculdades do raciocínio podem ser paulatinamente colocadas no equilíbrio e na ordem certos.
A alma pode receber, de início, uma percepção leve da verdade, e ali pode repousar com segurança comparativa; depois, pode chegar a apreender mais claramente a mente do Espírito, e naquele grau de luz pode permanecer sem perigo sério, mas não sem alguma perda; pode ser descrita como se enxergasse, mas não vendo à distância; e depois, a restauração final do entendimento pode ser reservada para a experiência mais madura. É provável que a vista espiritual, na perfeição total, nunca nos seja outorgada antes de entrarmos na luz para a qual o estado espiritual se prepara; a saber: a glória daquele local onde não há necessidade de candeia, nem da luz do sol, pois o Senhor Deus os ilumina. O milagre diante de nós retrata a cura progressiva do entendimento obscurecido. Esse milagre não serve de quadro da restauração do pecador deliberado, para ele sair do erro do seu caminho, ou de fazer o pervertido e depravado da imundícia das suas vidas; é o retrato da alma que está nas trevas ser gradualmente iluminada pelo Espírito Santo, e levada por Jesus Cristo para a clara luz do seu Reino.
Nesta manhã, tendo a impressão de que muitas almas estão semi-iluminadas, irei, com a ajuda do Espírito Santo, retratar o caso; depois, destacaremos os meios da cura; em terceiro lugar, faremos uma pausa para considerar a etapa da esperança; e no fim, terminaremos ao mencionar brevemente como a cura ficou completa.
I. Primeiro, devemos retratar o caso. É um exemplo de um caso muito comum hoje em dia; muito comum, certamente, entre os novos acréscimos a essa congregação; isso porque estão chegando até nós muitas pessoas que estavam espiritualmente cegas na parte anterior da sua vida, tendo sido freqüentadores formais das igrejas oficiais, ou religiosas formais e inflexíveis das congregações independentes.
Observem cuidadosamente o caso em pauta. Não é o tipo de pessoa que possa ser simbolizada por um endemoninhado. O endemoninhado esbraveja, enfurece-se, é perigoso para a sociedade, precisa ser preso com correntes, ser vigiado e guardado, pois ferirá a si mesmo e lesará o próximo; mas este cego é totalmente inócuo. Não deseja lesar o próximo, não tem a probabilidade de ser violento consigo mesmo. É sóbrio, firme, honesto, bondoso, e seu mal espiritual pode despertar nossa compaixão, mas não o medo. Se essas pessoas não iluminadas se associam com o povo de Deus, não ficam raivosas e enfurecidas contra os santos, mas os respeitam e amam seu convívio. Não odeiam a cruz de Cristo; de sua maneira pobre e cega, até mesmo o amam. Não são perseguidores, críticos nem zombadores, nem correm desesperadamente pelo caminho da iniqüidade; pelo contrário, embora não consigam enxergar as coisas de Deus, conseguem tatear seu caminho ao longo das sendas da moralidade, de modo muito admirável, e assim, em muitos aspectos, podem até mesmo ser exemplos para os que conseguem ver. Além disso, o caso diante de nós não é de uma pessoa maculada com uma doença contagiosa, imunda e repugnante como a lepra. O leproso precisa ser afastado; precisa haver um lugar reservado para ele, pois contamina todas as pessoas com quem mantém contato. Não é assim esse cego que vem ao Salvador. É cego, mais não cega os outros. Se ele convive com outros cegos, não aumenta a cegueira deles, e se entra em contato com os que conseguem ver, não prejudica a visão deles de nenhuma forma; estes, talvez, poderão até mesmo derivar algum benefício da associação com ele, pois são levados a sentir gratidão pela visão que possuem, ao notar as trevas em que o cego está tão tristemente envolvido. Não é, portanto, o caso de uma pessoa de vida libidinosa ou de conversa imunda; não, de modo algum, o caso de um homem que corromperia os filhos de vocês, que os levaria ao pecado.
As pessoas não iluminadas das quais falamos são benquistas nas nossas famílias, e de forma correta assim, porque não disseminam doutrinas injuriosas, não apresentam maus exemplos, e mesmo quando falam de coisas espirituais, nos levam a sentir dó delas por saberem tão pouco, e ficamos gratos a Deus porque ele nos abriu os olhos para contemplarmos as coisas maravilhosas da sua Palavra. Nem abominam a Deus para se enfurecerem contra ele, nem vivem de modo imundo, a ponto de lesar a raça humana; essas pessoas nem têm incapacidade em qualquer aspecto, senão em um único órgão: o olho da mente; é o entendimento que está obscurecido; mas quanto aos demais sentidos, essas pessoas que agora retrato são esperançosas, até mesmo saudáveis. Não estão totalmente surdas, pois escutam o evangelho com prazer considerável e com atenção sincera. É verdade que não o compreendem com clareza; é muito mais a parte da letra que assimilam, mas o espírito, em grau bem menor; mesmo assim, estão escutando, e se encontram em condições de obter uma bênção maior, pois "a fé vem pelo ouvir, e o ouvir pela Palavra de Deus" (Rm 10.17, RA).
