Capítulo 13

MOTIVOS PARA UMA VIDA CELESTIAL

 

Já mostramos a você, por meio da orientação da Palavra do Senhor e da assistência de seu Espírito, a natureza do descanso dos santos e procuramos o deixar familiarizado com algumas responsabilidades em relação a ele. Chegamos agora à conclusão de tudo, ou seja, pressioná-lo a realizar essa grande responsabilidade, o objetivo principal que tinha em mente quando iniciei esse assunto. [...]

Portanto, quero exigir que quem quer que seja o leitor destas linhas ponha seu coração imediatamente na realização dessa responsabilidade, como sua mais cuidadosa aliança ao Deus do céu, como sua grata esperança de participar dessa glória; repreenda seu distanciamento intencional de Deus; afaste seus pensamentos da busca por vaidade; incline sua alma para estudar a eternidade; ocupe-se com a vida por vir; habitue-se a tais contemplações e não permita que esses pensamentos sejam raros e superficiais; mas se fixe neles; habite ali; banhe sua alma nas delícias do céu; embeba seus sentimentos nesses rios de prazer, ou, melhor dizendo, nesse mar de consolação; e se sua alma atrasada começar a flanar, e seus pensamentos começarem a se distanciar, chame-os de volta, mantenhaos nessa responsabilidade, instigue-os, não suporte a preguiça deles, não seja conivente com a negligência de ninguém; e, assim que você, em obediência a Deus, tentar esse trabalho e prosseguir até que se familiarize com ele, vigiando seus pensamentos até que eles se acostumem a obedecer, e até que tenha algum domínio sobre eles, então você chegará até os subúrbios do céu, como se estivesse em um novo mundo; você, nesse momento, realmente descobrirá que há doçura na obra e no caminho de Deus, e que a vida cristã é uma vida dealegria. Você se encontrará com aquelas abundantes consolações pelas quais orou, e anelou, e gemeu, e as quais pouquíssimos cristãos as obtêm aqui, pois não conhecem o caminho para alcançá-las, ou não tomam uma decisão consciente para caminhar nele. [...]

Amados amigos, [...] permita que fale à consciência de vocês em nome de Cristo, e ordene, pela autoridade que recebi de Cristo, que se empenhem fielmente nessa importante responsabilidade, e que fixem seus olhos mais firmes e constantemente em seu descanso, e que se deleitem com a antecipação dele. [...] Se eu prevalecer com vocês em algo, que eu prevaleça nisto: ponha seu coração onde você espera encontrar descanso, e um tesouro. [...] Jamais entreguei a vocês uma verdade mais legítima, nem jamais os pressionei para que se empenhassem em uma responsabilidade mais legítima que essa. [...]

Cristãos, se a alma de vocês fosse sã e reta, ela perceberia que há mais deleite e doçura, algo incomparável, no conhecer seu abençoado futuro no gozo de nosso Deus, no pensar e crer nisso, no amar isso e regozijar-se com isso [...] que as sensações mais fortes encontram no prazer de seus objetos. [...] É muito fácil para você pensar em um amigo; ou qualquer outra coisa que você ama muito; e pensar na glória seria tão fácil também, se seu amor e deleite estivessem verdadeiramente ali. Se você vir alguma jóia, ou tesouro, não é preciso longas exortações para aguçar seu desejo, basta apenas pousar seus olhos nessa preciosidade. Se vir uma lareira quando sente frio, uma casa quando enfrenta uma tempestade, ou um porto quando está em um mar revolto, ninguém precisa lhe dizer o que fazer; basta pousar os olhos nessas coisas para que seu pensamento seja direcionado para elas; você pensa, vê e anseia até obtêlas. Por que o mesmo não poderia ocorrer no caso em questão? Meus caros, assim pensaríamos, basta mostrar a vocês essa coroa e glória dos santos para que as desejem; mostrar-lhes aquele porto onde estão livres de todos os perigos, e isso deveria ensiná-los prontamente o que fazer com tudo isso, e deveria fazer com que seus estudos diários se voltassem para essas coisas. Mas por saber que to-dos os motivos, enquanto tivermos a carne, são pequeníssimos, e por saber que a experiência triste de algumas pessoas, e a minha também, diz-me como é difícil para os melhores ser levados à constância e à fidelidade nessa responsabilidade. Apresentarei algumas considerações tocantes, as quais comprovem, se você se dignar a ponderar sobre elas de forma minuciosa e pesá-las de modo deliberado com julgamento imparcial, e não duvido disso, sua eficácia para seu coração e o levarão a decidir-se por essa excelente responsabilidade. Oro para que você não as deixe cair no chão, mas as acalente, e as experimente; e se você achar que elas dizem respeito a você, faça bom uso delas e obedeça a elas.

