Capítulo 11

AS ALMAS QUE JÁ PARTIRAM
DESFRUTAM DESSE DESCANSO
ANTES DA RESSURREIÇÃO, OU NÃO

 

Tenho mais uma coisa para esclarecer, [...] e é isto: só se desfruta esse descanso depois da ressurreição, ou tomamos posse de parte dele antes disso? [...] Creio realmente que, como o homem, assim que a alma se separa do corpo, ainda não é perfeito, também não desfruta a glória e a felicidade de forma tão plena e tão perfeita, como o fará quando os dois se reunirem novamente. Qual é essa diferença, e qual o grau de glória que a alma desfruta nesse meio tempo, esses são fatos muito sublimes para que os mortais possam discernir de forma minuciosa. [...] Ainda não podemos ter concepções claras dessas coisas. Mas a alma dos crentes, separada do corpo, desfruta de bênçãos e de glória inconcebíveis, mesmo enquanto ainda está separada, eu provo [...].

Aquelas palavras de Paulo são extremamente claras, e ainda não compreendo que exceção aceitável é possível se fazer a elas: "Por-tanto, temos sempre confiança e sabemos que, enquanto estamos no corpo, estamos longe do Senhor. Porque vivemos por fé, e não pelo que vemos. Temos, pois, confiança e preferimos estar ausentes do corpo e habitar com o Senhor" (2Co 5.6-8). [...]

Tão claras quanto as palavras de Filipenses 1.23: "Estou pressionado dos dois lados: desejo partir e estar com Cristo, o que é muito melhor". Essas palavras fariam sentido se Paulo não esperasse desfrutar Cristo até a ressurreição? Por que ele se sentiria pressionado e desejaria partir? Ele não deveria estar com Cristo o quanto antes para que isso acontecesse? Mais ainda, ele não estaria relutante em partir por essas mesmas razões? Pois, enquanto estava na carne, ele, em parte, desfrutava de Cristo. [...] E Cristo foi muito claro com o ladrão: "Hoje você estará comigo no paraíso" (Lc 23.43). [...] E, é claro, embora não passe de uma parábola, a história do rico no inferno e de Lázaro, parece improvável supor que Cristo lhes ensinasse sobre a felicidade ou a miséria da alma, como parece evidente aos íntimos, se não se tratasse desse assunto. [...] Claras também são as palavras de Apocalipse 14.13: "'Felizes os mortos que mor-rem no Senhor de agora em diante'. Diz o Espírito: 'Sim, eles descansarão das suas fadigas, pois as suas obras os seguirão'". [...] E não se afirma isso de outra maneira: "Mas vocês chegaram ao monte Sião, à Jerusalém celestial, à cidade do Deus vivo. Chegaram aos milhares de milhares de anjos em alegre reunião, à igreja dos primogênitos, cujos nomes estão escritos nos céus. Vocês chegaram a Deus, juiz de todos os homens, aos espíritos dos justos aperfeiçoados" (Hb 12.22)?

A Escritura não nos ensina que Enoque e Elias já foram arrebatados, e devemos achar que eles têm essa glória sozinhos? Pedro, Tiago e João também não viram Moisés com Cristo no monte da transfiguração? No entanto, a Escritura ensina-nos que Moisés morreu; seria possível que Cristo iludiu os sentidos deles ao mostrar-lhes Moisés, se ele não compartilhasse daquela glória até a ressurreição? E as palavras de Estêvão não foram tão claras para nós? "Senhor Jesus, recebe o meu espírito" (At 7.59). Claro que se o Senhor recebeu o espírito desse santo, ele não está adormecido, não foi morto nem aniquilado; mas é ali que ele está e vê a glória do Senhor. [...] E não se afirma isso de outra maneira, que já temos a vida eterna; que esta "é a vida eterna [que já começou aqui]: que te conheçam, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste" (Jo 17.3); que quem "crê no Filho tem a vida eterna" (Jo 3.36); que "aquele que se alimenta deste pão viverá para sempre" (Jo 6.58).

Certamente, se houver uma interrupção tão grande de nossa vida até a ressurreição--e para alguns isso acontecerá depois de milhares de anos--, isso não é vida eterna, nem reino para todo o sempre. [...]

Observa-se também que quando João teve suas gloriosas visões, ele afirma que se achava "no Espírito" (Ap 1.10) e que se viu "tomado pelo Espírito" (Ap 4.2); e quando Paulo teve suas revelações e viu coisas indizíveis, ele não sabia se estava no corpo ou fora do corpo--, e tudo isso implica que o espírito é capaz dessas coisas gloriosas, sem a ajuda de seu corpo. [...] Cristo ordena-nos a ter "medo dos que matam o corpo, mas não podem matar a alma" (Mt 10.28). Isso não implica claramente que quando os homens perversos matam nosso corpo--ou seja, separam nossa alma do corpo--, a alma ainda está viva? [...] Por que há menção de Deus soprando no homem o fôlego de vida e chamando a alma deste de ser vivente? Não há menção de nada semelhante a isso na criação das outras criaturas e, portanto, isso, com certeza, faz com que haja alguma diferença entre a vida de nossa alma e a delas. [...]

É lamentável que a opinião cruel da mortalidade da alma encontre muitos patronos professando religiosidade, quando há tanta evidência na Escritura contra esse fato. [...] E, ainda mais, a maioria das nações do mundo, até mesmo os índios incivilizados, reconhece à luz da natureza, algo que esses homens negam, que há uma felicidade e uma miséria à qual a alma que se separou de seu corpo se destina. [...]

Portanto, acredite firmemente, ó alma fiel, que, apesar de tudo que os enganadores deste mundo possam dizer em contrário, sua alma, assim que abandonar sua prisão de carne, terá a escolta de anjos; Cristo será a companhia dela, junto com todos os espíritos aperfeiçoados do justo; o céu será sua habitação, e Deus será sua felicidade. [...]