E, além disso, de certa maneira, tampouco são mudas, pois realmente oram, do jeito delas. É verdade que sua oração é pouco espiritual, mas não deixa de possuir certa sinceridade que não deve ser desprezada. Eles freqüentam locais de culto desde a juventude, e nunca negligenciaram as formas externas da religião. Infelizmente para elas, permanecem cegas! Mas são muito desejosas de escutar e de orar, e esperamos que ainda consigam fazer ambos; não são, portanto, totalmente surdas ou mudas. Além disso, não parecem estar incapacitadas em outros aspectos. A mão não está ressequida -- o caso de um enfermo que Cristo ficou conhecendo na sinagoga. Nem estão encurvadas pela dolorosa depressão de espírito, como aquela filha de Abraão que ficara encurvada durante muitos anos. Estão animadas e diligentes nos caminhos do Senhor. Se a causa de Deus precisar de cooperação, estão prontas a cooperar e, embora, em razão da perda dos olhos espirituais, não possam entrar na plena alegria das coisas divinas, não deixam de estar entre as pessoas mais dispostas que conhecemos, para ajudar em qualquer boa causa; não por conseguirem compreender plenamente o espírito dessa causa, nem por conseguirem participar desse espírito porque, em razão da cegueira natural, isso lhes é coisa estranha; mesmo assim, opera-se nelas algo muito belo e esperançoso, porque anseiam, dentro das suas limitações, por ajudar na causa de Cristo.
Com referência a todas as congregações dos crentes, temos um pequeno grupo desse tipo, e no tocante a algumas igrejas cristãs, até entre os membros, na sua maioria, estão em situação bem pouco menor; quanto à instrução, não receberam mais que o mínimo necessário para distinguir a mão esquerda da direita nas questões espirituais. Por falta de ensino doutrinário são deixadas na ignorância, e por não serem apresentadas diante delas palavras de sã doutrina, permanecem quase cegos, incapazes de desfrutar dos belos cenários que animam os olhos do crente iluminado.
II. Agora, devemos examinar o método de cura usado pelo Senhor.
Toda parte do milagre é sugestiva. A primeira coisa a ser observada é a intervenção amiga,-- foram os amigos que levaram o cego até Jesus. Quantos são os que não entendem corretamente a doutrina fundamental do evangelho de Cristo, e precisam da ajuda dos crentes! Sentem certo afeto pela religião na sua forma abstrata, mas não estão plenamente conscientes do que devem fazer a fim de serem salvos. Quanto à grande verdade da substituição, a questão fundamental do evangelho, ainda não a apreenderam. Pouco sabem a respeito de chegar a confiar totalmente no Senhor Jesus com base na satisfação que Jesus prestou à justiça onipotente. Possuem algum tipo de fé, mas seus conhecimentos são tão limitados que a fé lhes confere pouco benefício, ou nenhum. Semelhantes pessoas poderiam ser abençoadas se os cristãos mais adiantados se esforçassem para levá-las ao conhecimento mais claro do Salvador. Por que você não consegue colocar semelhantes almas ao alcance do som do ministério que foi instrutivo para si mesmo? Por que você não pode deixar acessível a eles o livro que foi o meio de abrir os seus olhos? Por que você não pode colocar diante da mente deles o texto das Escrituras, a passagem da Palavra de Deus, que inicialmente iluminou você?
Não seria uma obra muito esperançosa para nós nos ocuparmos--a de procurar os que não são hostis ao evangelho, mas simplesmente o desconhecem, os que têm zelo por Deus, mas não segundo o conhecimento, os que, se alguém lhes pudesse fornecer a luz, então teriam achado a única coisa necessária? Por certo, já que cuidamos dos degradados, dos aviltados, e dos depravados, que poluem nossas praças e ruas pustulentas, devemos com igual zelo buscar os esperançosos que respeitosamente ouvem o som da pregação que não é do evangelho, ou que escutam a Palavra verdadeira, mas não a percebem. Irmãos e irmãs, vocês fariam bem se orassem por eles, e se, ainda, procurassem os excelentes jovens cavalheiros e as amáveis jovens damas, e se esforçassem para responder à pergunta da sua consciência delicada: "Quem dera que soubéssemos onde achá-lo!". Pode ser que, com a ajuda de Deus, este fosse o primeiro passo para receberem a vista espiritual, que vocês cuidassem desses filhos da bruma e da noite.