 

I

O coração voltado para o céu será uma das evidências mais inquestionáveis de sua sinceridade, e uma clara descoberta da verdadeira obra da graça salvífica em sua alma. [...] Saiba que onde estiver seu coração ali também estará seu tesouro. Deus é o tesouro e a alegria dos santos: o céu é o lugar onde eles podem desfrutar plenamente do Senhor. Portanto, um coração voltado para o céu nada mais é que um coração voltado para Deus, e que deseja essa alegria plena; e, certamente, um coração voltado para Deus por meio de Cristo é a evidência mais verdadeira da graça salvífica. As ações externas são as mais fáceis de ser descobertas, mas as do coração são a evidência mais clara e certa. Quando seu aprendizado não for uma boa comprovação da graça do Senhor; quando seu conhecimento, suas responsabilidades e seus dons o abandonam; quando os argumentos de sua língua e de sua mão podem ser refutados, ainda assim esse argumento que diz respeito à inclinação de seu coração comprova sua sinceridade. Considere um cristão pobre que mal pode se expressar em sua própria língua, no que diz respeito à religião, alguém que tenha uma pobre compreensão dos fatos, uma memória falha, que gagueje, mas que seu coração esteja em Deus: escolheu o Senhor para que este fosse sua porção; seus pensamentos estão na eternidade; seus desejos e sua habitação também estão lá. [...] Preferiria morrer na condição desse homem e ter minha alma envolta pela alma dele que estar envolta pela do homem que tem os dons mais eminentes e é o mais admirado por causa de sua posição e de suas responsabilidades, mas cujo coração não está tão enlevado por Deus. [...] Oras, cristãos, então trabalhem para que vocês tenham o coração voltado para o alto, para que dêem um testemunho certo do amor de Deus, e para que tenham uma prova segura de sua posição na glória. Ponha seu coração verdadeiramente no céu e, sem dúvida, vocês o seguirão. [...]

 

II

O coração voltado para o céu é a mais alta maravilha de seu espírito aqui, e a porção mais nobre de sua disposição cristã.. [...] Não há apenas uma maravilha comum, por meio da qual o cristão difere do mundo, mas também uma nobreza de espírito, por meio da qual o mais excelente difere do resto: e ele tem uma disposição de espírito mais sublime e divina. Apenas o homem, dentre todas as criaturas inferiores, foi criado com a face voltada para o céu; mas as outras criaturas têm sua face voltada para a terra. Como a mais nobre das criaturas, também os mais nobres cristãos são os que estão mais voltados para o céu. [...] Ouvir um santo tão consagrado, que fez a jornada ao céu pela fé, e foi elevado até Deus em suas contemplações, e voltou recentemente para a terra após ter sua visão de Cristo, imagine que descobertas ele fez dessas regiões superiores! [...] Isso é ser um nobre cristão. [...] Como as montanhas mais famosas são as mais altas; e as árvores mais formosas, as mais altas; e as pirâmides mais gloriosas, aquelas cujo cume chega mais perto do céu; também é mais alto aquele que escolheu a Cristo e cujo coração está ali com mais freqüência e ali mais se deleita. [...] Portanto, como devemos julgar aquele homem que viaja todos os dias até o céu e ali vê o Rei dos reis; que é admitido com freqüência diante da presença divina, e que sua alma se refestela na árvore da vida? De minha parte, valorizo mais esse homem que o mais capaz, mais rico e mais culto do mundo.

 

III

A mente voltada para o céu é alegre; essa é a forma mais próxima e verdadeira de viver uma vida de conforto, e você, sem isso, necessariamente se sente desconfortável. Um homem pode estar próximo do fogo, e não estar aquecido? Ou estar debaixo do sol, e não ter luz? Um coração pode estar no céu, e não ter conforto? Os países do Norte, como a Noruega e a Islândia, são frios e gelados, pois estão mais distantes do poder do sol; mas no Egito, na Arábia e em outras regiões ao sul, acontece o contrário, pois eles estão mais próximos desses poderosos raios. O que poderia gelar mais os cristãos desconfortáveis que viver tão distante do céu como eles vivem? E o que faz com que outros, em pequeno número, sintam-se tão aquecidos em seu conforto senão viver em locais mais elevados que os outros em que têm acesso, bastante freqüente, à proximidade de Deus? Quando o sol, na primavera, aproxima-se de nossa parte da terra, como todas as coisas congratulam essa aproximação! A terra fica verdejante e tira sua veste de luto; as árvores se projetam para cima; as plantas revivem; os belos pássaros cantam docemente; a face de todas as coisas sorri para nós, e todas as criaturas aqui embaixo regozijam-se. Amados amigos, se apenas experimentássemos essa vida com Deus, e mantivéssemos nosso coração no alto, que alegria primaveril haveria em nós; e todas nossas bênçãos seriam frescas e verdejantes! Como a face de nossa alma se transformaria, e tudo que existe em nós se regozijaria! Como esqueceríamos nossas tristezas invernais e afastaríamos nossa alma de nosso triste isolamento! Como acordaríamos cedo, como os pássaros na primavera, para cantar louvores ao nosso grande Criador! Ó cristão, vá para o alto. Acredite, aquela região é mais quente que esta aqui embaixo. Aqueles que lá estiveram descobriram isso; e aqueles que chegaram até ali nos contaram isso: e não duvido que você já experimentou isso em algum momento. [...] Se for o semblante de Deus que nos enche de alegria, então, certamente, aquele que mais se aproxima do Senhor e mais o observa deve ter essa alegria de forma mais plena. Deus deve dar a alegria mesma, como também propiciar a nós a razão para a alegria: mas, além disso, deve-se lembrar que Deus opera em nosso ser humano e, de forma racional, eleva nosso conforto: ele nos capacita e nos estimula a estudar esses objetos prazerosos para obtermos nosso conforto neles, como a abelha obtém seu mel das flores; portanto, aquele que é mais hábil nessa arte de obter, em geral, é o que está mais cheio dessa doçura espiritual. [...] A alegria e a paz enchem nosso ser por meio da fé. [...] O Espírito de Deus trabalha para nosso conforto ao pôr em movimento nosso espírito em direção às promessas e ao elevar nossos pensamentos ao local de nossos confortos. [...] Como você alegraria um homem cobiçoso ao lhe mostrar ouro [...], também Deus alegra seu povo ao levá-los, por assim dizer, pela mão para o céu e ao mostrar-se a si mesmo para os seus e o descanso que encontram nele. Deus não costuma mostrar nossa alegria enquanto estamos negligentes, ou ocupados com outras coisas. [...] Deus não alimenta os santos como os pássaros alimentam seus filhotes, ao dar-lhes o alimento na boca enquanto ainda estão no ninho, e estes têm apenas de abrir o bico para recebê-lo; mas como ele nos dá o fruto da terra, o aumento da produção de milho e de vinho, enquanto aramos e plantamos, e tiramos as ervas daninhas, e regamos, e adubamos, e podamos, e, depois, com paciência, esperamos sua bênção, também ele nos dá as alegrias da alma. [...]

