Meus queridos amigos,

Se eu, ou meu trabalho, tem alguma utilidade pública, ou valor, ele é todo seu, mas não apenas de vocês. Estou convencido, pela providência, de que esse é o desejo de Deus. Tive esse claro discernimento a primeira vez que estive com vocês, durante minha permanência com vocês e na época de minha ausência forçada. [...] O convite de vocês para que retornasse, sua obediência à minha doutrina, a grande afeição que ainda sinto por vocês, mais que por todas as outras pessoas, como também, de modo geral, a sincera contribuição de amor que recebo de vocês, tudo isso me convence de que fui especialmente enviado a esse mundo para servir à alma de vocês. E para que eu possa, mesmo depois de morrer, ajudar a salvação de vocês, o Senhor forçou-me, sem levar em consideração minha decisão, a escrever este tratado e entregá-lo em suas mãos. Nem cogitava em tornar-me uma figura pública e fadigar o mundo com meus escritos; [...] mas veja como Deus ignora nossas decisões e as transpõe.

Aquartelado longe de casa, imerso em sofrimento e fraqueza extremos--pela perda repentina e excessiva de sangue, após muitos anos de debilidade física--, sem conhecidos nem livros por perto, exceto minha Bíblia, mergulhei meus pensamentos, em constante expectativa da morte, no descanso eterno. E como minha memória, em virtude da fraqueza extrema, fora prejudicada, peguei minha caneta e comecei a escrever o sermão de meu próprio funeral; como também anotei alguns itens que pudessem me ajudar em minha meditação sobre o céu, a fim de que eles adoçassem o resto de minha vida e minha morte. Deus agradou-se de manter-me nessa condição por cinco meses, distante de casa, onde, por ser incapaz de fazer qualquer outra coisa, prossegui com esse trabalho que se estendeu muito até chegar a este aqui que agora vocês recebem. Não é de admirar, portanto, que eu tenha sido tão abrupto no início, pois, naquele momento, tinha a intenção de escrever algo que tivesse a extensão de um ou dois sermões. E muito menos admiração deve causar a vocês, se o todo estiver muito imperfeito; pois foi escrito, por assim dizer, com um pé na cova, por um homem que estava entre a vida e a morte, que queria que a força da natureza apressasse a invenção, ou a emoção, e que não tinha nenhum outro livro consigo, exceto sua Bíblia, enquanto terminava a parte principal; nem tinha qualquer intenção de ornamentos humanos, se ele tivesse essa provisão. Ó quão doce é essa providência agora que a recapitulo; pois ela, tão alegremente, forçou-me a fazer esse trabalho de meditação, algo que antes já descobrira ser tão proveitoso para minha mente; e a providência também me demonstrou ainda mais misericórdia ao privar-me de outras fontes de ajuda, algo que não percebera na época, levando meus pensamentos a alimentar-se com esse assunto divino, e isso me beneficiou mais que todos os estudos de minha vida!

E agora, meus queridos amigos, assim como está, eu o ofereço a vocês; e, com minha alma de joelhos, ofereço meu agradecimento ao Deus misericordioso que enviou este livro e a mim, salvo da sepultura, para servir a vocês; ao Senhor que reverteu a sentença de morte atual, proferida pelos médicos mais competentes em relação à minha vida; ao Soberano que interrompeu as funções que desempenhava para que ele me forçasse a prestar a vocês um serviço mais duradouro que, de outra forma, nem cogitaria em realizá-lo. [...]

Seu mais afetuoso, embora indigno, mestre,