Quando o cego foi levado diante do Salvador, recebeu primeiramente contato com Jesus, pois Cristo o tomou pela mão. É um dia feliz para a alma quando ela entra em contato pessoal com o Senhor Jesus. Irmãos, quando estamos na condição de incredulidade, ficamos sentados na casa de Deus, e parece-nos que Cristo está distante; ouvimos a seu respeito, mas parece se tratar de quem já foi embora até os palácios de marfim, e que não mais está em nosso meio; e assim ficamos sentados, suspiramos e ansiamos para sentir sua sombra cair sobre nós, ou tocar, por assim dizer, a fímbria das suas vestes; mas quando a alma realmente começa a se firmar em Jesus, quando ele se torna o objeto da atenção, quando sentimos que, afinal, há nele algo a ser agarrado e percebido, que ele não é uma sobra distante e impalpável, mas uma existência genuína--uma existência que tem influência sobre nós, é então que ele nos toma pela mão. Sei que alguns dentre vocês se sentiram assim.
Acontece muitas vezes no dia do Senhor que vocês sentem que devem orar; sentem que o sermão foi feito para vocês; imaginam que alguém tivesse contado ao pregador a respeito de vocês, pois a verdade lhes era tão aplicável--os pormenores do sermão do pregador encaixaram-se perfeitamente com a condição da sua mente: trata-se, segundo penso, do Senhor tomando vocês pela mão. Para vocês, o culto não era só falar e escutar palavras; porém, uma mão misteriosa tocou em vocês, os sentimentos ficaram impressionados, e o coração consciente de emoções específicas provenientes da presença do Salvador. Fica claro que Jesus não entra em nenhum contato físico conosco; trata-se de um contato mental e espiritual; a mente do Senhor Jesus coloca a mão na mente dos pecadores e, mediante o Espírito Santo, influencia com suavidade a alma na direção à santidade e à verdade.
Notem a ação que se seguiu, por sua peculiaridade. O Salvador levou o homem a uma posição solitária, pois o levou para fora da cidade. Já notei que, na conversão de pessoas mais espiritualmente cegas que deliberadamente ímpias, não tão hostis quanto ignorantes, um dos primeiros sinais de se tornarem cristãs, é passarem a ficar a sós e sentirem sua responsabilidade individual. Irmãos, sempre tenho esperança no tocante ao homem que começa a pensar em si mesmo e na condição de ficar sozinho diante de Deus, visto que existem dezenas de milhares na Inglaterra que se consideram parte de uma nação de cristãos e membros por nascimento de uma igreja, e assim nunca se consideram pessoalmente responsáveis diante de Deus. Repetem a confissão do pecado, mas só com a congregação inteira, como parte do culto. Entoam o Te Deum, mas é o louvor geral, e não pessoal. Mas quando um homem é levado, mesmo no meio da congregação, a sentir-se como se estivesse sozinho, quando capta a idéia de que a verdadeira religião é do indivíduo e não da comunidade, e que a confissão do pecado é mais adequada da parte dos lábios dele, mais que da parte de outra pessoa, iniciou-se uma obra graciosa.
Existe esperança até mesmo de os mais cegos alcançarem o entendimento, quando a mente começa a meditar sobre a própria condição e examina suas perspectivas. É um sinal seguro de que o Senhor está lidando bem com você, se ele o levou para fora da cidade; se você agora se esquece das pessoas ao redor e pensa em sua condição diante de Deus. Não chame isso de egoísmo; não passa do tipo de egoísmo que a mais sublime lei da nossa natureza ordena. Todo homem, quando se afoga, precisa pensar em si mesmo, e se é egoísmo justificável tentar preservar a própria vida, muito mais é esforçar-se para escapar da ruína eterna. Depois de ser levada a efeito a própria salvação, você não terá mais necessidade de pensar em si mesmo, mas cuidará da alma dos outros; agora, porém, a sabedoria maior é pensar em si mesmo, na sua situação diante de Deus, e olhar para o Salvador para poder ter a vida eterna. "Ele tomou o cego pela mão e o levou para fora do povoado".