Assim, você pode facilmente ver que a meditação cuidadosa sobre o assunto e a causa de nossa alegria é a forma como Deus busca a alegria íntegra e real. [...] Acho que a alegria de um cristão deve ser fundamentada, a alegria racional, e não a alegria sem conhecer a razão para isso. [...] Aprenda essa arte da propensão ao divino, e você encontrará cem vezes mais, e o benefício excederá em muito seu trabalho. [...]

 

IV

Considere isto: o coração no céu é o melhor antídoto contra as tentações, um meio poderoso para matar suas corrupções e para salvar sua consciência das feridas do pecado. Deus pode prevenir nosso pecado, embora sejamos descuidados; e também pode nos manter afastados da tentação que atrairíamos para nós, e, algumas vezes, ele faz isso; mas essa não é sua forma usual de agir, nem essa é a forma mais segura de escaparmos da tentação. Quando a mente está desocupada, ou é mal empregada, o demônio não precisa de uma grande vantagem; quando ele encontra os pensamentos voltados à cobiça, à revanche, à ambição ou ao dolo, que oportunidade ele tem para passar para a execução e levar o pecador a praticar aquilo em que seus pensamentos estão imersos! Mais ainda, se ele en-contra a mente vazia, há espaço para qualquer coisa que ele queira trazer para ali depositar; mas, quando ele encontra o coração do homem no céu, que esperança ele pode ter de que quaisquer de seus movimentos sejam produtivos? Deixe-o tentar para que pegue qualquer caminho proibido, ou mostrar-nos a isca de algum prazer, a alma lhe responderá como Neemias: "Estou executando um grande projeto e não posso descer" (Ne 6.3).

Isso nos preservará da tentação de várias formas. Primeira, ao manter o coração ocupado: quando estamos desocupados, tentamos o demônio a nos tentar; [...] mas quando nosso coração está ocupado com Deus, ele não tem tempo para ouvir tentações; não tem tempo para ser cobiçoso, e devasso, e ambicioso, e mundano. [...] Se você estivesse ocupado em seu chamado legítimo, você não estaria tão disposto a ouvir tentações; menos ainda se você estivesse ocupado com Deus. Você deixaria seu arado e plantação no campo, ou permitiria que o fogo consumisse sua casa, apenas para correr atrás das borboletas com as crianças? Um juiz seria persuadido a levantar-se de sua cadeira, quando trata de um assunto de vida ou morte, para brincar com os meninos na rua? Também o cristão, quando se ocupa com Deus e examina seu descanso eterno, não dará ouvido ao charme sedutor de Satanás. [...] A ocupação é uma das principais proteções dos santos contra a tentação.

Segunda, a mente voltada para o céu fica livre do pecado, pois tem um entendimento mais claro das questões espirituais relevantes. O homem mais familiarizado com o alto tem uma compreensão mais verdadeira e vívida das coisas que dizem respeito a Deus e a sua própria alma que qualquer erudito ou estudioso possa ter. Embora, talvez, ele seja ignorante em relação a diversas controvérsias e questões que não digam tanto respeito à salvação, ele, no entanto, conhece muito melhor que os grandes eruditos as verdades que firmam sua alma e a protegem da tentação. [...] Quanto mais alto estiver um homem, mais longe ele enxerga. Costumávamos pôr nossas sentinelas no local mais alto e o mais próximo de nós para que pudessem discernir todos os movimentos do inimigo; e o inimigo lança suas emboscadas em vão, quando o observamos do alto de uma montanha e descobrimos claramente tudo o que ele faz. Quando a mente consagrada está no alto com Deus, ela, por essa razão, pode discernir qualquer perigo que está aqui embaixo, bem como o método utilizado por Satanás para nos iludir; ainda mais, se ela não descobrir a cilada de nosso inimigo, ela tem mais chance de escapar que os que estão familiarizados com o que está aqui embaixo. Muito provavelmente, uma rede ou uma isca posta no chão não pegará o passarinho que voa alto; enquanto o passarinho estiver no alto, está fora de perigo, e quanto mais alto, mais seguro estará; e o mesmo acontece conosco. As tentações de Satanás são postas na terra; a terra é o lugar, e a terra é a isca mais comum. Como essas armadilhas podem apanhar o cristão que abandonou a terra para andar com Deus? [...]

