Capítulo 24

A CONCLUSÃO

 

Assim, caro leitor, ofereci a você meu melhor conselho para conseguir e manter sua cidadania celestial. A forma é imperfeita, e muito particular à minha pessoa, mas, quanto ao assunto principal, ouso dizer que recebi isso de Deus. Entreguei a você o que recebi dele, e a instrução dele passo a você para que possa acolhê-la e praticála. Se não puder fazer isso de forma metódica e completa, ainda assim faça isso da forma que puder; apenas certifique-se de que a pratica de forma séria e constante. Se você acredita que um homem tenha tido algumas pequenas experiências com essa responsabilidade, descobrirá que ela o transformará em um novo homem, e elevará sua alma, e clareará seu entendimento, e aperfeiçoará sua conversa, e deixará um sabor agradável em seu coração; para que sua própria experiência faça você confessar que essa hora gasta dessa forma será mais eficaz para reavivá-lo que muitas outras meras responsabilidades externas; e um dia nessa contemplação lhe fornecerá substância mais verdadeira que todas as riquezas da terra. Familiarize-se com esse trabalho e, desse modo, você ficará, de alguma forma remota, familiarizado com Deus. Suas alegrias serão espirituais, e prevalentes, e duradouras, conforme a natureza de seu abençoado objeto; você terá conforto na vida, e conforto na morte. Quando você não tiver riqueza, nem saúde, nem prazer neste mundo, ainda assim terá conforto. Conforto, sem a presença ou a ajuda de um amigo, sem um ministro, sem um livro; quando todos os meios lhe forem negados, ou retirados de você, ainda assim você terá conforto real e vigoroso. Suas graças serão poderosas, e ativas, e vitoriosas; e a alegria diária, trazida do céu, será sua força. Você será como aquela pessoa que fica no topo de uma montanha muito alta; ela olha para o mundo como se ele estivesse muito abaixo dela. Como os campos, e as matas, e as pastagens parecem pequenos para ela! Cidades e vilarejos não passam de pequenos pontos. Como seu olhar desprezará todas as coisas aqui debaixo. [...] As ameaças dos homens não serão um terror para você, nem as honras deste mundo lhe representarão uma forte sedução. As tentações serão mais inofensivas, pois perderam sua força, e as aflições serão menos dolorosas, pois perderam seu ferrão; e toda misericórdia será mais bem conhecida e saboreada.

Caro leitor, a escolha de levar essa vida depende, abaixo de Deus, de sua escolha; como também a escolha se todo esse esforço que empreendi em seu favor prosperará ou será perdido. Se for perdido por causa de sua preguiça, proibida por Deus, fique sabendo que você é quem será o maior perdedor. Se não valorizar essa vida celestial e angelical, como pode dizer que valoriza o céu? E se não o valoriza, não é de admirar que você seja deixado do lado de fora. O poder da bondade repousa nas ações da alma; preste atenção para não ater-se à forma vã e ilusória. [...] Os primeiros pensamentos de qualquer homem sobre todas as coisas são estranhos; a familiaridade e o conhecimento não surgem em um momento, mas é conseqüência do costume e da convivência freqüente; e a estranheza, naturalmente, ocasiona o temor, como a familiaridade ocasiona o deleite. [...] Assim, você fugiria de Deus, sua única felicidade, se soubesse como fazer isso, e se não remover essa estranheza durante o período de sua vida. E não é uma pena quando a criança é tão estranha a seu pai a ponto de não temer nada mais do que entrar em sua presença e achar que fica melhor quando estiver o mais longe dele? [...] Ó que vida magnífica os homens teriam se, pelo menos, tivessem dispostos e fossem diligentes! Deus gostaria que nossas alegrias fossem muito mais numerosas que nossas tristezas; sim, ele gostaria que não tivéssemos tristezas, mas que nos inclinássemos à alegria; e não mais que nossos pecados fossem necessários para o nosso bem. Como esses cristãos procedem mal com Deus e consigo mesmos, ao tornar seus pensamentos sobre Deus a passagem para seus sofrimentos, ou ao deixar que essas alegrias fiquem de lado, negligenciadas ou esquecidas! Alguns podem argumentar o seguinte: não vale a pena gastar tanto tempo e esforço para pensar sobre a grandeza das alegrias do alto, de forma que possamos nos certificar que elas são nossas, quando sabemos que elas são magníficas. Mas como os homens não obedecessem às ordens de Deus, que exige que a cidadania deles esteja no céu, e que os sentimentos deles estejam nas coisas do alto, de forma que eles, ao recusar as delícias que Deus pôs diante deles, transformam, de forma obstinada, sua vida em uma infelicidade. Ainda assim, se isso fosse tudo, não passaria de um assunto sem maior importância; se fosse apenas a perda do conforto, não discorreria muito sobre o assunto. Mas veja que abundância de outros prejuízos acompanham a ausência dessas delícias celestiais.