A ação seguinte foi muito estranha; submeteu-o a meios determinados, porém desagradáveis; cuspiu nos seus olhos. O Salvador muitas vezes empregou a saliva como meio de cura; comenta-se que era recomendado pelos médicos da Antigüidade, mas não posso imaginar que a opinião deles tivesse muito valor diante do Senhor que opera milagres. Parece-me que o uso da saliva ligou a abertura dos olhos à boca do Senhor, ou seja: quanto à simbologia, vincula a iluminação do entendimento à verdade que Cristo pronuncia. É claro que a visão espiritual provém da verdade espiritual, e os olhos do entendimento são abertos pela doutrina que Cristo fala. No entanto, parece-me que a associação naturalmente feita com a saliva é a do nojo, e que foi visando a essa reação que o Salvador empregou esse meio. Não passava de saliva, embora fosse saliva da boca do Salvador. E assim também--preste atenção, amigo--, é muito possível que Deus vá abençoá-lo por meio da mesmíssima verdade que você antigamente desprezava, e não seria demasiadamente maravilhoso que Deus o abençoasse por meio do homem contra quem você falou mais amargamente.
Muitas vezes tem agradado a Deus conceder a seus servos ministradores um tipo gracioso de retribuição; muitas e muitas vezes os que ardiam com mais fúria contra os servos de Deus, têm recebido as melhores bênçãos das mãos dos homens que mais desprezavam. Você pode chamá-lo "saliva"; mas nada, a não ser isso, abrirá seus olhos. Você diz: "O evangelho é uma coisa pouco especial"; é por semelhantes coisas comuns que você receberá vida. Você declarou, com zombaria, que determinado homem fala a verdade com estilo grosseiro e vulgar; um dia, você chegará a declarar bendita essa vulgaridade, e ficará bastante contente em receber, mesmo de modo grosseiro, a verdade como seu Mestre o manda falar. Acho que muitos de nós têm notado, ao nos convertermos, que o Senhor castigou nosso orgulho ao dizer: "Os pobres que você criticou tanto serão uma bênção para você, e meu servo contra quem você sentiu mais preconceito será o homem que o levará à perfeita paz". Minha impressão é que mais do que boa parte de tudo isso, ou mesmo tudo, está contido no conceito de o Salvador cuspir nos olhos daquele cego. Nenhum pó medicinal que se compra em loja, nenhuma mirra ou incenso ou droga cura, mas um pouco de saliva; e assim, caro ouvinte, se você quiser ver as coisas profundas de Deus, isso não será por meio dos filósofos, nem dos pensadores profundos dos nossos dias, mas o que lhe diz: "Confie em Cristo e viva", ensina-lhe filosofia melhor que os filósofos, e quem lhe diz que no Senhor Jesus habitam todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento, conta a você, nessa declaração singela, mais do que você aprenderia se Sócrates e Platão ressuscitassem dentre os mortos, e pudesse sentar diante deles como aluno. Jesus Cristo abrirá seus olhos, e será por esse meio pouco distinto: a saliva da sua boca.
Você perceberá ainda, que depois de Jesus ter cuspido nos olhos do cego, colocou suas mãos sobre ele. Jesus fez assim na forma de impetração de bênção celestial? Pela imposição das mãos, Jesus outorgou a esse homem sua bênção, e fez poder fluir da sua pessoa para aquele cego? Acho que sim. Portanto, irmãos, não se trata de saliva, nem de tirar o cego do meio da multidão; não é o ministério, não é a pregação da Palavra, não é a considerada atenção do ouvinte que conquistará bênçãos espirituais; trata-se da bênção do que morreu a favor dos pecadores--é isso que outorga tudo. É Jesus exaltado nas alturas, quem concede arrependimento e remissão do pecado. O desprezado e rejeitado pelos homens, é por meio dele, e dele somente, que a bênção de valor inestimável--a restauração da vista aos cegos--, poderá ser dada aos filhos dos homens. Devemos lançar mão dos meios, sem desprezá-los, nem depender deles. Precisamos ficar a sós com Deus, pois esse recolhimento é uma grande bênção; por fim, devemos levantar nossos olhos para o Senhor e Doador de toda boa dádiva, senão a saliva terá que ser enxugada com nojo, e ficar sozinha só servirá para deixar o cego perder seu caminho de modo mais eficaz, e desencaminhar-se nas trevas com menos compaixão e ajuda.