Se familiarizar-se com homens eruditos e cultos é a forma para tornar-se erudito e culto, então não é de admirar que aquele que se familiariza com Deus torne-se sábio. Se os homens que viajam pelo mundo todo realmente acham que retornarão para casa mais experientes e mais sábios, muito mais ainda aquele que viaja para o céu! Como o próprio ar e clima em que habitamos trabalham nosso corpo para que se ajuste às condições a que são expostos, não é de admirar que aquele que está naquela região sublime e mais pura tenha uma alma mais pura e uma visão mais acurada; e aquele que vive com o sol, a fonte, o Pai da luz, tem uma compreensão cheia de luz. [...]

Terceira, a mente consagrada fica extremamente fortificada contra as tentações, porque as emoções estão tão completamente influenciadas pelos deleites do outro mundo. [...] Aquele que mais ama, e não aquele que apenas conhece mais, resistirá aos impulsos do pecado. Há no cristão, além de seu mero poder discursivo e racional, um tipo de sabor espiritual por meio do qual ele conhece essas coisas; a vontade aprecia docemente a bondade, como o entendimento tem prazer na verdade, e aqui repousa muito da força do cristão. Se você discutir com um homem simples e quiser persuadi-lo que o açúcar não é doce, ou que o absinto não é amargo, talvez você possa, por meio de sofismas, contra-argumentar as meras razões que ele apresenta, mas não seria capaz de persuadi-lo no que diz respeito aos sentidos; pois o homem é mais facilmente enganado por todo o pensamento racional quando perde seu sabor. O mesmo acontece aqui. Quando você tiver o sabor mais estimulante e delicioso do céu, não será tão facilmente persuadido para afastarse dele; você não consegue persuadir a criança a separar-se de sua maçã enquanto o sabor de sua doçura ainda estiver em sua boca. Ó, que você seja persuadido a tentar esse curso, a alimentar-se muito com o maná velado, e a saborear com freqüência os deleites do céu. É verdade que ele está bem distante de nossos sentidos, mas a fé pode nos levar até lá. [...]

Quarta, enquanto o coração estiver posto no céu, o homem está sob a proteção de Deus e, portanto, se Satanás o assaltar, Deus dedica-se mais a sua defesa e, indiscutivelmente, defender-lhe-á e dirá: "Minha graça é suficiente para você" (2Co 12.9). Quando o homem está no caminho da bênção de Deus, ele corre menos perigo de ser envolvido pelas seduções do pecado.

Assim, leitor cristão, deixe-me rogar-lhe! Se você é um homem atormentado por tentações--como certamente o é, se for ser humano--, e, quando percebesse o perigo, escaparia de bom grado dele, então utilize bastante esse poderoso remédio. Fique próximo de Deus ao cultivar a mente consagrada; aprenda essa arte da divisão e, quando a tentação o assolar, vá diretamente para o céu, e volte seus pensamentos para as coisas do alto; descobrirá que essa é a ajuda mais segura que qualquer outra forma que encontre para resistir à tentação. [...]

 

V

O manter diligentemente seu coração no céu preservará o vigor de todas as suas bênçãos e acrescentará vida a suas responsabilidades. O cristão vivo é o consagrado. É nossa distância do céu que nos torna tão insípidos: é o fim que vivifica todos os meios, e mais vigoroso será nosso movimento, se observamos esse fim com freqüência e de forma clara. Como os homens trabalham de forma incansável e se aventuram sem medo, quando pensam em um prêmio proveitoso! Como o soldado arrisca sua vida, e o marinheiro enfrenta tormentas e ondas; como eles, cheios de alegria, circundam a terra e o mar, e nenhuma dificuldade os intimida, quando pensam em um tesouro incerto e perecível! Quanta vida seria acrescentada nos esforços do cristão se ele antecipasse com freqüência esse tesouro eterno! Corremos devagar, e esforçamo-nos de forma indolente, porque nos importamos muito pouco com o prêmio! Quando o cristão saboreia constantemente o maná velado, e bebe dos rios do Paraíso de Deus, como esse manjar e néctar divinos acrescentam vida a ele! Como, em suas orações, seu espírito será fervoroso, quando ele considerar que ora por nada menos que o céu! [...] Observe o homem que passa muito tempo no céu e verá que ele não é como os outros cristãos. Algo do que ele viu lá em cima aparece em suas responsabilidades e em sua conversa; ainda mais, pegue esse mesmo homem logo após retornar dessas visões bem-aventuradas e perceberá facilmente que ele se sobrepuja a si mesmo, e como seus sermões são divinos. [...] Se ele for um cristão comum, ele terá uma conversa divina, orações divinas e atitudes divinas! [...] Quando Moisés esteve com Deus no monte, ele recebeu tanta glória de Deus que seu rosto resplandecia a ponto de as pessoas não conseguirem olhar para ele. Amados amigos, se você apenas se dedicar a isso, essa glória também estará com você. Os homens, quando conversassem com você, veriam sua face resplandecer e diriam: "Certamente, ele esteve com Deus". [...] Se você tivesse luz e calor, então por que não passaria mais tempo debaixo da luz do sol? Se você tivesse mais dessa graça que flui de Cristo, por que não passaria mais tempo com Cristo para ter ainda mais? Sua força está no céu, e sua vida também está no céu, e ali você deve buscá-las todos os dias, se quiser tê-las. Por falta desse recurso do céu, sua alma é como uma vela apagada, e seu serviço como um sacrifício sem fogo. Para sua oferta queimar, é preciso que busque carvão nesse altar. Para sua vela brilhar, é preciso acendê-la nessa chama e alimentá-la todos os dias com o óleo proveniente dali; fique próximo desse fogo renovador e veja como seus sentimentos ficarão revigorados e fervorosos. [...] Como os olhos alimentam os sentimentos sensuais por meio do olhar fixo nos objetos fascinantes, também os olhos de nossa fé, por meio da meditação, inflamam nossos sentimentos em relação ao Senhor, ao mirar com freqüência essa mais sublime beleza. [...]