Isso sufoca, se não destruir, nosso amor a Deus; [...] isso fará com que nossos pensamentos sobre Deus sejam escassos e desagradáveis, pois nossos pensamentos acompanham nosso amor e deleite; [...] fará com que o homem fale raras vezes sobre Deus, e isso de forma desagradável, pois quem se importa em falar sobre aquilo em que não se deleita? [...] Isso faz com que os homens não tenham nenhum deleite no serviço a Deus; [...] quando os homens não têm deleite em Deus e no céu, isso põe em risco os julgamentos deles, ao pervertê-los, em relação aos caminhos de Deus, e os meios da graça, quando não se deleitam com Deus nem com o céu; [...] e é essa ausência desses deleites celestiais em Deus que tornam os homens tão incertos quanto aos deleites da carne. [...] Essa ausência dos deleites celestiais é o que deixa os homens sob o poder de toda e qualquer aflição; eles não terão nada para os confortar; [...] isso também faz com que os homens temam a morte e sintam relutância em morrer. [...] Essa ausência de deleite celestial deixa os homens vulneráveis a toda e qualquer tentação; [...] sim, uma preparação perigosa para a total apostasia.

E, bem, amigos cristãos, esbocei aqui, para vocês, um trabalho precioso e celestial: se você o realizar, isso o transformará realmente em ser humano pleno. [...] Se Deus o persuadisse a tomar consciência dessa responsabilidade, e se o ajudasse nela por intermédio de seu abençoado Espírito, você não trocaria sua vida pela vida do maior príncipe da terra. [...] Oro para que você, leitor, feche aqui o livro e pondere sobre ela; determine-se a abraçar essa responsabilidade antes de seguir adiante! [...]

Para vocês, crentes sinceros, cujo coração, pela graça de Deus, desapegou-se das coisas aqui debaixo, espero que valorize essa vida celestial, e busque caminhar todos os dias na nova Jerusalém! Sei que Deus é seu amor, e seu desejo; e sei que você, de bom grado, gostaria de ter mais familiaridade com seu Salvador; e sei que seu pesar é em razão de seu coração não estar mais perto dele, e do temor de que ele não o ame de forma mais espontânea e apaixonada e não se deleite tanto no Senhor. Você, como sempre, corrigirá essa situação e desfrutará de seus desejos. Ó, experimente essa vida de meditação sobre seu descanso eterno. Eis aqui as montanhas de Ararate, onde a arca flutuante de sua alma deve repousar. Ó permita que o mundo veja, por intermédio de sua vida celestial, que a religião não se resume a discussões e a opiniões, nem à execução das responsabilidades externas; permita que os homens vejam em você a vida à qual devem almejar. [...] Moisés, antes de morrer, subiu ao monte Nebo para ver a terra de Canaã, e os cristãos, da mesma forma, ascendem ao monte da Contemplação e, pela fé, vêem esse descanso. [...] Daniel, em seu cativeiro, abria, três vezes ao dia, a janela voltada para Jerusalém, embora essa cidade não estivesse ao alcance da vista, quando buscava a Deus em suas devocionais; também a alma que crê, nesse cativeiro da carne, olha para a Jerusalém que está no alto; e o que Paulo foi para os colossenses, também possa ser aquele cujo espírito é glorificado, ausente da carne, mas presente no espírito, e possa exultar ao observar sua condição celestial. [...]

Assim como a bela cotovia canta mais docemente e jamais cessa sua agradável cantiga, enquanto flutua nas alturas, como se ali pudesse espiar a glória do sol, mas silencia rapidamente assim que cai na terra, também a estrutura da alma é mais agradável e divina enquanto cultiva as visões de Deus por intermédio da contemplação; mas--Deus meu!--ficamos ali muito pouco, mas logo caímos e interrompemos nossa música.

Mas, ó tu, o Pai misericordioso dos espíritos, o Cativador do amor, o Oceano de deleites, atrai para ti e guarda-os ali até que sejam espiritualizados e refinados, e auxilia esses tímidos esforços de seus servos, e persuade aqueles que lêem estas linhas a praticar essa responsabilidade celestial e prazerosa. E, ó, não permitas que a alma de seu servo mais indigno desconheça aquelas alegrias que o Senhor revela a seu povo, ou que trilhe raras vezes esse caminho desbravado por outras pessoas; ó, enquanto me demoro nesta terra, guarda-me, com suspiros diários e sérios por ti, com o caminhar afetuoso e cheio de fé contigo; e quando tu vieres, ó que me encontres fazendo isso, e não escondendo meu talento, nem servindo minha carne, nem dormindo com minha candeia desguarnecida, mas à espera, cheio de antecipação, do retorno de meu Senhor; e que essas orientações celestiais possam não só amadurecer o fruto de meus estudos e o produto de minha vontade, mas também o fôlego de minha esperança ativa e de meu amor diligente; e eles, se meu coração estivesse aberto para que eles o vissem, poderiam ler ali o mesmo, gravado profundamente com um feixe de luz da face do Filho de Deus; e que não encontres, ó Senhor, vaidade, cobiça, ou orgulho no interior, onde as palavras da vida aparecem sem nada; e que estas linhas não possam testemunhar contra mim, mas que, por proceder do coração do escritor, ser eficazes, por intermédio de tua graça, no coração do leitor; e que sejas o Salvador da vida do escritor e do leitor. Amém.