Esse esboço é a fotografia de algumas pessoas. Acredito que haja pessoas que desde a juventude freqüentam locais de culto sem a mínima percepção de vida espiritual, e que teriam continuado assim se o Senhor, no seu beneplácito, não tivesse levado amigos dessas pessoas, amigos cristãos felizes e animados, que dissessem: "Venha, imagino ser capaz de lhe contar algo que você não conhece". Esses amigos, mediante a oração e o ensino, colocaram vocês em contato com Jesus. Ele tocou em vocês, influenciou sua mente, lhes fez pensar melhor, e perceber a existência na religião de mais que a mera parte externa, levando-os a sentir que freqüentar cultos oficiais ou independentes não era tudo, ou até mesmo não era nada sem vocês terem aprendido o segredo, o verdadeiro segredo da vida eterna.
III. Agora chegamos à terceira questão, e faremos uma pausa breve na etapa esperançosa. O Salvador dera aos olhos do homem a capacidade de ver, mas não removera completamente a película que excluía a luz. Escute o que o homem diz, depois de Jesus lhe falar: "Você está vendo alguma coisa?". O homem levanta os olhos, e a primeira palavra jubilosa é: "Vejo!". Que bênção! "Vejo!" Alguns de vocês, caros amigos, podem dizer isso--"Eu era cego e agora vejo!". Sim, Senhor, agora não estou em trevas totais. Não vejo tanto quanto deveria, nem tanto quanto espero ver, mas estou vendo. Existem muitíssimas coisas a respeito das quais eu nada sabia, e das quais agora sei alguma coisa. O próprio Diabo não consegue me levar a duvidar de que realmente vejo. Sei que estou vendo. Antes, eu ficava bem satisfeito com a forma externa; se conseguisse passar pelos hinos e orações e o restante do culto, sentia-me satisfeito; mas agora, embora sinta que não consigo ver o tanto quanto queria, pelo menos consigo enxergar esse tanto. Se não consigo ver a luz, certamente percebo uma escuridão visível. Se não consigo enxergar a salvação, consigo ver minha ruína. Certamente vejo minhas faltas e necessidades; se não vejo nada mais, a estas estou vendo". Ora, se alguém consegue ver alguma coisa, não importa o quê, ele certamente está dotado de vista. Não importa se o que ele vê é um objeto belo ou uma coisa feia; enxergar qualquer coisa é a comprovação positiva que há visão nos seus olhos. Assim, a percepção espiritual de algo é comprovação de que você tem vida espiritual, quer essa percepção o leve à lástima ou ao regozijo; quer o deixe de coração partido, quer seja curativo para o coração; se você está vendo esse tanto, com certeza tem a capacidade de ver: isto fica bastante claro, não é? Ele diz: "Vejo homens". Isso fica melhor.
Claro que o coitado já tivera a capacidade de ver; senão, não teria reconhecido a forma de um homem. "Vejo pessoas", diz ele. Sim, e aqui temos alguns que têm vista suficiente para distinguir entre uma coisa e outra, e reconhecer um objeto. Embora vocês, em tempos passados, fossem tão cegos como morcegos, ninguém poderia levá-los a acreditar que a regeneração batismal fosse o mesmo que a regeneração da Palavra de Deus; pelo menos entre essas duas coisas, vocês conseguem perceber a diferença. Poderíamos imaginar que qualquer pessoa a perceberia; muitas pessoas, porém, não conseguem. Vocês enxergam a diferença entre a adoração meramente formal e externa, e a adoração espiritual--isto conseguem perceber. Vocês enxergam o suficiente para saber que existe um Salvador, que vocês precisam dele, que o meio da salvação é a fé em Cristo, que a salvação que ele outorga realmente nos salva do pecado, e leva com segurança à eterna glória os que a recebem.
Assim, fica claro que vocês podem ver alguma coisa, e que sabem em certa medida o que ela é. Escutem, no entanto, o cego, pois aqui entra a palavra que, em grande medida, estraga o prazer nisso: "Vejo pessoas, elas parecem árvores, andando". Ele não conseguia distinguir se eram homens ou árvores--só que andavam e, por saber que as árvores não andavam, sabia não se tratar de árvores. Os objetos eram uma mancha confusa diante dos seus olhos. Sabia, pelos movimentos, que seriam homens, mas, pela visão, não poderia discernir com exa-tidão ser eram homens ou árvores. Muitas almas preciosas estão aguardando, nesta etapa esperançosa, porém desconfortável. Pelo menos, podem ver! Bendito seja Deus por isso! Nunca voltarão a ser totalmente cegos! Isso porque, se conseguem enxergar o Homem Jesus, e o madeiro no qual morreu, podem fazer deles um só objeto, se quiserem, porque Cristo e a cruz formam uma unidade. Os olhos incapazes de enxergar Jesus com clareza poderão percebê-lo de modo obscuro, e até a olhada ofuscada salvará a alma.