Você pode exercitar suas funções de muitas outras formas, mas essa é a forma de exercitar suas bênçãos. Todas elas provêm de Deus, a fonte, e levam a Deus, o fim último, e são exercitadas em Deus, o objeto principal delas, de forma que Deus é tudo em todos. Elas vêm do céu, e a natureza delas é divina, e elas o direcionarão para o céu e o levarão para lá. E como o exercício abre o apetite e dá força e vida ao corpo, o mesmo também acontece com a alma. [...] Pois como a lua é mais gloriosa e fica mais cheia quando fica mais diretamente face a face com o sol, também sua alma ficará mais cheia de dons e de bênçãos quando vir a face de Deus mais de perto. [...] Seu zelo compartilhará da natureza dessas coisas que o impulsionam: portanto, o zelo que é inflamado por suas meditações sobre o céu, provavelmente, será um zelo mais divino, e a vida do espírito que você busca na face de Deus deve resultar em uma vida mais sincera e consagrada. [...] Se você apenas pudesse ter o espírito de Elias, e na carruagem da contemplação pudesse elevar-se nas alturas até que se aproximasse da vivificação do Espírito, sua alma e seu sacrifício arderiam gloriosamente, apesar de a carne e o mundo lançar sobre eles a água de toda sua inimizade antagônica. [...] Pois a fé tem asas, e a meditação é a carruagem; sua responsabilidade é tornar presente as coisas ausentes. Você não vê que um pequeno pedaço de vidro, quando direcionado para o sol, condensará de tal forma seus raios e calor a ponto de queimar aquilo que está atrás dele, mas que, sem ele, esse objeto teria recebido apenas pouco calor? Oras, sua fé é o vidro que faz queimar seu sacrifício, e a meditação o posiciona diante do sol; apenas não o afaste logo, mas segure-o ali por um pouco de tempo, e sua alma sentirá o venturoso efeito. [...] Certamente, se conseguirmos entrar no Santo dos Santos, trazendo de lá a imagem e o nome de Deus, guardando-os em nosso coração, bem pertinho de nós, isso possibilitará que façamos maravilhas: toda responsabilidade que realizarmos será uma maravilha, e aqueles que a presenciarem prontamente dirão: "Ninguém jamais falou da maneira como esse homem fala" (Jo 7.46). O Espírito nos dominará, como aquelas línguas de fogo, e far-nos-á falar a todos sobre [...] as obras maravilhosas do Senhor. [...]

 