Notemos que a visão desse homem era muito indistinta--não era fácil distinguir um homem ou uma árvore. Assim acontece com a primeira vista outorgada a muitas pessoas espiritualmente cegas. Não conseguem distinguir entre uma doutrina e outra. Muitas vezes confundem a obra do Espírito e a obra do Salvador. Possuem a justificação e possuem a santificação, mas provavelmente não podem nos dizer qual era qual. Receberam a justiça de coração a eles outorgada, e receberam a justiça de Cristo, a eles imputada, mas entre a justiça outorgada e a justiça imputada, dificilmente distinguem; receberam ambas, mas não sabem qual é qual--pelo menos não a ponto de poder definir, ou contá-las ao próximo. Conseguem ver, mas não do modo que deviam. Sua vista, além de ser indistinta, exagera. Um homem não é tão grande como uma árvore, mas eles engrandecem a estatura humana até as alturas das árvores imponentes. E da mesma maneira, as pessoas semi-iluminadas exageram as doutrinas. Se receberem a doutrina da eleição, não conseguem se limitar até onde vão as Escrituras--fazem do homem uma árvore, ao acrescentar a doutrina de reprovação. Se pegarem um preceito, como o batismo, ou qualquer outro, exageram suas proporções, e fazem dele um tipo de vale-tudo. Alguns pegam um aspecto, e outros, outro, e tudo isso por fazer confusão entre homens e árvores. Já é uma grande bênção que consigam alguma doutrina e ou preceito, maior, porém, seria a bênção de vê-los como são, e não como agora lhes aparece.
Esse exagero geralmente leva as pessoas a ficarem alarmadas, pois se vejo um homem se aproximando de mim, e o enxergo com a altura de uma árvore, naturalmente fico com medo de que ele caia sobre mim, e saio do caminho. Muitas pessoas ficam com medo das doutrinas de Deus, por considerá-las árvores altas. Não são altas demais. Deus as criou na estatura certa, mas a cegueira dessas pessoas exagera, e as torna mais terríveis e altas. Têm medo de ler livros a respeito de determinadas verdades, e evitam todos os que as pregam, pois ficam alarmadas com a visão confusa dessas verdades.
Com referência a esse exagero e com esse medo, semelhantes pessoas sofrem perda total do prazer advindo da percepção da beleza e da amorabilidade. Afinal, a parte mais nobre do homem é o rosto. Gostamos de captar as feições dos amigos, o olhar suave, a expressão de ternura, o olhar conquistador, o sorriso radiante, o fulgor expressivo de benevolência no rosto, a testa alta, gostamos de ver tudo isso; mas esse infeliz dificilmente distinguiria um homem de uma árvore, sem poder discernir esses traços mais suaves do grande pintor de obras primas, que formam a verdadeira beleza. Ele podia dizer apenas: "É um homem", mas se era alguém tão escuro quanto a noite, ou tão claro como o amanhecer, não podia saber nem distinguir, e nem se era ranzinza e deprimido, ou bondoso e gentil. Assim é com os que obtiveram alguma visão espiritual. Não conseguem enxergar os pormenores das doutrinas. Vocês sabem, irmãos, que é nos pormenores que a beleza se acha. Se eu confiar em Jesus como meu Salvador, serei salvo, mas desfrutar da fé provém de conhecê-lo na sua pessoa, nos seus ofícios, na sua obra, e no seu presente, passado e futuro. Percebemos sua verdadeira beleza ao estudá-lo e observá-lo cuidadosamente, com santa atenção. Assim é com as doutrinas; é bendita a doutrina na sua inteireza, mas quando começamos a apreciar a doutrina, peça por peça, obtemos o prazer mais puro. "Sim", diz o palhaço, olhando para uma pintura da primeira qualidade, tal como, o Touro famoso de Paul Potter na Haia: "é certamente um quadro raro", e então vai embora. O artista plástico, no entanto, senta-se e estuda os pormenores. Para ele, há beleza específica em cada toque e nuança, os quais ele compreende e aprecia. Muitos crentes possuem iluminação suficiente para conhecer a fé nos contornos mais singelos, mas não observaram o preenchimento, e as minúcias nas quais o mais doce consolo sempre poderá ser achado pelo filho de Deus espiritualmente educado. Conseguem ver, mas vêem "pessoas; elas parecem árvores andando".
Embora eu saiba que a maioria de vocês, meus irmãos, progrediu muito além dessa etapa, sei que existem centenas, entre o povo de Deus, que ainda estão ali, e é por isso, quando Satanás consegue o domínio, que surgem seitas, partidos e teorias. Se várias pessoas com visão saudável se reunirem e examinarem um objeto, concordarão entre si, quase totalmente, na descrição do que estão vendo; mas se selecionarmos um número igual de pessoas como vista tão fraca que dificilmente distinguem entre um homem e uma árvore, produzirão uma tremenda confusão, e com bastante probabilidade começarão a discutir. "É um homem", exclama um delas; "ele está andando". "É uma árvore", exclama o segundo; "é alta demais para ser um homem".
Quando os quase cegos se tornam obtusos e desprezam seus mestres, e não querem aprender segundo o ensino do Espírito Santo, estabelecem a ignorância como se fosse conhecimento, e talvez arrastem à fossa, consigo, outros semi-iluminados. Mesmo quando a santa modéstia impede esse resultado maligno, não deixa de ser lamentável essa meia visão, pois deixa os homens entristecidos quando poderiam regozijar-se, e lastimando por causa de uma doutrina que, se fosse bem compreendida, encheria sua boca com cânticos o dia inteiro. Muitos se sentem perturbados a respeito da eleição; ora, se há neste livro uma doutrina que deve deixar os crentes cantar o dia, e a noite inteiros, é exatamente a doutrina do amor eletivo e da graça distintiva. Algumas pessoas ficam assustadas com esse aspecto, e outras, com aquele, ao passo que, se entendessem a verdade, em vez de fugir dela como de um inimigo, correriam para se lançar a seus braços.
Tendo, portanto, oferecido esse esboço do homem no estado transicional, terminaremos observando como a cura acabou, foi completada.
Irmãos, sejam gratos por qualquer tipo de luz recebida. Sem a graça de Deus, não poderíamos receber um único raio dela. Um raio de luz é mais do que merecemos. Se fôssemos trancados na escuridão das trevas para sempre, como poderíamos nos queixar disso? Não merecemos, por termos fechado os olhos contra Deus, ser condenados às trevas perpétuas? Sejam gratos, portanto, por qualquer vestígio de luz, mas não dêem tanto valor à parte recebida, para não desejar mais. Permanece cego quem não deseja ver melhor. É péssimo sinal de saúde fraca, quando não temos desejo de crescer. Quando nos sentimos convictos de sabermos toda a verdade, e não aceitamos mais ensinos, é provável que tenhamos a necessidade de recomeçar tudo. Uma das primeiras lições na escola da sabedoria é que somos naturalmente tolos, e quem se torna consciente da própria deficiência e ignorância torna-se sábio. Quando o Senhor Jesus Cristo leva um homem a enxergar um pouco, e a desejar ver mais, não o deixa até tê-lo conduzido a toda a verdade.
Vemos que o Salvador, para completar a cura, tocou de novo no paciente. Você precisa da renovação do contato com o Salvador, como meio de aperfeiçoamento, como foi o primeiro ato de sua iluminação. Trata-se de ficar bem perto de Cristo, conhecendo sua bendita pessoa; estude o caráter dele, deseje conversar com ele por conta própria, e vê-lo com seus olhos mediante a fé, e não com os olhos de outra pessoa--esse será o meio de receber luz mais clara. O toque divino realiza tudo. Suponho que quando os olhos desse homem foram plenamente abertos, a primeira pessoa que viu foi Jesus, pois tinha sido retirado do meio da multidão, e só podia ver homens a certa distância. É uma bendita visão poder se embevecer na vista daquele rosto, e perceber a beleza do incomparável amante de nossa alma. Que grande alegria! A pessoa poderia aceitar ficar cega para sempre, se não existisse a possibilidade de ver Jesus; mas quando ele é visto, que deleite celestial de ter sido resgatado da cegueira que o escondeu dos nossos olhos! Crente, ore para que, acima de todas as coisas, você o possa conhecer e entender. Com todas as coisas que você quer obter, obtenha entendimento de Cristo. Conte preciosa a doutrina, só por ela ser o trono no qual Cristo se assenta. Tenha em alta estima o preceito, mas não faça dele uma pedra legalista para lacrar Cristo na sepultura; pense no preceito apenas como ele é ilustrado e exposto na sua vida; e mesmo na vida, não se importe com ele caso não aponte para Cristo, como por um dedo. Considere que você cresce somente à medida que está em Cristo. "Crescer na graça", diz o apóstolo, e acrescenta: "e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo". Peça para poder ver, mas coloque o pedido nesta forma: "Senhor, queríamos ver Jesus". Ore para recuperar a vista, mas que seja uma visão do Rei na sua beleza, a fim de poder, futuramente, ver a terra distante. Você está se aproximando da clareza da visão quando você conseguir ver apenas Jesus; você sai da região das nuvens, para dentro do fulgor do dia, quando, em vez de ver homens como árvores, você contempla o Salvador. Então poderá deixar os homens e as árvores cuidar de si mesmos.