VI

As visões freqüentes da glória são os sentimentos mais preciosos e sinceros de todos: primeiro, para sustentar nosso espírito e tornar nossos sofrimentos muito mais fáceis; segundo, para impedir-nos de lamentar e permitir que esperemos com paciência e alegria; e, terceiro, para fortalecer nossas resoluções para que não abandonemos a Cristo por medo de enfrentar problemas. [...] De minha parte, se você levar em consideração a experiência de alguém que sempre tenta, não fosse por aquele breve--Ai de mim! Brevíssimo--saborear que tive do descanso, meus sofrimentos seriam mais sérios, e a morte, mais terrível. Posso dizer, como Davi: "Pereceria sem dúvida, se não cresse que veria os bens do SENHOR na terra dos viventes" (Sl 27.13; ARC). [...] Todos os sofrimentos não são nada, desde que tenhamos essa antecipação dessa salvação. Nenhum ferrolho, nenhuma prisão e nenhuma distância podem nos impedir de desfrutar dessas alegrias sustentadoras, pois não podem confinar nossa fé nem nossos pensamentos, embora possam confinar nossa carne. Cristo e a fé são espirituais e, portanto, prisões e banimentos não podem obstruir sua passagem. Mesmo quando a perseguição e o medo fecham as portas, Cristo pode entrar, pôr-se no meio de seus discípulos e dizer: "Paz seja com vocês!" (Jo 20.26). Paulo e Silas puderam chegar ao céu, embora estivessem trancados no cárcere interior, com os pés presos no tronco, após serem açoitados. [...] Os mártires encontram mais descanso nas chamas que seus perseguidores, quando estes estão em meio às pompas e à tirania, pois antecipam tanto as chamas por meio das quais escaparão quanto o descanso que sua carruagem de fogo lhes traz. Não é o lugar que possibilita o descanso, mas a presença de Cristo e nosso olhar para ele no momento de tribulação. Se o Filho de Deus caminha conosco, podemos caminhar seguramente em meio a essas chamas que devorarão aqueles que nos lançarão ali. Oras, cristãos, então mantenha sua alma acima com Cristo; fique o menos possível distante de sua companhia, e, daí, todas as condições serão similares para você. Pois a melhor condição para você é aquela em que tem mais dele. [...] Essa é a nobre vantagem da fé; ela pode ignorar os meios e acabar junto dele. [...] Aquele que não vê além do enterrar do milho sob a terra, do debulhar, do peneirar e do triturar do grão, considera tanto o milho como o trabalho para consegui-lo uma perda de tempo; mas aquele que antecipa o brotar e o crescer da planta, bem como o fazer o pão para a vida do homem, pensa de forma distinta. Esse é nosso engano: vemos Deus comprar-nos quando ainda estamos debaixo da terra, mas não antecipamos a primavera, quando todos nós reviveremos; nós sentimos quando ele debulha, peneira e tritura nosso ser, mas não vemos o momento em que estaremos sentados à mesa de nosso Mestre e ali seremos servidos. Se víssemos claramente o céu como o fim de todas as atitudes de Deus para conosco, certamente nenhuma de suas atitudes poderia ser tão dolorosa. [...] Como o homem que só ouve sobre a doçura do alimento agradável, ou só lê sobre os sons melodiosos da música, isso não estimula tanto seu desejo; mas quando ele saboreia pessoalmente o alimento e ouve a música, então ele se esforçará mais para conquistá-los. Assim, se você só conhecesse a glória da herança dos santos de ouvir falar, isso não lhe ajudaria a enfrentar os sofrimentos e a morte, mas se você pegar esse curso em que você experimenta e saboreia essa glória, por meio do exercitar diariamente sua alma para que ela se achegue às coisas do alto, então nada ficará no seu caminho; mas você prosseguirá até que esteja lá, mesmo que tenha de ser por meio do fogo ou da água. [...]

 

VII

O cristão que tem sua cidadania no céu é o mais proveitoso para todos a sua volta: ele pode lhes dar doces conselhos e ir para a casa celestial de Deus. Quando o homem está em um país estrangeiro, distante de casa, como ali se alegra com a companhia de alguém que é da mesma nação que ele. Como é prazeroso para eles conversar sobre seu país, sobre os conhecidos e os assuntos de sua nação. Com um cristão celestial, você pode ter esse tipo de conversa, pois ele já esteve lá pelo Espírito e pode contar-lhe sobre a glória e o descanso do alto. [...] Confesso que conversar com homens cultos, com compreensão clara e inteligência perspicaz, sobre assuntos difíceis e controversos de nossa religião, e também fazer críticas à linguagem e à ciência, é algo agradável e proveitoso; mas nada disso se compara à conversa de um crente sobre o céu e as coisas divinas. Como suas expressões são restauradoras e aprazíveis! Como sua doutrina cai como a chuva, e sua fala goteja como o suave orvalho; e, quando expressa o nome do Senhor e atribui grandeza ao seu Deus, é como a chuva fina no tenro capim; como a chuva fina na grama! Seu doce discurso sobre o céu, cheio de emoção, não é parecido com o frasco do precioso perfume, o qual, após ser aberto para ser derramado sobre a cabeça de Cristo, inunda a casa com seu perfume? Todos os que estiverem próximos podem ser revigorados por ele. [...] Felizes os que têm um ministério consagrado; felizes as crianças e os servos que tem um pai, ou mestre, consagrado; feliz o homem que tem amigos consagrados, pois eles têm o coração voltado para conhecer essa felicidade! Esse é o companheiro que tomará conta de seus caminhos; que o fortalecerá quando você estiver fraco; que o animará quando você estiver abatido, e que o confortará com os mesmos confortos com os quais foi muitas vezes confortado. Esse é aquele que acenderá a chama de sua vida espiritual e sempre atrairá sua alma para Deus. [...] Se você caminhar com esse homem consagrado, ele o direcionará e o estimulará em sua jornada para o céu; se você tiver de comprar ou vender para ele aqui no mundo, ele o aconselhará a abandonar tudo pelo tesouro inestimável. Se você proceder mal, ele o perdoará, lembrando-o que Cristo não só lhe perdoou ofensas maiores, mas também lhe dará essa porção inestimável. Se você ficar bravo, ele é manso, e falamos aqui dessa mansidão de alguém consagrado; ou se ele romper relações com você, logo ele busca a reconciliação quando se lembrar de que no céu vocês serão amigos por toda a eternidade. Esse é o cristão da espécie correta; esse é o servo que é parecido com seu Senhor; esses são os inocentes que salvam a ilha, e todos que habitam a volta dele sentem-se bem. [...] De minha parte, prefiro ter a companhia de cristãos consagrados, cuja mente está voltada para os assuntos do céu, que andar junto aos argumentadores eruditos ou aos comandantes reais.

 

VIII

Não existe homem que honre de forma mais excelsa a Deus que aquele que tem sua cidadania no céu; e, sem isso, nós o desonramos profundamente. Não é uma desgraça para o pai quando os filhos se alimentam de migalhas, vestem farrapos e andam na companhia de tratantes e de pedintes? E o mesmo não acontece com nosso Pai quando dissemos que somos seus filhos, mas nos alimentamos de terra, e a vestimenta de nossa alma é semelhante à do mundo desguarnecido, e quando nosso coração, que sempre deveria estar na presença de nosso Pai e ser elevado até sua presença, está mais familiarizado com a companhia desse barro e desse pó? Certamente, viver em meio aos ajudantes e servos não convém à noiva de Cristo, quando esta for diariamente admitida na sala do trono; ele estenderá seu cetro, se eles entrarem. Com certeza, vivemos sob o padrão do evangelho, e não para nos tornar filhos de um rei. Não vivemos de acordo com a altura de nossa esperança, nem de acordo com a plenitude que há nas promessas, nem em conformidade com a provisão da casa de nosso Pai, ou com a grande preparação feita para seus santos. [...] Mas, quando o cristão vive no alto, e sua alma se regozija nas coisas invisíveis, como Deus se apresenta para ser honrado por esse homem! [...] Pois ele honra aqueles que o honram.

 

IX

Se você não tomar consciência dessa responsabilidade de diligentemente manter seu coração no céu, desobedece claramente aos mandamentos de Deus; você perde as partes mais doces das Escrituras e deixa de descobrir as mais graciosas revelações de Deus.

Deus não trata isso como algo indiferente, nem deixou isso a sua própria escolha, para que decida se fará isso, ou não. Ele fez com que isso fosse sua responsabilidade, como também o meio para que você alcançasse seu conforto, a fim de que esse duplo compromisso pudesse uni-lo a ele, e você não abandonasse as misericórdias do Senhor. [...] Ademais, você perde as passagens mais reconfortantes da Palavra. Todas essas maravilhosas descrições do céu, todas essas descobertas de nosso abençoado futuro, todas as revelações dos propósitos de Deus para nós, e suas muitas e preciosas promessas de nosso descanso; o que é tudo isso para você, senão perda? Essas estrelas não estão no firmamento das Escrituras e não são as linhas do livro de Deus mais banhadas em ouro? De toda a Bíblia, acho que você não deveria se afastar das palavras que dizem respeito às promessas nem das profecias; não mesmo, nem mesmo em troca do mundo todo! Como o céu é a perfeição de todas nossas misericórdias, também as promessas delas no evangelho são a própria alma do evangelho. [...] Sim, você frustra as preparações de Cristo para a alegria que ele quer lhe dar e o faz falar em vão. Uma palavra de conforto que sai da boca de Deus não tem tão grande valor a ponto de todos os confortos do mundo nada representarem quando comparados com ela? E você negligencia e despreza muitas dessas palavras de conforto? [...] Agradou a nosso Pai abrir seu conselho e permitir que conhecêssemos as intenções exatas de seu coração, e que nos familiarizássemos com a extensão eterna de seu amor; e tudo isso para que nossa alegria pudesse ser plena, e para que pudéssemos viver como herdeiros nesse reino. E, agora, devemos desprezar tudo isso, como se ele não tivesse revelado nada sobre o assunto? Viveremos em meio aos cuidados e sofrimentos terrenos, como se não conhecêssemos nada disso? E não nos regozijaremos mais com essas descobertas como se o Senhor jamais as tivesse escrito? Se seu príncipe o selasse com a patente de seu senhorio, com que freqüência depositaria seu olhar nisso, fazendo com que seu deleite diário fosse o estudo disso até que viesse a possuir essa mesma dignidade? E Deus o selou para um título no céu, mas você o deixará ali ao seu lado, como se tivesse se esquecido disso? [...]

 

X

E é apenas justo que nosso coração esteja em Deus, quando o coração de Deus está tanto em nós. Se o Senhor da glória pode inclinar-se tanto a ponto de fazer seu coração repousar em seres pecadores, feitos de pó, certamente seríamos persuadidos a pôr nosso coração em Cristo e na glória, e ascender a ele, que se digna a ser condescendente conosco, em nossos sentimentos diários! Ó, se o deleite de Deus não estivesse mais em nós na mesma proporção que o nosso não está nele, o que deveríamos fazer? Em que situação estaríamos! Cristão, você não percebe que o coração de Deus está sobre você? E que ele ainda cuida de você com amor cuidadoso, mesmo quando se esquece de si mesmo e dele? Você não o vê quando o acompanha com suas misericórdias diárias, movendo-se em sua alma e provendo para seu corpo, a fim de preservar ambos? Ele não o acolhe continuamente nos braços do amor e promete que tudo coopera para o seu bem? E ajusta todas as formas de lidar com você para seu próprio benefício? E não pede que seus anjos tomem conta de você? E você não consegue encontrar em seu coração um lugar para ele, pois está muito ocupado com as alegrias terrenas, a ponto de esquecer seu Senhor que não se esquece de você? [...] Esse não foi o pecado que Isaías clamou, de forma solene, para que o céu e a terra testemunhassem contra ele? "O boi reconhece o seu dono, e o jumento conhece a manjedoura do seu proprietário, mas Israel nada sabe, o meu povo nada compreende" (Is 1.3). Se o boi e o jumento desgarram-se durante o dia, eles, provavelmente, voltam para sua casa à noite, mas nós não elevamos nossos pensamentos a Deus nem uma vez ao dia. [...] Portanto, permita que sua alma ascenda até Deus e o visite todas as manhãs, e que seu coração se volte para ele todos os momentos.