Lemos que nosso Senhor fez o cego recuperar a visão. Se quisermos ver, não devemos olhar para baixo; nenhuma luz brota desta terra. Se quisermos ver, não devemos olhar dentro de nós; ali há uma caverna escura, cheia do que é maligno. Devemos olhar para cima. Toda boa dádiva e dom perfeito vêm de cima, e devemos levantar os olhos para recebê-los. Meditando a respeito de Jesus, e confiando dele, devemos levantar os olhos a Deus. Nossa alma deve considerar a perfeição de seu Senhor, e não sonhar com a própria perfeição. Ela deve meditar na grandeza dele, e não em qualquer grandeza pessoal imaginária. Devemos levantar os olhos, não a nossos conservos, nem a aspectos externos da adoração, mas ao próprio Deus. Devemos olhar, e ao olharmos para cima acharemos a luz.
O texto bíblico nos diz que, no fim, "ele via tudo claramente". Sim, quando o grande Médico manda o paciente para casa, você pode ter certeza total de que sua cura foi completa. Com o paciente, tudo estava bem, em sentido superlativo. Ele viu, viu tudo, viu todos os homens com clareza. Que este seja o quinhão feliz de muitas pessoas semi-iluminadas aqui presentes! Não fiquem satisfeitos, caros amigos, apenas com serem salvos; desejem saber como vocês são salvos, por que vocês são salvos, o método pelo qual vocês são salvos. É em uma rocha que vocês estão em pé, eu sei, mas pensem a respeito das seguintes perguntas: Como vocês foram colocados na rocha, mediante o amor de quem vocês chegaram ali, e por que esse amor foi dado a vocês.
Eu desejaria, diante de Deus, que todos os membros desta igreja não só estivessem firmes em Cristo Jesus, mas que o entendessem e o conhecessem segundo a certeza do entendimento que vocês alcançaram. Estejam sempre dispostos a explicar a esperança que está em vocês, e isso com mansidão e temor. Lembrem-se da existência de muitas distinções sérias nas Escrituras, e que vocês evitariam grande quantidade dos problemas se as conhecessem e se lembrassem delas. Procurem entender a diferença entre a velha natureza e a nova. Nunca esperem que a velha natureza melhore até tornar-se nova, pois nunca será assim. A velha natureza nunca poderá fazer coisa alguma a não ser pecar. Existem dois princípios diferentes: nunca faça confusão entre eles. Não fiquem vendo homens andando como se fossem árvores. Não confundam a santificação com a justificação. Lembrem-se de que, no momento em que vocês confiam em Cristo, estão completamente justificados como o serão no céu, mas a santificação é uma obra paulatina, levada a efeito dia após dia, por Deus, o Espírito Santo. Faça a distinção entre a grande verdade de que a salvação é inteiramente da parte de Deus, e a grande mentira de que os homens não têm culpa caso se perca. Tenham total certeza de que a salvação é do Senhor, mas não coloquem a perdição na conta de Deus. Não sintam vergonha se os homens os chamarem de calvinistas, mas odeiem com sinceridade o antinomismo.
Por outro lado, embora vocês acreditem na responsabilidade humana, jamais incorram no erro de supor que o homem se volta a Deus por livre vontade. Existe uma linha divisória bem estreita entre esses dois erros, e peçam graça para enxergá-la. Peçam graça para não cair no sorvedouro, nem ser esmagados contra a rocha; para não ser escravos de um dos sistemas, nem do outro. Nunca digam a respeito de algum texto das Escrituras: "Fique quieto, não posso suportá-lo", e nem de outro: "Creio em você, e só em você". Procurem amar toda a Palavra de Deus, e obter discernimento de cada verdade revelada, e como vocês possuem a Palavra de Deus que lhes é dada, não como algumas visões discordantes entre si, mas como uma totalidade, busquem captar a verdade como ela está em Cristo, com toda a sua qualidade compacta e em sua unidade. Eu conclamaria a vocês, se tiverem vista que os capacite a ver alguma coisa, a caírem de joelhos e a clamarem ao grande Doador da vista: "Ó Mestre, continua; remova cada película, cada catarata, e se for doloroso para mim ter meus preconceitos extirpados ou cauterizados dos meus olhos, faze-o, Senhor, até que eu possa ver na luz clara do Espírito Santo, e ser feito digno de entrar pelas portas da cidade santa, onde meus olhos te verão face a face".