 

XI

Além dessa maravilha da qual falamos anteriormente, nosso interesse pelo céu e nosso relacionamento com ele não deveriam manter nosso coração ali? Ali, nosso Pai mantém sua corte. Nós não oramos: "Pai nosso, que estás nos céus!"? Ah! Crianças sem graça e indignas que se ocupam tanto com suas responsabilidades a ponto de não se importarem com seu Pai! [...] E há multidões de nossos irmãos mais velhos; há nossos amigos e nossos velhos conhecidos, cuja companhia na carne era-nos muito agradável, e cuja partida para lá tanto lamentamos! E isso não é um atrativo para seus pensamentos? Se eles estivessem ao seu alcance na terra, você os visitaria; e por que não os visita com mais freqüência em espírito; e não se regozija de antemão ao pensar que se encontrará novamente com eles ali? [...] Sócrates regozijou-se com o fato de que morreria, pois cria que veria Homero, Hesíodo e outros homens magníficos; e eu regozijo muito mais, pois tenho a certeza de que verei a Cristo, meu Salvador, o eterno Filho de Deus na carne que ele assumiu; e, além dele, também verei tantos outros homens santos e magníficos! [...] Com certeza, se nossa casa fosse muito mais inferior, ainda assim nos lembraríamos dela, apenas por que ela é a nossa casa. [...] Se você fosse banido para uma terra estrangeira, com que freqüência pensaria em sua nação; com que freqüência pensaria em seus antigos companheiros; independentemente da companhia que tivesse ou de para onde você fosse, seu coração e seu desejo ainda estariam ali. [...] Oras, o mesmo não acontece conosco em relação ao céu? Ali não é, de forma mais verdadeira e apropriada, nossa casa, onde habitaremos por toda a eternidade? [...] Somos estrangeiros, e o céu é nosso país. Somos herdeiros, e aquela é nossa herança, uma herança incorruptível e imaculada, que não desaparece, a que está reservada para nós no céu. [...] Ó, que nos importássemos com nossa herança e a valorizássemos pelo menos a metade do que vale!

 

XII

Não vale a pena depositar nosso coração em nada mais, a não ser o céu. Se Deus não tem nosso coração, quem, ou o que, mais o poderia tê-lo? Se você não se importa com seu descanso, com que mais poderia se importar? [...] Eu não o aconselharia a fazer experimentos que lhe custassem tão caro, como todos os que buscam a felicidade aqui na terra, para que você, quando a substância se per-der, não descubra que apenas apoderou-se de uma sombra; para que você não seja como aqueles homens que precisam buscar a pedra filosofal, embora ninguém, antes dele, a tenha achado; e comprar essa experiência com a perda de suas terras e seu tempo, algo que poderiam alcançar a um preço muito mais barato, caso tivessem se ocupado com a experiência de seus predecessores. Portanto, gostaria que você não se inquietasse com a busca daquilo que não está na terra, para que você não aprenda isso com a perda de sua alma, algo que você poderia aprender de forma mais fácil por meio dos avisos de Deus em sua Palavra e da perda de milhares de almas antes de você. Na verdade, à medida que a necessidade e a responsabilidade exigirem, devemos ficar contentes em nos importar com as coisas da terra; mas quem é que delimita a si mesmo na extensão desses limites? E, ainda assim, se delimitarmos nossos cuidados e pensamentos de forma tão diligente quanto possível, encontraremos--como a pequena abelha tem seu ferrão, e a menor serpente, seu veneno--o mínimo de amargura e fardo. O mesmo posso dizer a respeito de nossos cuidados terrenos; a característica deles é ser árduos e problemáticos, e continuarão com essa característica mesmo quando forem mínimos. [...] Nós, os cidadãos e habitantes do céu, estamos unidos, por alianças solenes e freqüentes, a não nos deixar seduzir por honras ou deleites estranhos, nem nos enredar com eles, mas apenas nos envolvermos com aqueles de nossa própria nação. Se seus pensamentos, como a laboriosa abelha, voarem pelo mundo, de flor em flor, de criatura em criatura, eles não lhe trarão nenhum mel nem doçura, a não ser o que eles reuniram com relação à eternidade. [...]

Apresentei esses argumentos para que você considere e, se possível, que o persuadam a ter uma mente consagrada. Agora, desejo que você os revise; leia-os de forma deliberada, e leia-os novamente, e depois me diga se eles têm fundamento ou não. [...] Essas considerações são de peso, ou não? [...] Se você responder negativamente, estou certo que você contradiz sua própria consciência e fala contra a luz que habita em você, e sua razão dir-lhe-á que você falou coisas falsas; se você responder afirmativamente e admitir para si mesmo que essa responsabilidade é essencial, então dê testemunho de que recebi sua confissão. Sua língua mesma o condenará, e essa confissão advogará contra você mesmo, se for agora mesmo para casa, e lançar fora, e ignorar obstinadamente essa responsabilidade que confessou, essas considerações serão como o júri que o condena. [....] Tenha o desejo firme, e mais da metade do trabalho já terá sido realizado. O que você diz? Você está disposto, ou não? Que Senhor o persuada a trabalhar.